Muito mais que um rostinho bonito

Larissa Abrão
3 min readMar 24, 2017

--

O contexto das personagens femininas nas histórias em quadrinhos

Histórias em quadrinhos não são mais só revistinhas de criança faz tempo. Esse mercado, cercado de nerds, é voltado a todos os públicos. Uma pesquisa independente obtida através do Facebook em 2014 revelou que, dos 24 milhões de fãs norte-americanos, 46,67% são mulheres. Porém, apesar do crescimento de leitoras, as personagens femininas das HQs persistem em reproduzir clichês, por vezes objetificando e hipersexualizando as heroínas.

Elementos simples das histórias mostram o caso. As roupas que não condizem com o contexto é um exemplo. Ir para uma batalha de salto alto, collant e decote é fora da realidade, mesmo que as histórias sejam de ficção. E não para por aí, as poses das personagens também são problematizadas.

Brokeback é o nome dado às posições corporais impossíveis na vida real, que são utilizadas para “quebrar a coluna” da mulher no desenho, enfatizando os seios e os quadris. Pode-se dizer que “isso vende” ou que “isso é o que os caras querem”, mas todo fenômeno midiático tem um significado. As personagens são um reflexo da sociedade, mas se as mulheres são retrataras dessa forma é porque algo está errado.

Caso de “Brokeback” que se tornou símbolo foi a edição da Mulher Gato da DC Comics. A capa da direta foi refeita com base na capa original (direita), para mostrar um corpo mais realista. (Imagem: Divulgação)

A professora da Universidade Federal do Paraná Adriana Baggio, especialista em semiótica, conta que o estudo dos signos analisa os produtos da cultura que, por serem produzidos dentro da sociedade, trazem elementos como as formas de vida e valores. Segundo a professora “é importante analisar não só ela (a personagem), mas o contexto com o qual ela se relaciona e também o que ela não diz, o que ela não está fazendo, o que ela não está vestindo, tudo que não está ali é um sinal e diz alguma coisa”, afirma.

Além das roupas e das poses, o tipo físico das personagens femininas também é debatido. Geralmente todas são semelhantes: altas, magras e saradas. De acordo com a artista Kelly Thompson em seu artigo “She Has No Head! — No, It’s Not Equal” (“Ela não tem cabeça! — Não, não é igual” em tradução literal), o tipo físico dos personagens masculinos são inspirados em atletas. Até aí faz todo o sentido. Mas, o padrão feminino é baseado em supermodelos e atrizes pornô, por isso elas são muito mais sexualizadas que os homens. E nesse ponto é que personagens femininos e masculinos são idealizados de formas diferentes. O texto da artista teve tanta repercussão que passou a ser referência na hipersexualização nas HQs.

Com a recente reformulação dos HQs, as personagens Batgirl (acima) da DC Comics e Miss Marvel (abaixo) da Marvel se tornaram referência em personagem não sexualizadas. (Imagem: Divulgação)

A questão de idealização pode ser debatida de diferentes pontos de vista. Sob um olhar da semiótica, Adriana Baggio explica que “simulacro” é o termo empregado às representações constantes e modelos na visão de um determinado grupo social. Para Baggio, o problema está quando as representações e idealizações estão sob um ponto de vista único. No caso das HQs, do ponto de vista específico dos homens. Kelly Thompson articula acerca do mesmo tópico, “a idealização da forma não é o mesmo que a sexualização da forma. Algo pode ser idealizado sem ser sexualizado”, conta.

A Marvel anunciou a adolescente Riri como a nova “Iron Man” (nos HQs o codinome será Ironheart). A primeira capa apresentou a personagem e a segunda é uma variante, criticada pela sexualização de Riri. (Imagem: Divulgação)

Além dos traços das personagens femininas, existe toda a história que vem por trás das mocinhas, heroínas ou vilãs. A cartunista Alison Bechdel introduziu o “teste bechdel” na série de histórias em quadrinhos “Dykes to Wath Out For”. O teste tem como objetivo questionar o papel das personagens femininas nas obras de ficção. Para passar por ele é preciso: ter pelo menos duas mulheres; que conversem uma com a outra e que o assunto não seja homem. Com isso, a cartunista implementou uma forma de refletir acerca do desenvolvimento das mulheres na ficção e, por consequência, a representatividade desses papéis.

Reportagem de Larissa Abrão / Edição de Mariana Rosa

Matéria publicada originalmente em 22/12/2016 no Jornal Comunicação UFPR

--

--

Larissa Abrão

Oi! Sou jornalista e aqui estão reunidas minhas reportagens, aproveite para conhecer mais sobre mim. Contato: abraolarissa@gmail.com