Um aceno para dezembro
É impossível acompanhar o ritmo de dezembro. Nada contra o espírito natalino, mas não me enchem os olhos as longas filas de supermercados e lojas, o trânsito intragável regido pela pressa de estar em todos os lugares ao mesmo tempo e a necessidade de resolver tudo antes que o ano acabe. Um ritmo eletrizante contamina todos nós e, de repente, nos vemos perdidos em calçadas e estabelecimentos lotados ao longo de todos os dias desse mês tão carregado.
Além disso, estamos todos exaustos. Tudo é difícil de começar, terminar e executar em dezembro. Nem parar para tomar uma cervejinha num bar e relaxar é possível diante das enormes mesas abarrotadas de ruídos e pessoas que, dadas as exceções, estão se encontrando por obrigação, como se confraternizações de dezembro fossem uma prestação de contas pessoal com os indivíduos que orbitaram suas vidas ao longo do ano.
Entramos nessa espiral maluca porque, em dezembro, estamos decantando tudo que aconteceu e refletindo sobre quem fomos e o que fizemos. Daí a gente quer abraçar o mundo antes que o ano termine. Mudar o corte de cabelo, comprar roupa nova, fazer as pazes com fulano, lidar com todas as nossas perdas e reencontrar todas as pessoas porque Deus nos livre virar o ano com alguma pendência.
Esse fetiche por resoluções bem amarradas como fim de novela é uma armadilha, pois os ciclos se renovam quando têm de ser renovados, independente da folha do calendário. Não é a passagem do tempo de kronos, aquele do calendário, que vai acelerar nossos processos — quem cuida deles é o tempo de kairós, nosso tempo interno.
Pensando bem, para não jogar tudo nas costas de um mês só, a relação da humanidade com o tempo não é lá muito saudável. Em dezembro, ela só fica ainda mais evidente. Mia Couto disse uma vez que não precisamos de mais tempo, e sim de um tempo que seja nosso. “Não é uma questão de quantidade, mas de soberania”. Viver as coisas no seu ritmo é uma das muitas formas de ser gentil consigo mesmo.