Ilhada
Estou rodeada de hospitais. A empresa onde trabalho fica no meio de um pólo médico no centro da cidade. A alguns metros daqui, minha avó está em um deles. Ontem fui visitá-la. Nunca havia entrado em uma UTI antes.
O ambiente não inspira as melhores sensações, apesar de ser o mais seguro para ela no momento. Mas percebi que, mesmo na vulnerabilidade, os detalhes ainda a fazem ser quem é.
O terço na mão enquanto dormia. Os cabelos finos, presos. Ela ainda conservava o bronze do maiô por baixo da bata do hospital.
Hoje, rodeada de hospitais, fito pela janela especificamente o local onde ela está. Estamos tão perto. Estamos tão longe. Queria descer e vê-la de novo.
Também pela janela, olho para baixo e vejo crianças cada vez menores limpando os vidros de carros, que passam com pressa. Descalças, pequenas, indefesas. Crianças. As notícias horríveis que já consumi no celular antes mesmo de chegar aqui só corroboram com o tamanho do buraco em que nos meteram. Como continuar o dia?
É preciso continuar. Não há outra realidade fora a que tentamos ignorar todos os dias para conseguir realizar as demandas cotidianas.
Mas é preciso parar para chorar. É preciso parar para chorar. É preciso parar para chorar.