Um olhar sobre Sebastião Salgado

Lara Pires
6 min readJan 3, 2017

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“Minha fotografia não é uma militância, não é uma profissão. É minha vida”
Sebastião Salgado

O maior nome da fotografia brasileira é, sem sombra de dúvidas, Sebastião Salgado. Nascido no ano de 1944 em Aimorés, Minas Gerais, o fotógrafo percorreu o planeta e registrou imagens raríssimas. Reconhecido no mundo todo, Sebastião já ganhou prêmios como o de Melhor Repórter Fotográfico do Ano pelo Internacional Center of Photography de Nova York e o Grand Prix da Cidade de Paris.

Mas nem tudo começou com a fotografia em sua vida. Passou sua infância em uma fazenda no interior do Vale do Rio Doce e posteriormente formou-se em Economia pela Universidade Federal do Espírito Santo. A pós-graduação foi feita na Universidade de São Paulo, onde teve aula com professores renomados e ligados à esquerda política.

Casou-se com Lélia Deluiz Wanick, uma pianista que se tornaria a mãe de seus dois filhos e companheira em todos os trabalhos. Em 1969 os dois se refugiaram na França após ligarem-se a um movimento da esquerda armada. Lá fez seu doutorado enquanto Lélia estudava arquitetura. Trabalhou como economista para a Organização Internacional do Café em Londres. Em uma de suas viagens à África, encomendada conjuntamente pelo Banco Mundial, Sebastião decidiu levar a Leica de sua esposa. Foi paixão à primeira vista.
Trabalhou para agências Sygma, Gamma e Magnum. Os prêmios mais importantes do fotojornalismo estão em seu currículo.

Por ter se refugiado da ditadura brasileira, Sebastião iniciou sua vida fotográfica com viés social em lugares de regimes também ditatoriais como África e América do Sul. Seu objetivo era retratar o mundo subdesenvolvido de onde veio. Com forte engajamento político, buscou no primeiro momento de sua carreira mostrar a fome. “Lélia e eu constatamos que o mundo está dividido em duas partes: de um lado a liberdade para aqueles que têm tudo, do outro a privação de tudo para aqueles que não têm nada.” (De minha terra à Terra).

Sebastião diz que sua vida é a fotografia. Não gosta de ser chamado de fotojornalista, documentarista ou fotógrafo antropológico. Além de toda sua trajetória política, Sebastião tem uma identidade. Acredita ser megalomaníaco. Seus projetos levam quase 10 anos para serem concluídos. Decidiu que sua fotografia três características específicas: grandes reportagens a longo prazo, com uma vertente social e o preto e branco. A última vez que fotografou em colorido foi na década de 80 por encomenda, pois acredita que somente o preto e branco podem transmitir a essência de seu trabalho.

PROJETOS

Seu primeiro livro é intitulado Outras Américas e retrata a pobreza da América Latina. Em sequência foram publicados Sahel: Homem em Pânico, sobre a seca no norte africano. Trabalhou em um projeto de 1986 à 1992 que consolidaria sua carreira como documentarista: Trabalhadores rurais. O seu objetivo era captar os últimos suspiros do trabalho manual que em breve seria substituído pela tecnologia.

Oração de agradecimento ao Deus Mixe Kioga pela boa colheita e por mais um ano de vida. Oaxaca, México, 1980. © Sebastião Salgado [Foto e legenda retiradas do livro Da minha terra à Terra].

ÊXODOS

O próximo e ainda mais impactante trabalho que realizou foi Êxodos. Uma década marcada pela migração da população rural para as cidades, o fotógrafo caminhou a pé, de ônibus e de trem para registrar as razões e os motivos do homem que migra. Desde guerras à fome, a busca pela sobrevivência é uma característica que o ser humano tem em sua essência.

Essa obra monumental também foi um êxodo para Sebastião Salgado, que parou o projeto quando se viu tomado por infecções. O sofrimento que presenciou, especialmente em Ruanda, fez com que quase morresse. Tinha perdido a fé na humanidade.

Garotos do Sudão fogem para o Quênia para escapar do recrutamento. Sebastião utiliza a técnica da contraluz. Em sua autobiografia conta que esse tipo de imagem já estava presente desde a sua infância, quando via apenas a silhueta de seu pai vindo em sua direção nos pastos da fazenda onde cresceu. Sudão, 1993.

INSTITUTO TERRA

Decidiu voltar ao Brasil com Lélia e seus dois filhos. Ao chegar na fazenda onde cresceu, deparou-se com a devastação que o desmatamento havia causado. O que era floresta havia se transformado em pasto, um lugar que abrigava em torno de 35 famílias que vivam daquilo que plantavam transformou-se em uma terra infértil, que abrigava apenas o caseiro.

Assim nasceu o Instituto Terra, projeto criado pelo casal afim de reflorestar toda aquela área. Conseguiram plantar mais de 2 milhões de mudas, todas de espécies nativas da região através de parcerias com empresas e com o governo. Sebastião tem o sonho de expandir esse projeto pelo mundo todo. E parece que nada vai impedi-lo.

Essa experiência para o fotógrafo foi como renascer. Sair da morte que vivia cercado e acompanhar o nascimento daquela floresta o ajudou a criar novas perspectivas.

Fazenda Bulcão — Antes de depois (2001–2013)

GÊNESIS

Em meio a esse cenário, surge seu último livro, Gênesis. O livro em que o gênio da fotografia se volta para a natureza. Nele Sebastião trabalhou por 8 anos, em visitas à Galápos, Madagascar entre outras ilhas em que há grande preservação de espécies. O homem em suas origens também faz parte do livro. Tribos indígenas que mantiveram seus costumes e vivem no Brasil de 500 anos atrás estão presentes nessas 500 páginas.

A foto da pata da iguana que percorreu o mundo todo. Como evolucionista, Sebastião conta que quando se deparou com ela, se sentiu vindo do mesmo lugar, da mesma espécie.

A pata da iguana que percorreu o mundo todo. Como um evolucionista, Sebastião conta que quando se deparou com ela, se sentiu vindo do mesmo lugar, da mesma espécie. “Mas ao observar uma de suas patas dianteiras, de repente vi a mão de um guerreiro medieval. Suas escamas me fizeram pensar numa cota de malha, sob a qual reconheci dedos parecidos com os meus. Pensei: essa iguana é minha prima.” Sebastião Salgado

O SAL DA TERRA

Em 2014 foi lançado um documentário sobre a sua vida. Em O Sal da Terra os diretores Juliano Salgado e Wim Wenders buscam retratar suas visões sobre o universo tão particular de Sebastião Salgado. A produção ítalo-franco-brasileira indicada ao Óscar de melhor documentário e ganhador do César na mesma categoria é uma junção única de cinema e fotografia. O espectador é transportado para fotos que retratam os dramas, as emoções e os problemas ao redor do o mundo que formam um registro único do ser humano.

Os relatos impregnados de emoção de familiares e amigos formam um significado especial para cada uma das imagens exibidas que dão ao público a sensação de estar em uma galeria com retratos e imagens marcantes. Os tons em preto e branco, marca registrada do fotografo, criam uma atmosfera totalmente própria. A narração muito particular sobre a vida de Salgado feita por Wenders nos aproxima do homem por trás da fotografia ao olhar para sua história e sua intimidade.

Com narrações também do próprio Sebastião Salgado passamos a conhecer melhor a história de suas fotos. Marcado por uma narrativa não convencional o documentário tem com uma de suas principais características a ausência de diálogos. Toda narrativa é feita a partir de monólogos de Salgado, seu filho Juliano e Wenders. Esses monólogos nos oferecem diversos aspectos sobre as fotos e a personalidade do fotografo.

Ao contar a história de Salgado de forma não linear, ao misturar os trabalhos do passado e do presente, os diretores criam um diálogo entre ambos em uma montagem extremamente rica. Também é perceptível como as experiências vividas por Sebastião moldaram o homem que ele é hoje.

Os diretores também conseguem evidenciar seu lado humano ao mostrar suas crescentes dúvidas em relação ao homem, o que faz com que o público se identifique ainda mais com as fotografias que são mostradas. A vida e a morte se mesclam no documentário quando o espectador é confrontado com as perturbadoras imagens de zonas de guerra e áreas de extrema pobreza. O longa-metragem, todavia, termina otimista, assim como Sebastião Salgado.

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