Em defesa da “cultura inútil”

Laura Pires
3 min readJul 31, 2014

Se tem uma coisa nessa vida que eu detesto, é cagação de regra. Especialmente a cagação de regra quanto ao que uma pessoa pode ou não pode gostar.

Em época de BBB, é muito comum. Começam a brotar pelo Facebook frases do tipo “largue o BBB e vá ler um livro”, como se as duas atitudes fossem mutuamente excludentes. Quando se usa uma frase dessas, pressupõe-se que quem gosta de BBB não lê livros e vice-versa, e se está dizendo nas entrelinhas também que ler livros é uma atividade intelectual e cultural superior a assistir a reality shows.

Deixa eu preparar umas almofadas embaixo da prateleira pra salvar os meus.

Sobre isso, já vi também piadas de gente lendo Crepúsculo e Cinquentas tons de cinza em vez de ver BBB, querendo dizer que se trata da substituição de uma cultura inútil por outra. Também acho uma grande bobagem, por três motivos:

  1. Nós não precisamos ser intelectualizados o tempo todo. Não vou chegar em casa depois de um dia cansativo animada pra ler Nietzsche e, mesmo que estivesse animadíssima para tal, não acho que a leitura seria muito produtiva. Todo mundo tem direito a lazer, a um momento de futilidade e de relaxamento. Tenho certeza de que as pessoas que fazem esse tipo de julgamento contra a chamada cultura inútil também têm lá seus gostos e costumes duvidosos. A diferença é que eu, que adoro BBB e Foucault, acho que o que as pessoas fazem com o tempo delas não é problema meu.
  2. Dizer que ler livros é uma prática intelectualizada séria e que ver BBB não é propõe uma hierarquização do que é ou não é válido como cultura — além de ser pedante e hipócrita. E isso tem muito mais a ver com questões sociais e discriminação de tudo que é considerado cultura de massa do que com o que é de fato cultural ou não. Em outras palavras, no seu mundinho situado, uma coisa que é cultura pode ser nem um pouco interessante pro mundinho situado de outra pessoa. É uma questão simples de respeitar o próximo e seus gostos e opiniões.
  3. Ver BBB, embora seja um programa voltado para massas, pode ser também uma prática intelectualizada. Tudo depende da abordagem que você dá ao que está assistindo. Acredito seriamente que, se você olha pra um reality show e tudo que consegue enxergar é a bobeira da coisa, o problema está mais em você do que no reality show. Eu leio muito sobre comportamento humano e gosto de assistir a esses programas por causa das relações entre as pessoas e ver que reações são provocadas em determinados contextos. E aí?

É por tudo isso que eu gosto tanto dessa foto da Valesca e usaria uma camisa com essa estampa (me presenteiem!):

Essa foto representa tudo que eu acredito na vida, pois une o que se considera cultura inútil, de massa, de gente “sem cultura” ao que é considerado mais nobre nesses assuntos. Ninguém é intelectual e sério o tempo todo e ninguém é idiota e despolitizado o tempo todo — e, mesmo que se considere alguém despolitizado, não é o tipo de programa televisivo ao qual ele assiste, o tipo de música que ele escuta e o tipo de livro que ele lê que irá determinar isso. Essa determinação, feita sempre por outros, é apenas preconceituosa. Acho que a Valesca vai adorar esse livro.

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Escrevo na área de Relacionamentos & Sexo da Revista Capitolina e atuo no Ajuda, Miga!, vlog de conselhos para as leitoras da revista. Trabalho como professora de inglês e sou mestre em Linguística Aplicada (Discurso e Práticas Sociais), com estudos focados em amor, relações amorosas, gênero e sexualidade.

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Laura Pires

Escrevo sobre relações de afeto. Instagram: @_laurampires . Contato profissional: contato.laurampires@gmail.com .