A Guerra Contra a Inteligência

Leandro Ruschel
5 min readMar 10, 2018

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Olavo de Carvalho no seu escritório em Richmond, Virgínia, cercado pela família, alunos e sua volumosa biblioteca.

Durante a semana estive em Richmond para participar do curso “Guerra Contra a Inteligência” no estúdio do professor Olavo de Carvalho. Na verdade, Olavo mora no interior de Richmond, numa paisagem tipicamente americana. Ali você entra numa máquina do tempo, a vida ainda passa devagar, as pessoas são simpáticas e prestativas, apesar da natural lentidão enervar um pouco quem está acostumado com o ritmo de cidade grande.

Olavo não escolheu esse local para morar por acaso. Nas aulas, ele explicou que o próprio ambiente urbano, com a sua uniformidade e organização extremada acabam dessensibilizando o ser humano. Já o contato maior com a natureza e com as peculiaridades de um pequeno povoado, especialmente num lugar cheio de história como a Virgínia, geram uma conexão maior com a realidade.

O Capitólio de Williamsburg na Virgínia foi palco de momentos decisivos que levaram à Independência dos EUA, como o discurso contra o Stamp Act proferido por Patrick Henry e a Declaração de Independência da Virgínia em 29 de junho de 1776. Por aqui passaram George Washington, Thomas Jefferson, George Mason entre outros Founding Fathers. Um século depois, Richmond seria a capital da Confederação durante a Guerra Civil americana.

Segundo Olavo, estamos cava vez mais distantes da realidade pelo cientificismo, um reflexo da ideia kantiana de limitação das percepções humanas, que sugere a incapacidade do homem perceber como o mundo funciona, gerando o positivismo, que deu aos cientistas a tarefa de produzir os consensos pelos quais a sociedade deve se guiar.

As escolas modernas produzem dessa forma alunos obedientes aos consensos, mas impossibilitados de desenvolver a razão, que Olavo define como a capacidade de entender o todo e suas partes, enquanto a ciência por definição está limitada a estudar um recorte da realidade. A filosofia deveria fazer a conexão entre ciência e realidade, mas perdeu essa capacidade e se transformou em mais uma ferramenta de formação de consensos.

Uma corrente alternativa ao positivismo é o marxismo, derivado da visão hegeliana/marxista da história como um processo linear e previsível que levaria a uma organização comunista da sociedade. Nessa linha de ação, não há dúvida sobre a realidade. Todas as ações humanas devem ser interpretadas e moralmente avaliadas do ponto de vista de acelerar as mudanças históricas rumo ao comunismo, o que seria positivo, ou um passo para trás nessa trajetória, o que representaria algo negativo. De qualquer forma, o mundo marxista também coloca o poder na mão dos intelectuais, que formam a vanguarda condutora da humanidade.

Tais intelectuais são símbolos da razão e também criam símbolos da razão. Olavo define o símbolo de razão como uma âncora que diminui o nosso sofrimento diante de um mundo incerto. Freud teria errado ao explicar as neuroses humanas com base na sexualidade, pois o medo seria o sentimento que move os sujeitos desde o nascimento, o momento onde somos jogados num mundo frio e desconhecido. O primeiro símbolo da razão usualmente é a mãe, que representa para a criança uma referência de ordem e conforto. A confusão entre o símbolo da razão e a própria razão representa o grande obstáculo para perceber a realidade.

A sua experiência inicial define o nível de autoconfiança que será desenvolvido ao longo da vida. Crianças bem cuidadas e amadas terão maiores condições para quebrar os símbolos da razão em busca da própria razão. Além da superação dos nossos medos, para poder aumentar o horizonte da nossa consciência, precisamos de instrumentos para expressar a realidade, que estão no nosso imaginário. É impossível entender algo sem pensar algo. E para pensar algo é preciso ter o domínio da linguagem e das possibilidades humanas, expandidas através da cultura, principalmente pela literatura ficcional. A cultura humana é formada pelo encadeamento do trabalho de gênios, que usam o conhecimento desenvolvido pelos seus antepassados para criar novos conhecimentos. A partir do momento que a humanidade para de enxergar o todo e passa a retalhar a realidade através da ciência, sem construir a conexão necessária entre tais retalhos e impondo a ditadura dos consensos, o imaginário é empobrecido, impossibilitando a criatividade e a produção cultural, destruindo finalmente a inteligência.

Em países como o Brasil, o processo está muito avançado e as consequências são visíveis, onde a imposição da visão marxista de mundo levou à degradação da cultura que por sua vez retirou do povo os instrumentos para a construção do imaginário popular e consequente capacidade de entender os problemas sociais e buscar suas soluções. Logo, o caminho para recuperar o país passa obrigatoriamente pela recuperação da cultura, promovida em primeiro lugar pela confiança do sujeito na capacidade de enxergar a realidade com os seus próprios olhos e outros sentidos, pela vontade de buscar a verdade mesmo que isso implique em desafiar o consenso e ser desaprovado pela sociedade, além de superar os seus próprios medos e no desenvolvimento do imaginário através do estudo sistemático de literatura de qualidade, com o contato permanente com mestres e outras pessoas que estão passando pelo mesmo processo.

A guerra contra a inteligência não ocorre apenas no Brasil, mas em escala global, especialmente pelo processo de concentração de poder político e destruição das identidades nacionais. A única maneira de implementar o projeto globalista é através da criação de uma geração de cidadãos obedientes aos consensos, tarefa que hoje está nas mãos de escolas, universidades, imprensa e show biz, que se transformou na única forma de cultura consumida praticamente, além da própria estrutura do Estado, cada vez mais burocratizada e distante dos cidadãos e mais próximo da elite, à qual serve.

“Aceitar o primado do fato sobre a explicação é a regra áurea do conhecimento…vale mais a pena ter uma coleção de fatos confirmados porém inexplicáveis do que uma coleção de explicações que te impedem de enxergar os fatos.” Olavo de Carvalho

É preocupante perceber como a evolução tecnológica humana não foi acompanhada por um incremento na razão, como definida por Olavo. Temos computadores poderosíssimos nas nossas mãos, com a capacidade de acessar praticamente todos registros humanos produzidos até aqui em segundos, além de nos comunicarmos instantaneamente. Nossa expectativa de vida aumentou, o nível de conforto de um cidadão comum é muito superior ao que reis desfrutavam alguns séculos atrás, conseguimos curar cada vez mais doenças, nunca fomos tão ricos, mas ao mesmo tempo há um número cada vez maior de pessoas que não enxergam sentido na vida, em estado de depressão ou desenvolvendo outras doenças mentais que levam a comportamentos autodestrutivos e destruidores da própria estrutura social, muitas vezes através da defesa de ideologias nocivas. Há cada vez menos pessoas que percebem a realidade.

Temos acesso praticamente gratuito e imediato às obras de Platão, Aristóteles, Shakespeare, Dante e Dostoievski, entre milhares de outros clássicos, mas preferimos ficar lendo e postando bobagens nas redes sociais, vendo os filmes enlatados de Hollywood ou militando pela última grande causa criada pelos nossos “intelectuais”.

A mensagem de Olavo é simples: você tem os aparelhos necessários para acessar o mundo. Olhe a realidade com atenção, supere os seus traumas, não tenha medo de desafiar os consensos e receber olhares de desaprovação, leia o que há de melhor, siga os mestres, mantenha contato com pessoas que estão em busca da verdade como você e produza cultura de qualidade. Enfim, pare de fazer de conta que você está vivendo e finalmente viva!

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Leandro Ruschel

Especialista em investimentos. Apaixonado por filosofia e ciência política. Empreendedor. Admirador da excelência. Conservador.