O medo do autoconhecimento

Laís Yazbek
6 min readJun 28, 2016

Eu tinha 20 anos quando comecei a minha busca por autoconhecimento. Estava na faculdade, morava sozinha, tinha acabado de passar por uma desilusão amorosa e minhas amigas que viviam em casa estavam em relacionamentos sérios, ou seja, menos tempo para mim. Foi um período solitário. Conversando com um amigo que fazia terapia há anos, perguntei se a psicóloga dele poderia indicar alguém para mim. Semana seguinte ele me passa 2 números de telefone. A primeira coisa que eu fiz foi guardar o papel em um lugar que meus olhos não alcançavam diariamente. Muitas semanas passaram até eu pegar o papel de novo, olhar os números e não tomar nenhuma atitude. A cada crise de solidão que eu tinha em um sábado à noite eu olhava o papel novamente. Eu sabia que aquele era o caminho, eu precisava de ajuda para entender o que estava acontecendo comigo, mas estava paralisada. Até que um dia o momento do “chega!” chega e fiz as ligações. O primeiro número que eu liguei caiu na caixa postal. Ufa! Desliguei sem deixar recado. Já fiz minha parte, né? Nem tentei ligar para o outro número. Passam-se mais algumas semanas e eu ligo de novo. Dessa vez disposta a deixar recado. Com uma voz tímida de quem não quer ser ouvida falei que queria agendar uma consulta. Dia seguinte recebo uma ligação e a primeira consulta foi agendada para nos conhecermos. “Oi” e eu já estava em prantos. Eu. Chorando. Para uma pessoa que eu nunca vi na vida. Coisa estranha. Uma hora depois percebo que saio muito mais aliviada do que entrei. Aquele era o caminho e iniciou-se uma jornada sem fim.

Agora, 9 anos depois, virei aquela chata que acredita que todas as pessoas do mundo deveriam fazer terapia. Já ouvi todo tipo de resposta quando sugiro isso: “estou resolvendo sozinha”, “não preciso disso”, “eu sei o que é melhor para mim”, “não tenho dinheiro”, “não consigo contar minha vida para um estranho”, “não quero mexer nas minhas feridas de infância”, “minha terapia é a academia”, “minha terapia é a cerveja”, “já estou falando com você”, “eu sei o que eu preciso fazer”, “por enquanto estou bem assim”, etc. Hoje entendo que há diversos processos terapêuticos e de autoconhecimento que não dependem necessariamente de um psicólogo ou de um terceiro. E também que há um tempo para cada um conseguir se olhar, assim como eu demorei meses para de fato conseguir fazer aquela ligação.

No entanto, o que quero abordar aqui é: qual a nossa dificuldade em dar o primeiro passo em busca de ajuda e do autoconhecimento? O que é isso que nos impede de olhar para nós mesmos?

Crescemos em um mundo em que sentir é um negócio chato. Chorar é motivo para sentir vergonha. Não sabemos lidar com nossos sentimentos. Quando você era criança e chorava seus pais ficavam tristes, eventualmente você poderia apanhar por estar fazendo manha. Nunca foi ensinado como expressar aqueles sentimentos que afloravam, nem vocabulário temos para isso. Na infância e adolescência vamos descobrindo alguns outros sentimentos, a maioria relacionado à dor. Dor de ser rejeitado, de não pertencer, de não ser suficiente. De alguma forma o que fica registrado é que sentir está atrelado à dor. Não vivenciamos sentimentos positivos da mesma forma que os sentimentos negativos. Sentimentos positivos são silenciosos dentro de nós, são uma paz. Quando estamos felizes, estamos bem, mas nada de fato está acontecendo. Sentimentos negativos são um turbilhão de reações ao mesmo tempo e dor. Tudo está acontecendo.

O que fazemos então? Decidimos que não vamos mais sentir. Assim é mais fácil me privar da dor e da mesma forma me privo de todo o resto. O único sentimento que sobra é o medo de sentir. Ao não sentir eu não preciso entrar nesse lugar. Não preciso olhar para o que acontece dentro do peito se eu posso ficar só na cabeça. Temos muita dificuldade em ficar sozinhos com nossos sentimentos. Qualquer momento que temos livres para “fazer nada” já estamos com o celular na mão. Vamos para o pensamento. Queremos só pensar e não sentir. Que ilusão bonita. A conexão entre mente e coração está vinculada a respiração. A não ser que você aprenda a continuar vivendo sem respirar essa ideia de não sentir não dará muito certo.

Se no fundo já sabemos que sentir é inevitável, por que não escolhemos olhar para nossos sentimentos? O que é que nos impede de olhar para nós mesmos? Em minha opinião, o que está por trás é um medo de estarmos vulneráveis. É um medo de tirar as máscaras e entrar em contato com nossa essência. E muitas vezes, ela não é bonita. Pelo menos é a nossa crença. Depois descobrimos que o pior da nossa essência é infinitas vezes mais belo do que o melhor da nossa máscara. Se nos permitíssemos ficar vulneráveis com mais frequência perceberíamos que as máscaras que colocamos para atingir nossos objetivos só nos afastam deles. O medo do estado de vulnerabilidade nos limita muito mais do que protege. São nos nossos momentos mais vulneráveis que criamos conexão, tanto com nós mesmos quanto com o outro.

Acreditamos erroneamente que ao ficarmos vulneráveis, sem máscaras, ninguém irá nos amar. E é exatamente o contrário. A escolha de usar as máscaras e não mostrar nossa essência só nos distancia de nós e do outro. O medo da vulnerabilidade fez desaprendermos a nos conectar com nós mesmos. Ironicamente vivemos uma busca incessante por conexões mais significativas com o outro. Não entendemos que essa conexão começa conosco. Não percebemos que quando nos enxergamos melhor também nos relacionamos melhor com o mundo. Ao olhar para si mesmo, você consegue separar o que é seu e o que é do outro. As relações ficam mais claras.

No entanto sem o autoconhecimento como você pretende entender o que está acontecendo dentro de você? Como você pretende se relacionar bem com alguém? Como você vai expressar suas necessidades e sentimentos se você não sabe quais são? Como você pretende quebrar os bloqueios que você tem? Se você não tem autoconhecimento como você irá deixar de repetir padrões negativos que se criam? Ou ao menos percebê-los? Como irá parar de fazer as coisas que não são boas para você? Como você irá lidar com seus medos? Como você irá entender seus vários “eus” que querem coisas diferentes? Conhecemos tão pouco de nós mesmos. Ainda assim achamos que conhecemos muito.

O processo de olhar para dentro só depende de você. Os resultados disso também. Tudo o que você quer você pode alcançar. Como você está criando um tempo para se olhar? Qual o primeiro passo que você está dando para mudar o que te deixa insatisfeito? Imagino até que você já saiba o que precisa fazer, só não consegue realizar. Descubra qual é o medo por trás. Encontre o seu lado mais vulnerável que você não quer que vejam. Olhe para ele. Converse com ele. Respire fundo. Se jogue. Ser vulnerável é se jogar. Para superar o medo temos que nos jogar. Só assim descobrimos a mola que tem lá embaixo do abismo. A mola só está esperando você dar o passo para que possa te jogar para cima de novo e ainda mais alto. Bem mais alto.

É difícil olhar para si, é difícil entrar em contato com seus sentimentos, é difícil assumir a responsabilidade pelo o que está acontecendo na sua vida, é difícil mudar e é muito difícil estarmos vulneráveis. Mais difícil ainda é continuar caindo nas mesmas armadilhas. A caminhada é árdua, com muitos abismos e sem destino. É apenas o preço de evoluir. E não há nada mais gratificante do que isso.

(Recomendo assistirem esse TED sobre o Poder da Vulnerabilidade para quem ainda não conhece).

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