Ser mulher e tatuadora

Aqui vou te dizer o que provavelmente você não sabe sobre esse lance de ser mulher e ser tatuadora.

Larissa
6 min readFeb 18, 2018
Maud Wagner — primeira mulher reconhecida no mundo da tatuagem nos EUA

Bom, primeiramente queria dizer que tenho 2 anos de experiência estudando tatuagem e trabalhando na área, não falo com total propriedade mas digo o que vivi, li e aprendi sobre toda essa área totalmente dominada por homens. Não estou aqui para dizer que você deve odiar todos os tatuadores e que todos são escrotos (alguns são sim, fique atenta!), estou pra te mostrar a realidade que vivi e vi durante todo esse tempo que tatuo, tanto as coisas boas quanto as ruins e difíceis.

Uma breve historia

Maud Stevens Wagner nasceu em Kansas, em fevereiro de 1877. Antes de ser tatuadora, ela era artista de circo (trapezista e contorcionista) e trabalhou em diversos espetáculos que viajavam o país; Essa é a primeira mulher reconhecida no mundo da tatuagem dos EUA (1904).

"A história cultural da tatuagem em mulheres é complicada. Na metade do século XX, as que tinham arte no corpo eram vistas como atrações circenses, símbolos de desvio e de rebeldia, e eram colocadas até em exposição. O progresso enorme foi alcançado após os avanços tecnológicos conquistarem o mundo. A ideia tomou uma outra forma quando as pin-ups começaram a se tatuar. Mesmo assim, eram vistas (ainda) como rebeldes, mas também, como mulheres de atitude, dando espaço para a feminilidade e para o feminismo, ao “tomarem conta de seu próprio corpo”;''

O começo

Quando tive a ideia de começar a tatuar foi no momento em que vi meus desenhos com grande potencial de ir para pele das pessoas, e quem melhor para fazer isso do que eu mesma? (Ok, não foi com toda essa autoestima, mas quase), comecei a procurar grupos de mulheres que tatuam para ver se tirava alguma informação de como fazer acontecer, me deparei com 2 grupos no Facebook, na descrição dizia que era exclusivamente para mulheres iniciantes ou profissionais. Assim que entrei no grupo me deparei com diversos posts e arquivos com varias ajudar diferentes: como saber os tamanhos das agulhas, os tipos de tinta, os tipos de maquinas, equipamentos, fontes etc, como a pigmentação reage aos diferentes tipos de pele e climas que temos no local em que estamos, como se organizar financeiramente, fichas medicas, enfim, tudo que eu precisava estava ali, peguei uma lista de material e comprei minha primeira maquina, comecei a treinar em casca de frutas e papel E.V.A, nem se compara com a pele humana de verdade, mas dá um ótimo suporte para treinar a firmeza da mão e ganhar experiência com a maquina. Dentro de dois meses eu já tinha partido para pele humana, minha perna foi minha cobaia, me tatuei bastante, aprendi com isso sobre a dor, a profundidade da agulha e a evolução da cicatrização (como fica depois caso tome muito sol, o que eu posso comer que inflaria ou como cuidar dela após o procedimento), não me arrependo dos desenhos que fiz, das coberturas que tentei, tudo fica marcado e mostra o quanto eu me dediquei para levar sempre o melhor resultado para meus clientes.

O que vivi

Conheci mulheres incríveis, uma querendo ajudar a outra, workshops com mulheres que sabiam o que estavam fazendo, desde regulagem de máquina (onde atualmente você encontrará apenas homens fazendo tal tipo de trabalho), pintura, biossegurança, e muitas outras coisas, até aula para estilos diferentes de tattoo. Mas também já vi uma querendo ''puxar o tapete'' da outra, briga em estúdios por conta de gerenciamentos, sobre plágios e cópias sem autorização da autora (isso colocarei em outro post mais pra frente), é muito comum isso e corriqueiro.

Dentro de 6 meses de tattoo havia muitos evento de FLASH TATTOO onde eu me juntava com outras tatuadoras e juntas fazíamos eventos para arrecadar algo para algum instituição ou apenas para ganharmos experiências e divulgarmos nosso trabalho autoral, deu certo por um tempo, mas depois cada uma seguiu seu caminho. Hoje em dia vejo minhas colegas, que iniciaram ao mesmo tempo que eu, se tornando artistas maravilhosas, e isso é o que me faz sentir um quentinho no peito, ver elas lutando por algo que acreditavam, e no final dando tudo certo.

Com 7 meses de tattoo já estava procurando um estúdio para trabalhar, ter um lugar amigável que meus clientes se sentissem a vontade, por não ter muita grana eu custei a achar um, passei por um que o pessoal não cumpria horário, simplesmente não estavam nem ai se você tinha cliente as 11h, eles chegariam as 14h e você nem poderia reclamar, afinal você é apenas uma tatuadora e tem que fazer o que tiver que ser feito pagar os 40% para o estúdio e cair fora com as suas coisas, esse negócio dos horários me ferrou bastante, então arrumei outro estúdio. Nesse só haviam homens, sempre que estava tatuando ouvia aquela voz irritante de um dos tatuadores falando como eu deveria fazer as coisas, como se eu ja não soubesse e não tivesse noção de biossegurança, tirando a falta de respeito dentro do estúdio como se eu fosse assistente deles, mandando eu pegar coisas, presta atenção, eu falei MANDANDO, e sempre que possível tirando uma com a minha cara de como era ser mulher tatuando, só tattoos delicadas, só tattoos para mulher, "e se algum cara pedisse para você tatuar o pinto dele, você faria? Tem que deixar duro ein" (essa eu ouvi fora do estúdio), com o tempo desanimei e desisti de ficar em qualquer estúdio composto por homens, acabei saindo e já me sentia um peixe fora da agua, com certeza teria parado por ali e seguido como uma fracassada.

O assédio com mulheres que tatuam não para, vai desde você comprando material até divulgando seu trabalho nas redes sociais, é de grande incomodo para os homens ver mulheres tomando seus lugares e sendo melhores do que eles, simplesmente por fazer aquilo que fazem com amor e confiança de si mesma, a confiança de saber que se pode ir longe e ser o que quiser. Comprando material, eles sempre acham que você é a assistente do tatuador, e foi lá só para comprar material, o tempo todo querem reafirmar pra saber se você sabe o que está comprando mesmo, na regulagem, se você não manja de regular sua maquina provavelmente precisará levar em um profissional, os homens acham que você é totalmente leiga então querem te ensinar desde segurar a maquina até as piadinhas machistas de mal gosto, eu aconselho a procurar uma mulher para isso, aprender sozinha ou se der sorte, achar um técnico gente boa que entende quais são suas dificuldades e se limita a te explicar apenas o que você perguntou mesmo, sem agir de forma escrota (é difícil de achar mas o rapaz que regula minha máquina manda bem e é gente boa, até agora). É muito dinheiro gasto em material, treinamentos, estudos, para simplesmente você divulgar seu trabalho para tatuar e as pessoas acharem caro, no seu próprio post comentar com nome de tatuadores homens falando que eles cobram mais barato pelo mesmo tipo de arte, pior que isso, usarem teu desenho sem permissão tatuado por um homem, a todo momento é necessário se manter firme e confiante de que você é maior que isso, vão ter coisas que tentarāo te derrubar de toda forma, mas você vai precisar relevar. Não é fácil investir em tudo isso e ser chacoteada na internet por ser mulher e tatuadora, é como se eles levassem isso como "modinha" e nāo um trabalho, mas uma coisa digo à vocês, vale a pena todo o esforço, ser reconhecida em algum momento e ouvir pessoas dizendo o quando amaram o desenho tatuado e compartilhando esse momento de luz contigo, então, se você trabalha com arte, não desiste não, no Brasil é algo mega desvalorizado e nem é dado como profissão, mas há de mudar.

--

--