O que nós queremos com o Setembro Amarelo?

Larissa Rainey
6 min readSep 26, 2016

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Faz tempo que eu não abro o Medium pra escrever. Ironicamente, tive que deixar o Falando Sobre Saúde Mental de lado pra me dedicar à faculdade e ao trabalho. Mas enfim, a minha rotina louca não é o tema desse texto.

Setembro Amarelo. Um mês dedicado à conscientização sobre a prevenção do suicídio. Começou como uma iniciativa do CVV (Centro de Valorização da Vida), CFM (Conselho Federal de Medicina)e ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) em 2014. Se você quiser saber mais, vale uma visita ao site oficial da campanha.

Algumas coisas tem me incomodado na reação das pessoas a essa campanha. Não só como uma pessoa neuroatípica que escreve sobre saúde mental, mas também como estudante de Psicologia e futura psicóloga. Pretendo discorrer sobre esses pontos para que haja uma reflexão das nossas práticas… mesmo que essa prática seja um compartilhamento no Facebook.

A famosa campanha do Inbox

Uns tempos atrás, surgiu um post no Facebook com a seguinte proposta: “se você está se sentindo mal, venha conversar comigo! Meu inbox está aberto!”. Ok, muito bonito. Eu mesma já disse coisas parecidas (isso se não falei a mesma coisa). Num primeiro momento, parece solidariedade — e eu sei que as pessoas que compartilharam isso na minha timeline não tem intenções ruins. A grande questão é:

O seu inbox está aberto, mas e a sua cabeça?

Existe uma razão para que seja essencial que um psicólogo procure terapia. Não é fácil escutar o que uma pessoa tem a dizer. Principalmente se a pessoa estiver passando por uma crise suicida (que é o foco do setembro amarelo). Qualquer pessoa que já teve pensamentos suicidas ou conviveu com uma sabe o quão difícil é esse diálogo. Um colega psicólogo apontou para mim que não é apenas escutar o que a pessoa quer dizer, mas também é essencial saber o que fazer com essa informação. Sem mencionar que o próprio relato do outro pode desencadear emoções diversas em você. É por isso que a primeira pessoa que deve procurar terapia é o psicólogo. Por melhor intencionada que seja essa escuta, nem sempre ela será apropriada. Talvez o seu melhor amigo esteja passando por uma crise, abra o jogo com você e essa amizade saia abalada pois você não fazia ideia disso. Você pode se sentir traído por ele nunca ter dito nada a você. Existem milhares de possibilidades que podem dar errado nessa ação. É preciso ter um cuidado absurdo para lidar com pessoas que estão passando por uma crise. Quando alguém vem falar comigo (principalmente por conta do blog), eu tomo todos os cuidados possíveis e sempre peço que a pessoa procure algum tipo de ajuda profissional. Claro que, se vem um amigo desabafar, a situação é diferente. Mas mesmo assim é preciso cuidado, é preciso tato, é preciso empatia e limite. Coisa que a gente sabe que nem todo mundo tem.

No mural do Facebook, toda flor cheira bem

Vou contar uma história pra vocês. E sim, é uma fanfic com algum fundo de verdade.

Com alguns toques no celular, a Lindinha consegue compartilhar um texto super profundo sobre alguma coisa. As pessoas vão curtir esse texto e pensar “nossa, a Lindinha se importa com essa causa”. Outras pessoas vão compartilhar também, porque né, “é super importante”. E aí a corrente continua. De repente, todo mundo sabe que depressão é coisa séria. É tanta empatia, tanta solidariedade. Todo mundo está disposto a entender pessoas que sofrem com a saúde mental!!!! Que emoção.

A Lindinha é gerente de uma loja. Por acaso, ela tem um funcionário adicionado no Facebook. Vamos chamá-lo de Joãozinho. Ele viu que a Lindinha compartilhou um texto sobre depressão, e isso o emocionou de verdade. Joãozinho tem depressão e sempre escondeu, pois tem dificuldade de se manter empregado. Mas nossa!! Dessa vez, a chefe dele entende!!! #goals

No dia 2 de outubro (quando o Setembro Amarelo já era), Joãozinho entra numa crise depressiva profunda. Não consegue sair da cama, não consegue comer. Então, ele liga para Lindinha e explica a situação. Mas aí ele se surpreende. Não apenas a Lindinha não entende a situação dele, como ironiza e ainda diz que “sempre soube que ele era meio preguiçoso e que isso não era motivo para faltar ao trabalho”. Joãozinho, um tempo depois, acaba sendo demitido. E ele questiona: mas ué… você colocou no Facebook que me entendia…

Moral da história: todo mundo apoia várias campanhas diferentes no Facebook, mas na realidade continuam achando depressivo preguiçoso. De que adianta copiar e colar um texto se a sua prática não muda? Se estamos criando conteúdo na internet mas não fazemos com que as pessoas mudem a maneira de pensar, estamos falhando.

Então não, eu não me emociono com os mil textos e imagens que aparentemente me apoiam e me contemplam enquanto pessoa neuroatípica. Eu quero ver como você vai me tratar quando eu tiver uma crise. Eu quero ver como você trata o seu colega de trabalho que é bipolar sem piadinha, sem reduzir a condição dele a “muda de ideia toda hora”. Ou você continua achando que terapia é uma grande frescura? Ou você continua desprezando aquele seu parente que tem síndrome do pânico e não consegue ir no churrasco de domingo?

A autoajuda que não ajuda

Eu consegui vencer a depressão tomando sol na laje todo dia! VOCÊ TAMBÉM CONSEGUE! BASTA COMPRAR o meu livro, pagar ingresso pras minhas palestras, comprar um hidratante solar caríssimo e mastigar pimenta toda vez que você se sentir mal! E se isso não funcionar, A CULPA É SUA!

Tá, a autoajuda fajuta que promete acabar com a sua depressão e ansiedade em 5 passos não é exclusiva do setembro amarelo, mas precisamos mencionar isso de qualquer jeito.

Eu falo muito sobre o meu progresso e como estou conseguindo reafirmar a minha existência. E sim, eu tenho muito orgulho de tudo o que eu consegui até agora.

Só que eu não posso achar que os métodos que funcionaram comigo vão funcionar com todo mundo. Eu, por exemplo, não tenho problemas em tomar remédios. Outras pessoas tem. Cada um tem seu ponto de vista e isso deve ser respeitado. Claro, eu sempre digo para que as pessoas procurem ajuda — mas a ajuda pode vir de várias maneiras. Pode vir através de acupuntura. Ou terapia holística. Ou passear com o cachorro às oito da manhã. Não existe um jeito infalível e imutável de falar sobre saúde mental.

Levando tudo isso em consideração, eu também não posso julgar os métodos da outra pessoa. “Ah, nossa, você venceu a depressão com exercícios físicos? Haha, duvido”. Esse tipo de pensamento é contraproducente. É reducionista.

Outra coisa importante: se você venceu a depressão, parabéns. Isso não te faz um ser superior aos meros mortais que ainda estão batalhando. Você conseguiu superar uma crise em apenas um ano? Legal, que bom. Respeite o tempo do outro, respeite os métodos do outro. Novamente vou bater nessa tecla: somos diferentes, com necessidades diferentes.

Vejo muito isso quando converso com outras pessoas diagnosticadas com transtorno borderline. Estamos falando de um mesmo grupo de sintomas, resultando num mesmo diagnóstico. E cada um vive isso de maneira única. Eu não sou melhor que ninguém pelo meu progresso.

Espero que os pontos aqui expostos abram espaço para a reflexão e o diálogo. É essencial que a conversa sobre saúde mental e prevenção ao suicídio ocorra não apenas em Setembro, mas sempre. Escute não apenas os especialistas na área, mas também as pessoas que sentem isso na pele diariamente. A mídia e a indústria do entretenimento retratam as doenças mentais de uma maneira muito sensacionalista, e não é assim que as coisas funcionam. Somos pessoas, existimos, não somos criminosos. Estamos em todos os lugares, tentando viver com um mínimo de dignidade e saúde.

Nós merecemos muito mais do que uma imagem bonitinha no Facebook.

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