O preço de saber quem você é

Laura Pires
5 min readFeb 23, 2016

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Seja você mesmo, pero no mucho.

Nossas primeiras referências de mundo e também de quem somos costumam vir de nossos pais — ou de quem quer que sejam as pessoas que nos criem no mundo. São essas pessoas que nos ensinam o que é certo, o que é errado, que nos mostram as coisas que aprendemos a gostar ou não, que constroem conosco os nossos costumes. É comum, portanto, que algo que fazíamos com frequência na infância, com a família, seja algo que não fazemos em nossas vidas supostamente adultas. “Ah, mas você ia tanto à praia quando era pequena, não sei por que não gosta mais.” Me pergunto se eu gostava tanto mesmo de ir à praia quando era pequena ou se era apenas o que fazia com meus pais, porque era o que eles gostavam de fazer. Eu era uma criança, ora, o que eu sabia sobre quem eu era?

Formamos nossa personalidade de acordo com nossas referências, desde a nossa família nuclear até os aspectos mais macro do contexto social em que vivemos. Conforme vamos crescendo e o tempo vai passando, vamos entrando em contato com outras pessoas, outros costumes e com coisas diferentes de maneira geral. Podemos descobrir, um dia, gostar muito de algo que nem sabíamos que existia ou que rejeitávamos a princípio. Mudamos de ideia e de gostos o tempo todo. Dizem que devemos ser nós mesmos, mas aquilo que nós somos está em constante mudança e reconstrução. E se, nessa prática de experimentação, você de repente descobre que é uma pessoa completamente diferente de quem você achou que fosse? O que isso significa para você e para as pessoas com quem você se relaciona e convive?

Autoconhecimento é poder. “Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além”, já dizia o Paulo Leminiski. É o autoconhecimento que nos permite fazer escolhas e tomar decisões que têm resultados e consequências que viremos a considerar mais satisfatórios depois. Quando sabemos quem somos, tomamos decisões conscientes. Autoconhecimento, então, é um processo que nos traz bem-estar. Esse processo, no entanto, pode também trazer solidão. Você construiu relações com base em uma personalidade que talvez já não seja mais a sua. Isso quebra a expectativa dos outros. Enquanto, para você, é libertador se entender e ser você mesmo, para os outros, pode ser decepcionante. Quanto mais nos conhecemos, mais sabemos do que gostamos e do que não gostamos, o que queremos e o que não queremos. E, se sabemos do que gostamos e o que queremos, temos mais facilidade em dizer não. A gente acaba gostando tanto disso de ser nós mesmos, que não quer mais fazer outra coisa. Mas e os outros?

É muito mais fácil ter amigos próximos quando você é uma pessoa que topa tudo, que não discorda, que é dócil, que não cria caso, que não diz não, que tanto faz. Se você está sempre de boa com tudo, você é sempre a pessoa mais fácil de lidar, pois aqueles que conhecem e impõem suas próprias vontades passam por cima da sua, porque você nem faz questão mesmo. O que acontece, então, quando você passa a fazer questão sim?

Não é culpa dos amigos, você os deixou mal acostumados. Eles não sabem lidar com seu novo eu não-conformista. Isso pode acabar criando um descompasso. Enquanto você se sente cada vez melhor consigo mesmo por estar sendo fiel a quem você é, você pode acabar se sentindo cada vez pior em suas relações, pois, se você não é mais a mesma pessoa — não age mais da mesma forma — suas relações são diretamente afetadas. Você pode acabar descobrindo que não tem tanto em comum assim com as pessoas que eram suas amigas mais próximas. O discurso do “seja você mesmo”, “pense em você primeiro” e “faça apenas o que quiser” se choca contra o fato de que, frequentemente, pensar em você primeiro e fazer o que você quer magoa os outros, deixa os outros na mão.

Quando passamos muito tempo sendo quem não somos, sentimos urgência de sermos nós mesmos e, conforme vamos nos descobrindo, queremos mais e mais agir conforme a nossa vontade. Assumimos uma atitude foda-se.

“Fulana queria que eu fosse, mas foda-se, não quero ir, não vou.”

“Aniversário do namorado do Fulano hoje, mas foda-se, tô a fim de ir não.”

“Fulano quer sair, mas tô muito cansado, foda-se, vou ficar em casa.”

“Talvez não devesse ter falado aquilo, mas foda-se, é o que eu penso.”

“Não gostaram da roupa, mas eu gostei, foda-se.”

É normal irmos a um extremo quando queremos fugir de outro e, de fodasses em fodasses, vamos transformando nossas relações. Não é nem que não nos importemos com os outros, mas, quanto mais seguros estamos de quem nós somos, menos nos importamos com o que os outros pensam e menos damos atenção a críticas. Quando ouvimos críticas e opiniões contrárias, apelamos para a Atitude Foda-se. É comum, portanto, que a autodescoberta venha ligada à solidão. Nos perguntamos tanto até que ponto viver em conformidade com o que esperam de nós é saudável e necessário que às vezes falhamos em nos perguntar o quanto isso é sim saudável e necessário.

O segredo, é claro, está no equilíbrio. Com a segurança e com o autoconhecimento, não precisa vir junto a arrogância. Saber quem somos deixa de ser um poder se nos transforma em uma ilha. Você não precisa ir ao forró que você não gosta com a sua amiga toda sexta só para agradá-la, mas você não perde o seu eu só por escolher acompanhá-la um dia desses. Enfim, seja você mesmo, mas não seja um babaca.

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Escrevo na área de Relacionamentos & Sexo da Revista Capitolina e atuo no Ajuda, Miga!, vlog de conselhos para as leitoras da revista. Trabalho como professora de inglês e sou mestre em Linguística Aplicada (Discurso e Práticas Sociais), com estudos focados em amor, relações amorosas, gênero e sexualidade.

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Laura Pires

Escrevo sobre relações de afeto. Instagram: @_laurampires . Contato profissional: contato.laurampires@gmail.com .