Do amor verdadeiro “à primeira vista” ao amor construído

O amor nos contos de fada tradicionais e nos filmes mais recentes da Disney

Laura Pires
4 min readJul 20, 2014

Muita gente tem falado disso, mas quero falar também sobre Malévola e essa pegada feminista dos filmes mais recentes da Disney (contém spoilers). Minha pesquisa de mestrado é sobre amor e meio que partiu de Crepúsculo, uma história que resgata umas características bem tradicionais sobre amor e relações amorosas. Então, o que me chamou mais a atenção em Frozen e Malévola foi a mudança do discurso em relação ao amor e não propriamente a sororidade que o filme mostra (embora ambos sejam componentes do feminismo desses filmes).

Em A Pequena Sereia, Ariel vê o príncipe Eric uma vez e decide trocar sua própria voz (ela, que gostava tanto de cantar) por uma chance de conquistá-lo. Ela diz que vale a pena, porque é amor verdadeiro.

É uma violência um filme para crianças mostrar uma situação dessas como se fosse algo NORMAL e aceitável. No fim, são todos felizes e dá tudo certo, então, passa a mensagem de que valeu tudo a pena mesmo. Ariel trocou toda a sua identidade pelo “amor verdadeiro” que sentia por um homem que ela viu uma vez e com quem sequer conversou.

O que me deixou maravilhada em Malévola foi como tudo foi tão bem construído que, na hora que o príncipe vai beijar a Aurora, a cena chega a ser ridícula, pois está claro para todo mundo que aquilo não vai funcionar. Não havia amor verdadeiro ali, não porque o príncipe não era um cara legal, mas porque os dois nem se conheciam. Eles tinham se visto apenas uma vez e trocado umas palavras. Eles até poderiam vir a se amar um dia, mas ainda não tinha dado tempo de esse amor acontecer. Porque, ao contrário do que a Disney ensinava antes, amor não acontece de uma hora pra outra.

Enquanto isso, nós observamos ao longo do filme inteiro a Malévola desenvolver uma afeição pela Aurora. É a convivência com a menina que faz com que a vilã perceba que estava tomada por ódio e vingança quando a amaldiçoou. Ela percebe, então, que ama essa menina e deseja salvá-la.

A partir daí, fica fácil entender o que acontece no final. Não é um amor lésbico (como andaram dizendo por aí) e não é um filme misândrico (porque isso nem existe). Fica bem claro no filme que foi a convivência entre as duas que fez com que Malévola passasse a amar Aurora. Enquanto Aurora era só um bebê desconhecido, Malévola não se importava. Ao longo do filme, as duas se envolvem e Aurora se torna uma pessoa de quem Malévola gosta. E gostar de alguém e amar alguém requer conhecer essa pessoa.

Em Frozen, Anna não aprendeu nada sobre a vida e acha normal se casar com um cara que ela acabou de conhecer, porque é “amor verdadeiro”.

O homem em questão convenientemente se torna um vilão no fim do filme, mas nem precisava. Embora o amor verdadeiro no fim de Frozen seja também entre as duas mulheres, vemos a Anna ao longo do filme desenvolver uma relação afetuosa super legal com o Kristoff. Dá pra ver que eles se gostam, mas, em nenhum momento o filme sugere que aquele seja o amor verdadeiro. Afinal, eles ainda estão se conhecendo.

Então, o que eu realmente gostei nesses filmes foi como é tratada a questão do amor. O amor romântico de Crepúsculo e dos contos de fadas mais antigos é marcado pela desigualdade de gêneros e pela mágica de um amor à primeira vista. O amor de Frozen e Malévola é de igual para igual e se desenvolve na convivência, conhecendo um ao outro — o que só se torna possível com o feminismo de pano de fundo. O amor verdadeiro desses dois filmes não é entre as mulheres apenas porque elas estão sendo postas em evidência, mas é porque elas sim se conheciam e se amavam. Bem diferente do absurdo da Ariel, né? Fico muito feliz em ver que as crianças de hoje em dia irão crescer com outras ideias sobre amor e relações amorosas. Ideias muito mais saudáveis.

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Escrevo na área de Relacionamentos & Sexo da Revista Capitolina e atuo no Ajuda, Miga!, vlog de conselhos para as leitoras da revista. Trabalho como professora de inglês e sou mestre em Linguística Aplicada (Discurso e Práticas Sociais), com estudos focados em amor, relações amorosas, gênero e sexualidade.

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Laura Pires

Escrevo sobre relações de afeto. Instagram: @_laurampires . Contato profissional: contato.laurampires@gmail.com .