O tamanho de conjuntos infinitos de números naturais

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Laerte Ferreira Morgado [1]

Senado Federal, Brasília, DF, Brasil

https://orcid.org/0009-0006-4004-9804, http://lattes.cnpq.br/1825181346586842

Resumo Em vista do paradoxo do princípio de Euclides, de que a parte é menor do que o todo, em comparação com a relação biunívoca de Cantor, permitindo que subconjuntos próprios sejam colocados em relação biunívoca com o conjunto maior, apresento uma refutação dessa relação biunívoca e, preservando, portanto, salvo melhor juízo, o princípio de Euclides, proponho uma construção dos números naturais e uma definição algorítmica do tamanho de conjuntos finitos de números naturais, além de definições de tamanhos de conjuntos infinitos de números naturais e de conjuntos de números reais não negativos, limitados ou não, as quais fundamentam-se na noção de “densidade assintótica” e fazem uso da noção de limite e da medida de Lebesgue quanto a subconjuntos da reta real não negativa.

Palavras-chave: Cantor; Naturais; Tamanho; Infinito; Paradoxo.

The size of infinite sets of natural numbers

Abstract: In view of the paradox of Euclid’s principle, that the part is smaller than the whole, in comparison with Cantor’s one-to-one relationship, allowing proper subsets to be placed in a one-to-one relationship with the larger set, I present a refutation of this one-to-one relationship and, preserving, therefore, subject to further consideration, the principle of Euclid, I propose a construction of the natural numbers and an algorithmic definition of the size of finite sets of natural numbers, in addition to definitions of sizes of infinite sets of natural numbers and of sets of non-negative real numbers, bounded or not, which are based on the notion of “asymptotic density” and make use of the notion of limit and the Lebesgue measure regarding subsets of the non-negative real line.

Keywords: Cantor; Naturals; Size; Infinite; Paradox.

El tamaño de conjuntos infinitos de números naturales

Resumen: Ante la paradoja del postulado de Euclides, de que el todo es mayor que la parte, en comparación con la relación biunívoca de Cantor, que permite colocar subconjuntos propios en relación biunívoca con el conjunto mayor, presento una refutación de esta relación biunívoca. Preservando, salvo mejor juicio, el principio de Euclides, propongo una construcción de los números naturales y una definición algorítmica del tamaño de conjuntos finitos de números naturales, además de definiciones de tamaños de conjuntos infinitos de números naturales y de conjuntos de números reales no negativos, acotados o no, que se basan en la noción de «densidad asintótica» y hacen uso de la noción de límite y de la medida.

Palabras clave: Cantor; Naturales; Tamaño; Infinito; Paradoja.

Data de submissão: 05 de março de 2024.

1. Introdução

Paolo (2009) afirma, com base em Cantor e Hume, que dois conjuntos infinitamente enumeráveis que possam ser colocados em correspondência biunívoca possuem o mesmo “tamanho”, ou seja, a mesma cardinalidade. Isso, entretanto, é contraditório com o princípio, que remonta a Euclides, de que a parte é menor que o todo. Um exemplo clássico dessa contradição é a comparação do conjunto dos números naturais com o subconjunto dos números pares. Eles podem ser colocados em correspondência biunívoca, por exemplo, por meio de uma função que associa a cada número natural n o número par 2n, devendo ter o mesmo “tamanho” de acordo com o princípio de Cantor-Hume, mas os números pares, por serem um subconjunto próprio dos números naturais, deveriam possuir “tamanho” menor de acordo com o princípio de Euclides.

Naquele artigo (Paolo, 2009), seu autor fornece-nos um panorama histórico da questão, que envolve discussões filosóficas profundas de conceitos básicos, dentre eles a definição do próprio conceito de número natural, dos conceitos de tamanho de conjuntos infinitos e da possibilidade e maneira de compará-los. De passagem, o autor menciona a possibilidade de usar a noção de “densidade assintótica”, conforme usada em teoria dos números (Niven, 1951), como possibilidade de diferenciar entre conjuntos infinitos de números naturais, apesar de algumas limitações. Apesar de diferentes autores de renome terem-se dedicado à questão da medição do tamanho de conjuntos infinitos de números naturais, essa é uma questão que permanece controversa. Alguns preferem dar prioridade ao princípio de Euclides enquanto outros conferem primazia ao princípio de Cantor-Hume.

No presente artigo, abordo essa questão de mensuração de conjuntos infinitos de números naturais e sua generalização para conjuntos de números reais não negativos, fazendo uso da teoria de “densidade assintótica” e tecendo algumas considerações de cunho filosófico. Toda a presente teoria, assim como o uso da teoria de “densidade assintótica” para medir conjuntos infinitos desenvolvi de forma independente, mas não reivindico nenhuma espécie de antecedência.

2. Referencial Teórico

De acordo com PAOLO (2009), as questões referentes à própria existência e à mensurabilidade de infinitos matemáticos possuem importância central no pensamento matemático do Ocidente. Paradoxos referentes a essas questões foram expostos desde a Antiguidade, tanto em questões geométricas quanto na determinação dos tamanhos de coleções infinitas. A exposição desses paradoxos e o estudo da questão referente à medição do tamanho de coleções infinitas envolveram autores como Galileu, Proclus, Thabit ibn Qurra, Leibniz, Emmanuel Maignan, Bolzano, Cantor, dentre outros (PAOLO, 2009).

Galileu e Leibniz, de acordo com PAOLO (2009, p. 617), rejeitam a possibilidade de uma teoria de tamanho de coleções infinitas, por diferentes razões. Maignan “defende a existência de coleções infinitas e a existência de diferentes tamanhos dentre os infinitos” (PAOLO, 2009, p. 619). Bolzano e Cantor, por seu turno, sustentam a possibilidade de desenvolver uma teoria dos tamanhos de infinitos.

De acordo com PAOLO (2009, p. 626), Dedekind abordou a definição de infinito por meio de conjuntos que podem ser colocados em correspondência biunívoca com subconjuntos próprios deles mesmos. Como no caso da correspondência biunívoca entre os números naturais e os números naturais pares. Entretanto, ainda de acordo com PAOLO (2009, p. 626), foi Cantor quem usou correspondências biunívocas para “analisar a noção de tamanho de conjuntos infinitos”.

Dessa forma, para Cantor (PAOLO, 2009, p. 627), “todos os conjuntos infinitos de números naturais possuem a mesma cardinalidade, diríamos o mesmo ‘tamanho’”, já que podem ser colocados em correspondência biunívoca entre si. O problema com essa noção é que ela entra em conflito com um princípio altamente intuitivo que remonta a Euclides, no sentido de que a parte é menor que o todo (PAOLO, 2009, p. 639). Os números naturais pares podem ser colocados em correspondência biunívoca com os números naturais e, de acordo com Cantor-Hume, deveriam ter o mesmo tamanho. Entretanto, já que os números naturais pares são um subconjunto próprio dos números naturais, a coleção dos primeiros deveria ter tamanho menor do que a dos últimos, de acordo com Euclides.

Existem tentativas contemporâneas de resolver esse problema, mas é uma questão em aberto, a tal ponto que Gödel afirmou ser a “teoria de Cantor de tamanho de conjuntos infinitos inevitável”, já que “o número de objetos pertencentes a alguma classe não muda se, deixando esses objetos os mesmos, alguém muda de alguma maneira suas propriedades ou relações mútuas (por exemplo, suas cores ou sua distribuição no espaço)” (PAOLO, 2009, p. 637). Obviamente, estaria aqui Gödel se referindo à relação biunívoca entre os elementos de dois conjuntos infinitos.

Por fim, é importante que se mencione o uso que faremos da “densidade assintótica”, usada na teoria dos números, para medir o tamanho de subconjuntos infinitos dos números naturais. Tal possibilidade foi mencionada em PAOLO (2009, p. 627), mas a intuí de forma independente. Mencione-se que se pode consultar NIVEN (1951) e FINE & ROSENBERGER (2007) para uma definição desse conceito.

3. Metodologia

Neste estudo, uso os métodos da Filosofia em conjunto com os da Matemática. Por métodos da Filosofia, entendo, de acordo com JORGENSEN (2006), os métodos de raciocínio e análise que procuram definir claramente os conceitos usados, investigar e expor os fundamentos das ideias e teorias e construir uma teoria sistemática que se baseia em outras ideias e sistemas de pensamento.

Definir claramente os conceitos permite criticar ideias, compará-las, identificar suas diferenças e similaridades, forças e fraquezas (JORGENSEN, 2006, p. 177). Buscar e expor os fundamentos das ideias permite, por seu turno, uma crítica profunda do modelo e a dedução de implicações necessárias. Dessa forma, essas implicações podem ser comparadas e analisadas (JORGENSEN, 2006, p. 180). Objetivar construir um sistema orgânico deve ser feito de forma que tenha valor de explicação e de compreensão. Com base nesses métodos, o trabalho filia-se à escola do positivismo, que faz uso da “lógica, razão, rigor e inferência na descoberta de conhecimento” (JORGENSEN, 2006, p. 189). Faz também uso tanto da dedução quanto da indução, portanto realiza conclusões tanto “necessárias” quanto “prováveis” (JORGENSEN, 2006, p. 190), e procura tanto refutar uma teoria quanto construir uma outra.

4. Resultados e Discussão

4.1. Medindo Conjuntos Infinitos de Números Naturais

4.1.1. Considerações Filosóficas

O assombro em torno da contradição entre os princípios de Cantor-Hume e Euclides é justamente esse: ambos os princípios são altamente intuitivos, mas, quando aceitamos o primeiro, conseguimos construir relações biunívocas várias entre conjuntos e seus subconjuntos próprios e, dessa forma, violamos o segundo princípio. Que princípio deve subsistir, então? Além disso, se refutarmos o princípio de Cantor-Hume, que serviu de base para a teoria de mensuração de conjuntos infinitos, como poderemos medi-los?

É preciso que se considere que o princípio de Cantor-Hume se aplica a conjuntos quaisquer e não apenas a conjuntos numéricos. Ou seja, quaisquer dois conjuntos possuem o mesmo “tamanho”, a mesma cardinalidade, se for possível estabelecer uma relação biunívoca entre seus elementos.

Como se percebe, essa relação biunívoca, se considerarmos, primeiramente, subconjuntos dos números naturais, abstrai, desconsidera completamente, a ordem dos números, ou seja, a posição de cada um dos números na sequência crescente infinita. Entretanto, argumentamos que os números naturais não podem ser definidos ou pensados sem dois atributos: ordem e quantidade.

Deixando isso de lado por enquanto, vejamos como poderíamos definir os números naturais. Existem, na literatura, várias possíveis definições de números naturais (HAMKINS, 2021). Uma definição recursiva, elegante e bastante aceita é a de John von Neumann: “todo número é o conjunto de números menores” (HAMKINS, 2021, p. 12). O primeiro número é conjunto vazio, o próximo o conjunto cujo único elemento é o conjunto vazio, e assim por diante. Para fornecer a definição de número natural a ser usada aqui, entretanto, precisaremos de duas outras noções primitivas: o nada e a unidade, o não-ser e o ser. O nada, intuitivamente podemos representar pelo número 0, ou seja, nenhuma quantidade. A unidade, seja ela do que for, representamos intuitivamente pelo número 1, ou seja, uma unidade de quantidade. Os números 0 e 1 são apenas rótulos que nomeiam essas duas noções intuitivas, essas duas quantidades fundamentais, esses dois números primários. É difícil imaginar uma mente que não esteja baseada na percepção básica desses dois números, dessas duas realidades: a não-existência e a existência.

A construção dos outros números naturais é uma decorrência fácil para uma mente que seja capaz de imaginar colocar uma unidade ao lado (junto) de outra idêntica. Essa nova realidade, essa união de duas unidades, traz em sua essência um novo número, distinto do 0 e 1, a que podemos atribuir o rótulo de 2. Os outros números naturais podem ser entendidos e produzidos pela mesma operação de adicionar, unir, à última realidade, uma nova unidade em sequência. Assim, a partir da realidade subjacente ao número 2, ao adicionarmos (juntarmos) outra unidade, obtemos uma nova realidade a que podemos dar o rótulo de 3. Sucessivamente dessa maneira, construímos todos os números naturais, por maior que seja.

Perceba que tal construção e entendimento dos números naturais a partir do não-ser e do ser, do nada e da unidade, com os acréscimos sucessivos de novas unidades, possui em sua essência a noção de ordem. Ao adicionarmos uma unidade a uma realidade, a um número, construímos outro que, intuitivamente, é posterior e maior do que o anterior: possui uma unidade a mais. Nessa construção, a ordem é essencial à noção de número: não é possível considerar e entender um número natural que não o relacionando com a ordem, a posição que ocupa na sequência. O número 3, por exemplo, somente pode ser considerado e entendido se consideramos que, antes dele, existem 3 números menores: 0, 1 e 2. E o mesmo pode ser dito com relação a qualquer dos outros números naturais, com a adaptação necessária.

Da mesma forma que, de acordo com essa noção de número natural, não podemos considerar esses números sem a intrínseca noção de ordem, devemos pensar que essa ordem é, ainda, qualificada por uma certa “quantidade”: a unidade, o número 1, o rótulo numérico do ser. Ou seja, qualquer número natural, à exceção do zero, além de ser maior que o número anterior na sequência crescente, é maior em uma quantidade específica e constante: a unidade, o número 1, o rótulo do ser. De acordo com essa construção, é essencial que o número 1, esse rótulo, possa ser atribuído a uma realidade e a outra qualquer, separada dela, que lhe seja essencialmente idêntica. Somente assim podemos construir o número 2 e atribuí-lo à noção de união de uma e outra realidade idênticas, quando consideradas juntas. Somente assim poderemos construir todos os números naturais pelo acréscimo sucessivo de novas realidades idênticas, novos números 1s. Ou seja, nessa construção, os números naturais são inseparáveis da noção de ordem (posição) e quantidade.

De forma incidental, devemos notar que podemos definir a operação adição (+) de dois números naturais quaisquer x e y, simplesmente obtendo, em pensamento, para cada um, suas realidades subjacentes, suas quantidades de unidades, uni-las, ou seja, colocá-las juntas, em pensamento, e obter, em sentido inverso, o rótulo, o número, dessa nova realidade, composta da união das realidades dos dois números iniciais. Esse último passo pode ser feito, a partir do 0, do nada, contando-se cada uma das unidades da união como se as estivéssemos adicionando, uma a uma, para obter os números naturais em sequência. Poderemos usar, por outro lado, se a tivermos construído, uma tabela que mapeie uma representação qualquer das realidades para seus respectivos rótulos e vice-versa. A operação de multiplicação (x) de números naturais pode ser definida a partir da operação de adição se pudermos considerar que as realidades, as unidades, subjacentes aos números possam, elas mesmas, ser as realidades subjacentes a outros números (o mesmo número). Por exemplo, considere a multiplicação dos números naturais x e y. Se entendermos que cada uma das realidades (unidades) do número x pode representar as realidades subjacentes ao número y, basta juntar tantas dessas novas realidades múltiplas (tantos números y) quantas forem as unidades do número x e, a partir daí, mapear inversamente a união dessas realidades (repetições de y) para o rótulo correspondente.

Subtrair um número natural menor a partir de um maior pode ser feito facilmente pela ação inversa da construção dos números: em vez de acrescentar unidades sucessivamente, as retiramos sucessivamente (uma para cada unidade do número menor) da união das unidades que compõem o número maior. A partir daí, basta mapear a união de realidades que sobrou do número maior para o rótulo adequado. A divisão de um número natural maior por um menor, à exceção do zero, também pode ser definida facilmente. Para cada unidade de realidade do número menor, retiramos uma unidade de realidade do número maior. Anotamos, em separado, o número 1. Repetindo esse passo, se for possível, ou seja, se o número de unidades do número maior que sobrou foi igual ou maior (a relação de ordem, intrínseca nessa definição de número, pode ser facilmente definida) que o número de unidades do número menor. Em caso positivo, adicionamos 1 à nossa anotação. Continuamos repetindo esse passo. Quando o número de unidades do número maior que sobrou for menor que o número de unidades do número menor, paramos. O quociente da divisão é o número representado em nossa anotação. O resto é obtido ao mapearmos inversamente as unidades que restaram do número maior para o rótulo apropriado.

Figura 1 — Relação Biunívoca de Cantor

Fonte: Próprio Autor. Definição de Número Conforme o Presente Trabalho

Nessa construção, portanto, não podemos separar a noção de número natural de sua posição na sequência ordenada de números naturais. Consideremos um exemplo (Veja a Figura 1, acima). Quando Cantor, numa relação biunívoca, mapeia os números naturais (0,1,2,3,…) nos números múltiplos de 5 (0,5,10,15,…), por exemplo, e abstrai, desconsidera os rótulos, como se mapeássemos (*,*,*,*,…) em (#,#,#,#,…), afirmando que possuem, as duas sequências, o mesmo “tamanho”, estamos, na presente construção dos números naturais, cometendo um erro gravíssimo, pois os números naturais não podem ser considerados de forma independente da realidade subjacente, de sua posição na sequência. Podemos mapear o 0 de uma sequência no 0 da outra. Entretanto, não podemos mapear o número 1 ao número 5, e considerá-los equivalentes, pois as realidades subjacentes de ambos os números são muito diversas, uma contendo uma unidade e outra contendo 1+1+1+1+1 unidades. Ou seja, o número 1 não pode ser considerado equivalente ao número 5 por uma relação biunívoca nessa construção dos números naturais, pois isso nos obrigaria a atribuir um rótulo, um número, uma unidade de realidade a duas coisas incompatíveis em termos de número, em termos de quantidade: uma unidade de realidade (*) e 1+1+1+1+1 unidades de realidade (#). Se (*) é igual e equivalente a (#), ambas representando uma unidade de realidade, essa unidade de realidade não pode, ao mesmo tempo, ser equivalente a outra “uma unidade” e a 1+1+1+1+1 ainda outras “unidades”. Ao considerarmos uma unidade (1) igual a cinco unidades (1+1+1+1+1), teremos um número natural (pois é disso que trata a relação biunívoca um-a-um) que deveria ser equivalente tanto a 1 como 1+1+1+1+1. Mas, nessa construção, devemos mapear todos os rótulos de números naturais para um mesmo tipo de realidade: uma mesma “pedrinha” para representar a unidade, por exemplo. Como, então, ser possível que o número 1 (uma unidade, * ou #), que, nessa construção, deve ser representada por uma “pedrinha”, seja equivalente a cinco (1+1+1+1+1) “pedrinhas”? Se fizermos isso, afirmaremos que 1+1+1+1+1 “pedrinhas”, ou realidades, são iguais a 1 outra “pedrinha”, ou realidade. Ou seja, nessa construção, quando, com Cantor, retiramos os rótulos e associamos um símbolo (*) a outro símbolo (#) na relação biunívoca, estamos mudando nossa definição de número: não mais usamos “pedrinhas”, mas símbolos e, mantemos, de um lado, um símbolo (*) essencialmente equivalente a uma “pedrinha” (1) e, de outro, um outro símbolo, que deve representar também uma unidade (1), substituindo 5 (1+1+1+1+1) “pedrinhas”. Ou seja, ao retiramos os rótulos e a mapearmos um (1) símbolo no outro, como uma unidade, estamos mentindo de um dos lados da relação, pois um único símbolo não pode representar, ao mesmo tempo, uma unidade e cinco unidades. Ao menos não em questões que envolvem a própria definição e construção de números naturais. Não podemos, na relação biunívoca de Cantor, dar o passo de considerar equivalentes, em termos numéricos, dois números naturais que representam quantidades diferentes de realidades. Não podemos considerar equivalentes, em termos numéricos, dois números naturais diferentes. Isso exigiria a construção de uma meta-noção de número natural que fosse igual, de um lado da relação biunívoca, a uma realidade, e, do outro lado, a cinco realidades, por exemplo. Se existisse tal meta-noção, ela falharia em sua aplicação para contar as realidades originais, as “pedrinhas”, pois, ela deveria fazer a unidade ser igual, ao mesmo tempo, a 1 e a 5 “pedrinhas”, o que é um absurdo. Essa meta-noção, portanto, seria falha, contraditória, não existe. O número natural 1 e o número natural 5, portanto, não podem ser feitos equivalentes, em sua definição da noção de unidade de realidade a que se referem. Portanto, em termos da própria definição de número, o número 1 não pode ser equivalente ao número 5. Números naturais diferentes não podem ser equivalentes. Não podemos usar a relação biunívoca de Cantor para, forçando a equivalência de coisas (números naturais) que não podem ser equivalentes, definir uma grandeza (tamanho, cardinalidade) que depende da própria definição de números naturais. A cardinalidade de Cantor, assim usada, destrói a noção de número natural, de unidade de realidade, com o propósito de medir o tamanho dos conjuntos de números naturais.

Raciocinando em termos genéricos (Veja a Figura 1, acima), a relação um-a-um de Cantor põe em equivalência duas unidades de realidade. Cada uma dessas unidades de realidade é, essencialmente, a definição intuitiva e primitiva da unidade, do ser, do número 1, de acordo com a definição do presente trabalho. Não podemos, portanto, afirmar que um dos lados da relação seja correspondente a um número, uma quantidade de realidades, distinto do número, outra quantidade de realidades, do outro lado da relação. Isso seria o mesmo que afirmar a unidade de realidade seja, de um dos lados da relação, equivalente a uma unidade de realidade e, do outro lado da relação, a uma quantidade diferente de unidades de realidade. Ou seja, uma unidade de realidade seria ao mesmo tempo uma quantidade diferente da unidade de realidade, o que é um absurdo em termos da própria definição e intuição de número. Discordamos, portanto, de Gödel, pois as noções de ordem e quantidade são essenciais aos números e não podem ser abstraídas para sustentar a relação biunívoca de Cantor aplicada a números.

Como definir, então, quantidade de coleções finitas de números naturais? Uma definição possível, de acordo com a presente definição de número natural, envolve um algoritmo de contagem, essencialmente o mesmo usado na própria definição de número apresentada acima. Começamos com um conjunto de contagem, que esteja inicialmente vazio de unidades de realidade, e com um contador inicialmente igual a 0. Se, no conjunto a medir, o número 0, que corresponde ao mesmo vazio de unidades de realidade, estiver presente, adicionamos 1 ao nosso contador. Acrescentamos, então, uma unidade de realidade ao nosso conjunto de contagem. Se existir um número, no conjunto a ser contado, cuja quantidade de unidades de realidade for a mesma da quantidade de realidades de nosso conjunto de contagem (esse número será o 1), adicionamos 1 ao nosso contador. Prosseguimos dessa forma, e sempre que a quantidade de unidades de realidade de um número do conjunto a ser contado for igual à qualidade de unidades de realidade de nosso conjunto de contagem, adicionamos 1 a nosso contador. Quando não existirem mais números no conjunto a ser contado, encerramos: o contador conterá um número que representa intuitivamente, a quantidade de números naturais do conjunto finito que queríamos contar.

4.1.1. Medindo o Infinito com o Uso de “Densidade Assintótica”

Quanto aos conjuntos infinitos de números naturais, o padrão de medida, a unidade de medida como se diz na Física, não pode ser a unidade de realidade usada para definir os números naturais, já que, obviamente, se medirmos uma quantidade infinita por meio de um padrão de medida finito, teremos uma quantidade infinita, o que não diz muita coisa. A solução, portanto, é usar uma unidade de medida que seja infinita. Como o conjunto de todos os números naturais é infinito e é o maior de todos os conjuntos de números naturais, se o utilizarmos como base de medida, poderemos comparar o tamanho de sequências infinitas de números naturais, a ser definido abaixo, com o tamanho do conjunto de todos os números naturais e, dessa forma, obter uma fração, a ser definida (o conceito de fração pode ser definido a partir de pares ordenados de números naturais), como uma medida do tamanho da sequência de números naturais em questão.

Para que possamos capturar a noção de infinito, usamos a noção de limite (a ser definida) de sequência de frações; e, para que possamos definir a quantidade de uma sequência infinita de números naturais, usaremos a seguinte definição: q(n) é a quantidade de números naturais da sequência infinita em questão, menores ou iguais a um certo número natural finito n. No mesmo sentido Q(n) é definido como a quantidade de números naturais quaisquer, menores ou iguais a um certo número natural finito n. Definimos o tamanho de uma sequência infinita de números naturais como: lim (q(n)/Q(n)), n->infinity.

Essa definição corresponde, em essência, à definição de “densidade assintótica” (Niven, 1951). Vê-se que, de acordo com essa definição, o tamanho do conjunto de números naturais pares será ½ ∞ (metade) do tamanho do conjunto dos números naturais (1 ∞), preservando o princípio de Euclides e a intuição relativa aos tamanhos desses conjuntos. O mesmo pode ser verificado com relação a vários outros subconjuntos infinitos de números naturais.

Sem a pretensão de elaborar o raciocínio em torno do potencial dessa definição, parece intuitivo que, uma vez que o padrão de medida de conjuntos naturais, finitos e infinitos, é diferente de acordo com o presente trabalho, se tivermos dois conjuntos infinitos de números naturais A e B, tais que A seja um subconjunto próprio de B, e a diferença entre ambos seja um conjunto finito (de tamanho n > 0), devemos considerar que a medida de A é menor que a de B, de acordo com o princípio de Euclides, e não ambos de medida igual a 1 (∞), mas com a medida de B sendo n unidades maior do que a de A.

No mesmo sentido, quanto ao conjunto dos números reais não negativos, se definirmos como padrão de medida ou unidade de medida, o comprimento do intervalo [0,1], l = 1–0 = 1, podemos definir, intuitivamente, o tamanho de um conjunto limitado (“E”) de números reais como: µ(E) / 1.

Onde µ(E) é a medida de Lebesgue deste conjunto MEISTERS (1997). No que concerne a um conjunto ilimitado de números reais não negativos (F), talvez possamos definir seu tamanho como: lim (µ(F,r)/r), r-> infinity.

Onde µ(F,r) é a medida de Lebesgue do subconjunto de F menor ou igual a r, um número real crescente. Neste último caso, o padrão de medida infinito seria o próprio conjunto de números reais não negativos.

5. Considerações Finais

O estudo aqui realizado ataca o cerne da relação biunívoca de Cantor, preservando o princípio de Euclides, de que a parte é menor que o todo, o qual sempre me pareceu mais intuitivo. Além disso, proponho uma construção algorítmica dos números naturais e uma definição também algorítmica do tamanho de conjuntos naturais finitos, a qual não depende da relação biunívoca de Cantor.

Proponho também, de forma intuitiva, uma definição do tamanho de conjuntos infinitos de números naturais e definições de tamanho de subconjuntos, limitados ou não, dos números reais não negativos, os quais, também, não dependem da relação biunívoca de Cantor. As definições, em todos os casos, preservam as intuições do princípio de Euclides e de tamanho de conjuntos, mas não foram verificadas senão para alguns exemplos muito simples de conjuntos. Dessa forma, a presente teoria deveria ser refinada, testada quanto a sua funcionalidade e utilidade, além de desenvolvida em todas as suas implicações.

6. Referências

FINE, B., & ROSENBERGER, G. Number Theory. An Introduction Through the Distribution of Primes. Boston, MA: Birkhäuser, 2007. ISBN 85–7110–495–6.

HAMKINS, Joel David. Lectures on the Philosophy of Mathematics (English Edition). Boston, MA: The MIT Press, 2021. ASIN B08942KP4Q.

JORGENSEN, Estelle. On Philosophical Method. Menc Handbook of Research Methodologies. Colwell, R.. (Ed.): Oxford University Press, 2006. ISBN 0–19–518945–0; 0–19–530455–1 (pbk.).

MANCOSU, Paolo. Measuring the size of infinite collections of natural numbers: Was Cantor’s theory of infinite number inevitable? The Review of Symbolic Logic, v. 2, n. 4, 2009. DOI: https://doi.org/10.1017/S1755020309990128.

MEISTERS, G. H. Lebesgue Measure on the real line. University of Nebraska, Lincoln, v. 118, 1997.

NIVEN, Ivan. The asymptotic density of sequences. Bull. Amer. Math. Soc., v. 57, p. 420–434, 1951.ISSN 1088–9485 (online).

[1] Currículo sucinto: Engenheiro de Computação pela Unicamp, Mestre em Engenharia Elétrica pela Unicamp, Doutor em Administração de Negócios pela California Sout9hern University (EUA). Contato: laertefmorgado@gmail.com.

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Laerte Ferreira Morgado, DrBA, MSc
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Computer Engineer (Software), MSc in Computer Engineering (Software), DrBA (California Southern University)