Honestidade, marketing e espírito de porco
A história das pessoas que comprariam qualquer coisa com 70% de desconto desde que fosse para sacanear alguém
Até hoje, há algumas horas, eu nunca tinha ouvido falar da editora Lote 42. Acontece que, um pouco antes de o jogo do Brasil contra a Alemanha acabar, muitas pessoas começaram a compartilhar no Facebook uma promoção lançada pela loja ontem: cada gol contra o Brasil equivaleria a 10% de desconto nos produtos. A essa altura, Brasil perdia de 6x0 e, no fim do jogo, o placar foi 7x1. A página, que tinha poucos likes, se popularizou do nada e, de repente, um monte de gente questionava se eles iriam cumprir o prometido, ou faziam piadas de que a loja iria à falência depois dessa.
Nesse momento, me interessei em saber o que a loja vendia. Entrando no site, vi que eram livros e que um deles era o da Juliana Cunha, que eu queria. Achei barato e pensei: “Bem, mesmo se não rolar o desconto, vou comprar depois.” E aí o jogou acabou e eles postaram que estavam fazendo os ajustes no site. Os likes da página subindo, e um monte de gente que nem sabia em cima de que produtos seriam esses 70% de desconto comentavam informando que estavam dando print em tudo isso e que, se a loja não cumprisse o anunciado, haveriam processos.
A loja permaneceu simpática pela página do Facebook, informando cada passo, mas as pessoas não perdoavam. O site ficou fora do ar por estar tendo muitos acessos (óbvio). “VOCÊS TIRARAM O SITE DO AR PRA NÃO CUMPRIR A PROMOÇÃO!!!”. A loja é uma editora pequena, com apenas seis livros. “VOCÊS SÓ TÊM 6 LIVROS?? TIRARAM TUDO DO SITE PRA NÃO TER PREJUÍZO??” A loja explica que está tendo muitos acessos e que estão reativando uma conta em loja antiga para que as compras possam ser efetuadas. Mas ninguém acredita. Ninguém lê. Ninguém se importa. Ninguém sabe nem o que está fazendo ali além de acusar, ofender, ameaçar e desejar falência a uma loja que não sabiam nem direito do que que era.
Três coisas me chamaram a atenção nesse episódio:
- É correto e é também vantajoso que a loja cumpra o anunciado. Anunciaram, têm que cumprir e, de uma forma ou de outra, isso é marketing e acaba estimulando vendas em um nível que eles certamente não estão acostumados a ter. (Da última vez que olhei, a página já estava com mais de 15 mil likes, cerca de 10 mil além da quantidade de quando acessei pela primeira vez, durante o jogo.)
- Me espantou como as pessoas esperavam tanto que a loja fosse desonesta e não desse os 70% de desconto, que ficaram irracionais e não conseguiam acreditar em nada que eles diziam. Pareciam que estavam torcendo para o desconto não ser cumprido só para poderem xingar muito no Facebook. Ninguém parecia estar de fato interessado no desconto como parecia estar interessado em ligar para os advogados e denunciar no Procon caso qualquer coisa desse errado.
- Achei muito triste o espírito de porco: poucas pessoas pareciam estar realmente interessadas em aproveitar uma promoção incrível de livros legais. O grande lance em questão ali era sacanear a loja que, segundo essas pessoas, foi burra de lançar uma promoção dessas. O que importava ali era comprar qualquer coisa que fosse só pra loja ver o que é bom. E, gente, que coisa triste, que coisa absurda, que coisa ridícula, que coisa feia.
Demorei um pouco, mas consegui comprar dois livros:
Com o frete, deu menos de 31 reais, e eu fiquei super feliz com a minha compra. Não conhecia a editora, mas já fui com a cara e vou continuar acompanhando. Espero que esse marketing inesperado traga muito mais visibilidade a eles, e que sumam logo do Facebook essa gente cretina que quer mais é ver os outros se darem mal.
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Escrevo na área de Relacionamentos & Sexo da Revista Capitolina e atuo no Ajuda, Miga!, vlog de conselhos para as leitoras da revista. Trabalho como professora de inglês e sou mestre em Linguística Aplicada (Discurso e Práticas Sociais), com estudos focados em amor, relações amorosas, gênero e sexualidade.
