“They’ll tell you I’m insane”

A falácia da mulher desequilibrada ou por que me tornei fã da Taylor Swift

Laura Pires
5 min readDec 11, 2014

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O estereótipo da mulher histérica e desequilibrada é constantemente reforçado em nossa cultura e usado para deslegitimar mulheres de uma maneira geral. Se uma mulher se exalta de alguma forma, ela é louca. Se um homem se exalta, ele apenas perdeu a razão naquele momento.

No binarismo dos gêneros, associa-se aos homens tudo que é valorado positivamente na cultura, como racionalidade, segurança, pro-atividade etc., deixando para as mulheres o lado inferior do par dicotômico (emotividade, insegurança, passividade e por aí vai). De certa forma — e essa não é uma ideia inédita, muito menos de minha autoria — , o que acontece é que nós, mulheres, aprendemos que mulheres são emotivas e inseguras e mais um monte de outras coisas, ao mesmo tempo em que nos ensinam também que ser assim é ruim. Ou seja, não tem como ganhar. Em linhas gerais, características humanas que são associadas à feminilidade na cultura são também julgadas como traços inferiores de personalidade, características que enfraquecem uma pessoa.

Nesse contexto social, vêm as músicas pop românticas. Boy bands, por exemplo, só cantam sobre amor. Até os Beatles falavam só disso. E nunca ninguém os chamou de histéricos, desequilibrados e loucos por isso. Galera acha tudo a maior fofura. Enquanto isso, a Taylor Swift só canta sobre amor. E o que mais se lê em comentários de matérias sobre ela é gente mandando a menina mudar de assunto ou reclamando que ela só sabe falar de ex. A mídia, então, criou para ela uma narrativa artística de menina que tem muitos namorados, mas não consegue manter nenhum, e faz a carreira em cima de músicas sobre seus relacionamentos fracassados. Em suas letras, ela fala abertamente sobre tudo que sente e sentiu sobre (supostamente) essas relações. Falar abertamente assusta, porque, sabe como é, aprendemos que mulheres fortes não demonstram emoções. E, aí, ela é taxada de louca. E loucas não conseguem manter namorados.

Ao longo da minha adolescência, fui muito fã de No Doubt e das letras da Gwen Stefani. Achava incrível como ela era absurdamente sincera em suas letras (um dia, ainda vou escrever um texto inteiro sobre as letras da Gwen e da relação delas com a vida amorosa conturbada que ela teve até chegar à felicidade de hoje). Quando eu digo “absurdamente sincera”, penso especificamente em duas coisas:

  1. Quase todas as músicas do Tragic Kingdom são sobre o fim do relacionamento dela com o Tony Kanal, baixista da banda. E ela está ali, na banda, do lado dele, cantando “don’t tell me ‘cause it hurts”, com toda a dor que essa frase poderia ter em uma situação dessas. Não tem nada mais honesto que isso.
  2. No The Return of Saturn, ela já está em uma relação de idas e vindas com o Gavin Rossdale, mas bem longe do casamento. E ela vai lá e lança uma música chamada Marry Me, na qual ela diz explicitamente diversas vezes que quer muito casar. Não satisfeita, ela também lança Simple Kind of Life, na qual ela não só declara que quer ser mãe, como ainda diz que às vezes torce pra engravidar por acidente e que ele tem cara de que seria bom pai.

Ser mulher nesse mundo e falar coisas assim publicamente requer muita coragem. Porque vai assustar o seu namorado, vai assustar o cara que é a fim de você, vai assustar os caras que te conhecerem depois e souberem que você disse mesmo isso. E todo mundo vai te chamar de louca. Pois bem, eu chamo de corajosa mesmo. São coisas que todo mundo sente em algum momento da vida e tem vergonha de admitir. Alanis Morissette fazia parecido. Fiona Apple sempre fez e faz pior — e tem fama de maluca. Gwen fazia de um jeito tão, mas tão sincero e tão estereotipicamente feminino, que conseguia ser apaixonante.

Vejo a Taylor Swift, nesses termos, como o mais próximo da Gwen dos anos 1995–2005 que temos na música pop atualmente. Ela não tem a menor vergonha de falar que sofreu mesmo, que acreditou mesmo, que estava apaixonada mesmo, que talvez ainda esteja… E isso é especialmente genial no CD mais novo, porque ela conseguiu se apropriar da narrativa que a mídia criou pra ela e usá-la a seu favor. Com a letra e o clipe da música Blank Space, é como se ela dissesse: “Ah, é, eu sou a maluca dos mil namorados que não consegue manter por mais de um mês? Vocês vão ver então.” E aí a gente viu e foi maravilhoso. Essa é a Taylor que ganhou prêmio pela música I Knew You Were Trouble e agradeceu ao cara que a inspirou (supostamente o Harry Styles), porque “ele sabe quem é e, graças a ele, agora eu tenho esse prêmio”. É simplesmente genial. Enquanto reclamam que ela só fala de ex, ela fala mais ainda de ex e se enche de dinheiro. Bom pra ela. E, assim, temos alguém na mídia representando sem medo esse lado emotivo que é tão julgado nas mulheres. Bom pra gente.

Cabe aqui um melhores momentos da letra de Blank Space:

“You look like my next mistake”

“I can make the bad guys good for a weekend”

“Got a long list of ex-lovers
They’ll tell you I’m insane
‘Cause you know I love the players
And you love the game”

“Find out what you want
Be that girl for a month”

“’Cause, darling, I’m a nightmare dressed like a daydream”

E, pra fechar, melhores momentos do clipe:

Quebrando o carro do namorado em uma crise de ciúmes, como toda mulher histérica
Esfaqueando um bolo em uma crise de ciúmes, como toda mulher histérica
Afogando o iPhone do namorado em uma crise de ciúmes, como toda mulher histérica

E ela também usa a faca pra rasgar um quadro com a cara dele, mas vocês já pegaram o espírito da coisa.

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Escrevo na área de Relacionamentos & Sexo da Revista Capitolina e atuo no Ajuda, Miga!, vlog de conselhos para as leitoras da revista. Trabalho como professora de inglês e sou mestre em Linguística Aplicada (Discurso e Práticas Sociais), com estudos focados em amor, relações amorosas, gênero e sexualidade.

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Laura Pires

Escrevo sobre relações de afeto. Instagram: @_laurampires . Contato profissional: contato.laurampires@gmail.com .