Batman vs Superman — Uma história de Pais e Filhos

Uma análise com spoilers sobre os três principais personagens de Batman vs Superman e suas motivações

Leandro de Barros
Quadro a Quadro

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Batman vs Superman: A Origem da Justiça começa com uma sequência de alguns minutos que reconta a história de origem do Homem-Morcego de Gotham.

Bruce Wayne e seus pais, Thomas e Martha, estavam saindo do cinema (dessa vez para ver Excalibur, um filme sobre a união dos Cavaleiros da Távola Redonda, entre outras coisas), quando um assaltante entra em cena.

Bum. Bum. Pais mortos, pérolas pelo chão, o nome “Martha” sussurrado.

Essa cena intercala com um “sonho/realidade” de Bruce no velório dos pais. O garoto perde o controle por causa do seu sofrimento (dor, medo, impotência permeiam o rapaz) e corre pelo terreno da sua mansão, caindo num buraco e encontrando os morcegos que simbolizariam sua luta contra o crime. Os morcegos, nesse caso, fazem com que Bruce ascenda para a luz.

O simbolismo dessa cena não é exatamente sutil: Bruce chega ao “fundo do poço” com a morte dos pais e é salvo pelo o que os morcegos representam: uma oportunidade de dar sentido à morte dos pais (importante lembrar disso mais pra frente) e se sentir menos impotente.

A cena porém só fica completa quando vemos a cena seguinte. Nós acompanhamos os eventos do fim de O Homem de Aço através dos olhos de um Bruce Wayne já adulto, em Metropolis.

Wayne chega na cidade tentando desesperadamente ser útil. Corre em direção ao perigo enquanto outros tentam fugir. Liga para seus funcionários fugirem, mas o final da cena é igual ao da cena anterior:

Primeiro morre Jack, um homem mais velho. Depois morre uma “mãe”. Um jovem fica “preso no ambiente”. E Bruce fica, novamente, impotente. O culpado por isso tudo está no céu: Superman.

Toda essa minha (longa) introdução serve como base para minha interpretação das motivações dos três personagens principais de Batman vs Superman: Bruce, Clark e Lex.

O trio, na minha opinião, é apresentado e desenvolvido pelo roteiro do filme ao redor da temática da relação entre Pais e Filhos. Criadores e Criaturas.

Bruce não está atrás do Superman porque “ele pode dizimar a raça humana num segundo”. Claro que um cara que se veste como Morcego para combater o crime de uma cidade inteira pode ser descrito como megalomaníaco, mas sua motivação nesse filme é outra.

Antes de continuar, vamos só dar um corte aqui na história e avançar um pouco, pro confronto final entre os dois heróis. Quando o Batman está dando seus últimos golpes no Superman, ele diz algo mais ou menos nessas linhas:

“Aposto que seus pais disseram que você era especial. Os meus me ensinaram ao morrer que a vida não tem sentido a não ser que você faça ela ter sentido”

Eu não lembro exatamente as palavras da fala do personagem, mas o sentido é esse: após as mortes dos seus pais, Bruce descobriu que ele teria de controlar a vida para que ela pudesse ter sentido.

E, quando um homem do espaço vestido de azul luta com um homem do espaço vestido de preto destruindo uma cidade no processo, esse sentido que ele tinha recuperado desde a morte dos pais foi embora.

Quando isso acontece, Bruce recorre à quem o tinha ajudado na outra vez: o Morcego. O Batman.

O símbolo do Morcego é um símbolo de força para o personagem, de controle. Enquanto ele tiver e for o Morcego, ele tem a situação sob controle.

Então, mesmo que Bruce Wayne alarde que precisa destruir o Superman pelo risco que ele representa, sua real motivação é só uma: o senso de impotência ecoado da morte dos seus pais.

E quem diz isso não sou eu, é o Alfred:

“É assim que começa. A febre, a raiva, o sentimento de impotência que transforma homens bons em cruéis”.

Os sonhos estranhos do Batman também são explicados nessa linha. O primeiro deles vem, curiosamente, logo após essa frase do Alfred. Ele entra na capela onde está a sua mãe enterrada e vê sangue saindo do túmulo dela. Quando ele toca no sangue, um Homem-Morcego demoníaco destrói o túmulo e o ataca violentamente.

O sentimento de impotência (morte da mãe) faz com que ele se torne cruel (um Homem-Morcego demoníaco). A cena filmada como se o monstro aparecesse quase que como num espelho é proposital.

O segundo sonho, aquele onde um cenário pós-apocalíptico é visto, também corrobora minha interpretação: o Batman teme que o controle do seu mundo seja do Superman. Quando ele luta contra isso, é capturado.

O Superman entra em cena, ameaçador, e mata duas pessoas ao lado do Batman (simbolizando os pais dele), então se aproxima e tira seu capuz, expondo Bruce Wayne. Separando-o do Morcego. Tirando justamente sua força, seu controle.

De maneira interessante, o filme faz uma rima visual muito legal nesse momento. Assim que o sonho acaba, a próxima cena traz a “realidade” da mesma cena:

O Batman vai atrás de um carregamento de kriptonita, encontra soldados que guardam o mineral, luta contra eles e, no fim, ele e o Superman se encaram pela primeira vez.

Mas voltando ao Batman. Toda a sua motivação no filme é, portanto, uma maneira de tentar recuperar um controle perdido após as mortes dos pais. Ele age como um caçador porque é isso que seu pai disse que os primeiros Wayne faziam.

Portanto, quando ele finalmente derrota o Superman e o subjulga, a menção do nome Martha faz com que ele não mate o seu adversário.

A cena se torna poderosa porque faz uma conexão entre os dois personagens. Ambos são “filhos de Martha”, portanto, no mesmo nível. Batman não vê mais o “símbolo Superman”, o símbolo que ele temia pelo poder, o símbolo que ele temia pelo senso de impotência que lhe dava, mas vê Clark, filho de Martha, tentando salvar sua mãe. Bruce não vê mais o deus-demônio capaz de aniquilar a raça humana, mas vê Clark, homem.

Isso faz com que o Batman (o Morcego) não mate um “filho de Martha” (aqui podendo ser entendido simbolicamente como o próprio Bruce, remetendo ao pesadelo inicial). O matar, nesse caso, seria simbólico. E a presença de Lois Lane, o símbolo da humanidade do Superman nessa franquia, apenas reforça essa ideia.

E isso nos leva ao Superman. Ou melhor, à Clark Kent.

Clark inicia o filme tentando ser quem ele é: um cara com poderes que tenta fazer o que seu coração diz que estar certo. Evitar que o amor de sua vida morra nas mãos de um terrorista, por exemplo, parece óbvio, claro.

Porém, esse ato gera consequências, mesmo que essas consequências sejam controladas por alguém. Além disso, a vida dupla de Clark-Superman gera uma diferenciação entre as duas figuras: Clark é Clark e Superman é Superman.

Com a opinião pública virada contra si, Clark passa a duvidar do próprio símbolo que estava construindo. Afinal, aquele S quer dizer o quê?

No seu “retiro espiritual”, Clark encontra seu pai, que conta a história sobre como ele salvou sua própria fazenda, mas isso causou estragos em outra fazenda. A mensagem é clara: se você faz pra você, não dá pra controlar as consequências que vão cair nos outros.

Assim, enquanto Superman (símbolo) e Clark (pessoa) forem duas coisas diferentes, todas as suas ações continuarão sendo manipuladas, mexidas e alvo de polêmicas. Para que o símbolo do S possa continuar, a morte do Superman era inevitável.

E, por fim, chegamos em Lex Luthor.

Assim como o Batman, as primeiras cenas de Lex ditam as regras básicas para entendê-lo.

Na sua apresentação para a Senadora Finch, ele explica que o “Lex” em LexCorp é do seu pai, não dele. Seu próprio escritório era o escritório do seu pai e ele deixou tudo EXATAMENTE como estava. Porque Lex (filho) quer ser Lex (pai).

Mais para frente, Lex se atrapalha durante um discurso. Enquanto fala sobre como Prometheus roubou o fogo (conhecimento) dos deuses e deu aos humanos, Lex perde o controle ao dizer que “não há nada mais triste do que conhecimento sem poder, o que é um paradoxo porque conhecimento é poder”.

Lex, que tem todo o conhecimento, tem zero poder perante o Superman (naquele momento) e isso o aterroriza. Por quê?

Ele explica nas suas últimas cenas: seu pai batia nele. E, segundo suas próprias palavras, foi quando ele descobriu que Deus não existia — se Deus é todo poderoso, não pode ser benevolente; se é benevolente, não pode ser todo poderoso.

Assim como os pais de Bruce e de Clark tiveram grande influência no crescimento desses personagens, o mesmo aconteceu com Lex. Seu pai, dono da LexCorp, era “deus”, todo poderoso, mas não benevolente.

Por isso, Lex tenta ser igual ao pai, para ser também todo poderoso.

Porém, quando surge o Superman, esse sim detentor de todo o poder, Lex se assusta: afinal, o último ser “todo-poderoso” em sua vida batia nele.

Assim, a necessidade que Lex tem de combater o Superman é coerentemente explicada pelo roteiro do filme. Se a gente lembrar de que Prometheus deu o poder do conhecimento para as pessoas, a gente até entende o seu plano: o conhecimento das identidades do Batman e do Superman (esse conhecimento inexplicado no filme, mas cuja explicação não é necessariamente requisitada para compreendermos o longa) permite que Lex possa manipulá-los e colocá-los para lutar.

No fim das contas, Batman vs Superman revela-se como a história de três personagens cujas ações são pautadas pelos seus pais, mesmo quando esses pais já estão mortos.

É, ao fim e ao cabo, uma história sobre como nossos medos e traumas servem de combustível para as nossas opiniões e visões (o Batman só acredita que o Superman pode destruir a humanidade alimentado pelo trauma do que aconteceu com ele — quando vê o rival como um igual, passa a entendê-lo) e como tudo isso pode ser manipulado para nos colocar uns contra os outros.

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