Sobre expectativa, exercícios de paciência e amor tranquilo
Esse não é o tipo de texto que costumo escrever por aqui, mas quis abrir uma exceção, porque esta é, acima de tudo, uma história de amor e aprendizagem.
Eu nunca achei que conseguiria um dia assitir a um show de alguém que eu gostasse tanto. Como meus músicos preferidos não têm muito público no Brasil (Nick Cave) ou são reclusos (Fiona Apple) ou não existem mais (Beatles), me acostumei a ter a música como uma experiência solitária que vez ou outra eu conseguia compartilhar com alguém. Sendo assim, parecia que eu estava vivendo em uma realidade alternativa quando a Fiona Apple confirmou shows no Brasil em 2012. Eu não estava em uma época muito boa e o CD mais recente dela traduzia tudo que eu sentia. Comprei ingresso para o show do Rio, para o de São Paulo e quase comprei para o de Buenos Aires também. Seria o melhor show da minha vida, a melhor noite da minha vida, o melhor acontecimento da minha vida, esse momento com a Fiona Apple. Coloquei mesmo muita expectativa nesses shows. Até que ela escreveu uma carta aos fãs explicando que a cachorra estava morrendo e, por isso, ela iria cancelar a turnê pela América do Sul. *BOOM*. E, de repente, a melhor coisa da minha vida não ia mais acontecer.
De lá pra cá, fiquei meio desgostosa com essas coisas. Voltei à experiência solitária das minhas músicas preferidas, sem acreditar muito na possibilidade de um dia vê-las de perto. Nunca acreditei que a Fiona fosse remarcar os shows e, de fato, anos depois da morte da cachorra, ela continua sem tocar no assunto “show na América do Sul”. Deixei pra lá.
Acontece que, da mesma forma que a Fiona Apple marcou minha adolescência, posso dizer que a Laura Marling está marcando minha vida ~adulta (perdoe o uso do til, mas preciso). Ela não é exatamente popular por aqui e, quando tocou em São Paulo, uns anos atrás, foi em um festival aleatório sem repercussão alguma, e eu não tinha dinheiro pra ir. Nunca passou pela minha cabeça que ela pudesse voltar para um show solo, então, eu não esperava nem torcia por isso. E aí que um dia eu recebo uma mensagem dizendo que ela vai tocar no Cine Joia, em São Paulo. Comprei o ingresso, mas, diferente de quando a Fiona Apple marcou shows, não fiquei todos os dias da minha vida até a data pensando em como seria e ansiando. Eu esqueci completamente do show até o momento do show em si.
Normalmente, quando tenho algum show pra ir, fico ouvindo bastante as músicas em casa, meio que praticando para o show. Com a minha xará Marling, não precisei fazer nada disso. Já escuto suas músicas com bastante frequência, já sei cantar quase tudo, já gosto de quase tudo. Não tinha muito o que fazer, era só chegar lá e curtir. Não tinha nada pra ser ruim. Eu estava tranquila.
Fiquei pensando em como, muitas vezes, precisamos passar por alguma decepçãozinha para aprender que o melhor da vida não nos desgasta. Aquelas coisas que nos dão crises de ansiedade, que nos fazem passar dias acordada, que nos fazem pirar em expectativas são coisas que simplesmente não nos fazem bem. É algo difícil de controlar, mas quando gostamos muito de alguém, por exemplo, temos essa tendência de criar expectativas. O problema das expectativas é que, não importa o que aconteça, será decepcionante, em maior ou menor grau.
Tenho refletido muito também sobre como essa ansiedade e essas expectativas que criamos em torno de nossas relações variam de acordo com o medo que temos de perder as pessoas com quem nos relacionamos. Em outras palavras, quanto mais medo temos de perder aquela pessoa ou aquela relação, mais ansiosos ficamos quanto a tudo que diz respeito a ela. Não é um estado emocional saudável e acaba afetando a relação em si. É exatamente dessa maneira que nossos medos se tornam proféticos: porque nós nos esforçamos tanto para manter uma falsa ideia de segurança, que acabamos pondo tudo em risco, deixando de agir com naturalidade.
Amor bom é amor tranquilo. Seja em uma amizade ou um namoro, nenhuma relação é saudável se estivermos frequentemente pensando no que fazer, em como agir, que medidas tomar para que as coisas não estraguem. Amor bom nos deixa à vontade. É aquele conforto de poder ser você mesma, de não ter que questionar cada movimento antes de tomá-lo, de viver um dia de cada vez, de não precisar ensaiar, de não sentir que vai morrer se tudo for por água abaixo. Só temos medo de perder aquilo que consideramos nosso. E é difícil não considerar propriedade emocional aqueles que o nosso amor adota. Mas, a partir do momento em que entendemos que não é bem assim que funciona, somos livres para aproveitar a relação ao máximo.
Quando deixamos de lado as expectativas, damos chance à vida e às pessoas de nos surpreenderem positivamente. Percebi enquanto a Laura Marling cantava na minha frente que essa compreensão só veio a mim depois de muitos exercícios de paciência. Seja com a Fiona Apple, com algum ex ou com um ou outro amigo, foi quebrando a cara em expectativas e preocupações que comecei a entender que amor não é algo que deva nos deixar nesse estado preocupado. Frustrações são exercícios de paciência. E precisamos deles para nos tornamos pacientes — e aí, com o tempo, vira algo que parece até natural.
O show da Laura Marling foi uma das mais experiências mais bonitas da minha vida. E eu não acho que tenha sido assim porque ela é uma artista incrível e porque eu sou muito fã dela. Foi assim porque aprendi a amar de maneira tranquila. Desse modo, não me fez falta alguma ela não ter tocado umas três das minhas músicas preferidas e nem me incomodou ela ter tocado dois covers que eu não conhecia. Não fez diferença, eu não precisava de nada em especial para que aquilo fosse tão gostoso, eu só precisava estar com ela. Amor tranquilo te inspira confiança e segurança.
Não vou dar detalhes sobre o show, porque foi um momento de maravilha muito íntimo entre mim e a Laura Marling. Só queria deixar registradas aqui as reflexões que me vieram a partir disso. Se tiver soado tudo piegas demais, perdão, mas estou apaixonada.
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Escrevo na área de Relacionamentos & Sexo da Revista Capitolina e atuo noAjuda, Miga!, vlog de conselhos para as leitoras da revista. Trabalho como professora de inglês e sou mestre em Linguística Aplicada (Discurso e Práticas Sociais), com estudos focados em amor, relações amorosas, gênero e sexualidade.