Paciência e leitura

A paciência perante o texto não é meramente uma virtude leitoral. É um fruto do Espírito.

Leonardo Bruno Galdino
3 min readSep 4, 2018

por Peter Leithart

Alguns leitores têm os olhos educados para essas coisas, mas desvendar os contornos de um mundo fictício ou as complexidades do método de um autor sempre leva tempo. Robert Penn Warren comentou que a mais “intuitiva e imediata” leitura de um poema provavelmente não virá na primeira leitura, mas sim na décima ou mesmo na vigésima. Para compreender o todo, a pessoa deve, ele especulou, ser capaz não apenas de lembrar o início do poema, mas o seu fim; ela deve ser capaz de “lembrar para a frente”. A paciência, em suma, é uma qualidade essencial de um bom leitor, e isso também é um ato de humildade.

Os leitores podem falhar em ouvir cuidadosamente para captar o tom de voz do autor, fazendo juízos precipitados sem perguntar se o autor pretende ser mortalmente sério, sentimental, satírico ou seja lá o que for. Um exemplo recente é tão absurdo que serve de paródia de si mesmo. Perto do início do ano letivo do ano 2000, pais negros em uma escola católica em Louisiana queixaram-se da linguagem e dos contos “racistas” da escritora da Georgia Flannery O’Connor. Seria um erro acusar esses pais de uma má leitura patética de O’Connor. Seria um erro porque eles absolutamente não leram os contos. Sua oposição aparentemente baseou-se em alguns poucos títulos e passagens. Com muita frequência, os cristãos são culpados de absurdos semelhantes. A criadora de Harry Potter, J. K. Rowling, tem sido citada por toda a internet como dizendo que está feliz que seus livros tenham produzido um surto de envolvimento de crianças no Satanismo. Essa citação tem sido usada como evidência de que os livros da saga Harry Potter são propagandas do inferno. A fonte original da citação, contudo, foi uma história tirada de uma revista eletrônica satírica. Para qualquer um que tirou um tempo para checar a fonte original e outro para indagar acerca do tom do artigo, ficou claro que o autor estava zombando das reações histéricas aos livros de Rowling. Deve ser uma deliciosa ironia para o autor do artigo que a sátira tenha se tornado combustível para ainda mais histeria.

Embora possam ser ferrenhos oponentes do pós-modernismo, leitores que acreditam piamente na “citação” de Rowling são tão tiranos e soberbos em suas práticas de leitura como qualquer desconstrucionista. Mas como se soube que a citação de Rowling era falsa? O texto não tinha “Sátira” escrito em sua testa. O autor esperava que os leitores reconhecessem os indícios e lessem em submissão a eles. Juízos apressados e ignorantes como esses não são apenas um constrangimento que muitas vezes torna os cristãos, com toda razão, objetos de ridículo. Muito pior, essas más leituras indicam uma terrível falta de caráter cristão. A paciência perante o texto não é meramente uma virtude leitoral. É um fruto do Espírito.

A paciência é necessária não apenas para descobrir os contornos de uma obra específica, mas também para descobrir como a literatura funciona. Em um de seus ensaios, Flannery O’Connor observou que algumas obras de ficção devem ser recomendadas somente para leitores maduros. Ela admite que as obras devem ser julgadas segundo o seu “efeito total”, não por passagens isoladas. Um livro pode ter conteúdo sexual, por exemplo, e não ser pornográfico ou imoral. O’Connor chega a dizer, de maneira sábia, que um leitor imaturo carece das ferramentas e maturidade literárias para sentir o “efeito total”. Leitores imaturos não conseguirão integrar passagens que despertam paixão dentro da experiência total de ler um livro. Eles podem retornar repetidas vezes às passagens picantes para experimentar novamente a excitação original, sem jamais perceberem que essas passagens estão em um livro que contesta o sexo barato. Somente a exposição prolongada à literatura desenvolve as habilidades necessárias para reconhecer o que um determinado livro ou autor está tramando. O’Connor termina o ensaio afirmando que as leituras do colegial não devem ser selecionadas com base no que os alunos desejam ler: “Seus gostos não devem ser consultados; eles estão sendo formados”.

LEITHART, Peter. “Authors, Authority, and the Humble Reader”. Em The Christian Imagination: The Practice of Faith in Literature and Writing. Leland Ryken, editor. WaterBrook Press, 2002, p. 212–214. Tradução de Leonardo Bruno Galdino.

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