Solitude,

sozinho consigo mesmo somente

Laz Muniz
4 min readMar 5, 2019
Ilustração do autor ©LazMuniz

A sensação de estar só muitas vezes é maravilhosa. Muitas vezes é proveitosa, esclarecedora e, principalmente, criativa. Mas sempre passa aquela imagem do depressivo, solitário, coitadinho.

Não vem ao caso, aqui, a questão psicológica da coisa. Mas a questão social. No mais, tudo ao acaso…

Estar só é uma escolha, é querer e principalmente — para poucos — é poder. Não é consequência de uma perda ou falta, mesmo que no sentido contrário da minha ideia de solidão seja isso para muitos. Mas para estar ou ficar só também é necessário ser e existir. Não basta um telefone ou a internet. A presença é importante, mesmo que esteja sozinho consigo mesmo (não, isso não foi pleonasmo).

Por mais que queiramos estar, não estamos. Temos amigos, família, cachorro, gato, peixe e papagaio; temos livros, revistas, Internet, sofá, travesseiro, música, seriados e videogame. Não se trata daquele momento da sua vida em que você se sente sozinho, mas não está — porém não sabe disso e nunca saberá — e nem mesmo daquele momento em que você se sente sozinho e realmente está e se culpa por isso, mas também não faz o mínimo esforço para ter pessoas próximas de você. Trata-se daquele momento único, constante, em que você se vê sentado no sofá de pernas pro ar; saindo de casa para a mesa de um bar carregando um livro, um notebook, bebendo sozinho no balcão; pedalando numa estrada de terra qualquer e dizendo para si mesmo: paz!

E paz ofende!

É o sossego diário de que precisamos sem ter que ouvir vozes, opiniões, entendê-las ou debatê-las e isso se faz necessário na vida de quem curte um silêncio diário, mesmo que no meio de uma balada. É a solidão externa e o silêncio interno. Faz bem para a alma e o ser, e claro, para muitos é diferente. E quanto mais rodeados, melhor.

O amigo te chama pra sair e sua resposta é simplesmente “não quero”. Mas a maioria não quer entender o não querer. Tem que haver uma desculpa plausível, do tipo “estou doente”, “tenho muito trabalho”, “preciso estudar”, “vou receber a minha tia que tá chegando de Mossoró”, “bateu um puta piriri!”, “fui picado pelo mosquito do Zika”. Mas não quero parece uma afronta à dignidade da amizade, uma desfeita, como não fumar cachimbo da paz com o pajé ou beber do sangue do sacrifício do bode.

Muitas vezes saio por aí “ao deus dará”, sento num bar não tão tranquilo e coloco-me a desenhar meus pensamentos, criar coisas para se trabalhar depois — ou não -, ao som de copos e garrafas brindando nas mesas vizinhas e vozes que se embolam e não fazem o mínimo sentido. E certa vez, numa dessas, naquele momento em que eu mais precisava estar comigo mesmo (sou a minha melhor companhia), apareceu um conhecido já dando tapinha em minhas costas e debruçando sobre os meus ombros, “olha, me deixa ver o que você tá desenhando?”. E a sua atitude chamou a atenção de um casal da mesa ao lado que apontou e disse “desenha a gente aqui, oh!”, e apareceu outra pessoa que estava com este conhecido que entrou por último e minha paz acabou de vez quando todos quiseram fazer uma selfie comigo, mostrando o caderno aberto com o desenho que fiz naquele momento, que era o resultado de minha solitude.

E paz incomoda!

É aquela situação em que você fica constrangido ao ver dois cães atracados em plena via pública cheia de gente e você acha que só você está vendo. Ninguém tá ligando para aquilo, mas você não sabe se olha, se vira o rosto, onde coloca as mãos, se apressa o passo, se muda a direção… Só sente um constrangimento único que lhe dá a impressão que aquela cena é para você, e ninguém mais está vendo e tendo a mesma sensação. Mas, ledo engano. Todos ao seu redor estão constrangidos da mesma forma, tendo a mesma preocupação que você. Esse é o momento da sua vida em que você se sente sozinho, mas não está, mas você não sabe disso e nunca saberá. Mas ninguém respeita os danadinhos dos cãezinhos ensandecidos por sua naturalidade animal e sempre tem um qualquer que vai lá e taca-lhes um balde de água fria, “pouca vergonha!”.

E paz nunca anda sozinha.

A sensação de estar só muitas vezes é maravilhosa, mas estar só consigo mesmo é pleonasmo. E pleonasmo não está na regra.

Laz Muniz,
um sujeito sempre muito bem acompanhado pelos acasos da vida.

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