Leitor Subversivo
5 min readSep 24, 2024

Uma Crítica Ao e Além do Pacifismo

(primeiro esboço do “Bloco Difuso dos Antônimos” contra o reformismo, estagnação e cooptação do Imperio)

  • “mais vale enfiar um balaço na própria cabeça do que continuar suportando o inferno da guerra.” (boletim aperiódico e experimental do Grupo Autonomia)
  • “Não nos enganemos, as coisas vão piorar muito! Precisaremos ser piores ainda!” (abigail Campos Leal ex/orbitâncias os caminhos da deserção de gênero)

O pacifismo (assim como a esquerda hegemônica conciliadora – seja nas suas vertentes mais institucionais, seja entre os que se autodenominam radicais) é heterosexista, e isso mesmo quando encabeçado por mulheres, racializados e não-heterosexuais. Afinal, todo discurso pacifista flerta com o absurdo ao dizer para que não ataquemos a ordem, que suportemos os golpes, que nos resignemos e sejamos obedientes.

Eis, portanto, as diretrizes e ideologia dos pacifistas: obedecer, obedecer e obedecer. É pura eupatia.

O contrário de pacifismo não é uma redução à propaganda pela defesa do armamento ou uma mera exaltação da violência, o contrário, neste caso, não é um binarismo tacanho que nos faria retornar à lógica heteronormativa do mando e à ideologia da militarização da esquerda. O pacifismo é essencialmente liberal, e os sociais-democratas e pseudorradicais não têm sido muito mais do que isso, ainda quando se dizem inspirados pelos princípios da horizontalidade, federalismo e anti-hierarquização.

O movimento pacifista é institucionalizante, subordinante e estratificador.

Não fetichizemos a violência nem nos tornemos neutros sobre o seu uso, nos apropriemos dela, dela não dependemos, não façamos doutrina.

Como ele recusa a crítica deste mundo, ou melhor dizendo, como a sua crítica não visa atacar este mundo para construir outro, o movimento pacifista tampouco visa a liberação, mas, sim, tão somente uma acomodação. Isso é o que já conhecemos pelo nome reformismo.

O pacifismo só serve para que os privilegiados se divirtam e possam se fantasiar de subversivos, de militantes e ativistas profissionais e não admite desvio ou contestação, uma ideologia da não-violência como a de Gandhi que chegou a pregar que devemos nos deixar violentar, posto que isso supostamente irá “tocar na consciência” do violador. Mas se é por seguirmos sendo violentados que nos levantamos, que lógica há em adotarmos como forma de resistência a resiliência de oferecermos também o outro lado da nossa face para o ESTADO? (O pacifismo ignora as pessoas que não tem a opção de serem pacíficas).

Por outro lado, qual pacifista não se considera de “vanguarda”, ao mesmo tempo em que age tal como o “pai”?[1] O pacifismo não passa de mais uma arma suplementar a serviço do império, está ao lado dos contingentes da polícia, dos intervencionistas e dos jornalistas comprados pela burguesia.

Paremos com os concílios, com a administração dos conflitos, avancemos tensionando os pontos, atravessando as marchas, através do recuo, dispersão e os ataques silenciosos e ruidosos. Pois “A alma, como vida dos fluxos, é querer-viver, luta e combate. Não só a disjunção, mas também a conjunção dos fluxos é luta e combate, abraço. Todo acordo/acorde é dissonante. O contrário da guerra: a guerra é o aniquilamento geral que exige a participação do eu, mas o combate rejeita a guerra, é conquista da alma. A alma recusa os que querem a guerra porque a confundem com luta, mas também os que renunciam à luta porque a confundem com a guerra: o cristianismo militante e o Cristo pacifista. Tem-se a parte inalienável da alma quando se deixa de ser um eu: é preciso conquistar essa parte eminentemente fluente, vibrante, lutadora.”

A forma de ação direta proposta é AMIZADE e cumplicidade (a filosofia não falará de nossos afetos enquanto ela não for exercida entre AMIGOS, o que passa longe de um exercício de erudição), a AMIZADE que buscamos, produz intensidades, trocas, reciprocidade, tesão, vazão, uma lista longa de potências sendo construídas, e vê, nós não amamos, como as flores, numa única estação; quando amamos, circula em nossos braços uma seiva imemorial. “Contra Carl Schmitt e com Vittorini, Mascolo e Blanchot, é necessário afirmar que é a amizade que vem primeiro para constituir o campo político comunista, e não a presença do inimigo, o qual , ao contrário, é só uma inevitável consequência. É a amizade que cria o espaço da organização revolucionária e é ainda a amizade que permite correr alegremente aquele risco de destruição que é congênito a qualquer empresa revolucionária. E com amizade vem o justo sentimento do jogo, da festa, do amor e também da violência, ou seja, da própria vida.” (Marcello Tari)

Em nosso combate, fazer o silêncio gritar mais alto quando o silêncio for a arma, torna o menor ruído ensurdecedor de acordo com nossas estratégias.

A apropriação da diversidade de táticas é ainda a mais eficaz forma de desobediência, como nos ensinaram os Lumbee na Revolta de Maxton, as sufragistas infratoras da lei (vide Pankhurst e suas seguidoras), os Black Panthers, punks, zapatistas, e os insurrectos de Stonewall – cada um no seu campo, contexto, tempo e situação.

Inovemos! Reconhecer o terreno do nosso tempo e conhecer a nossa força é questão de primeira ordem. Não existem fórmulas, tudo muda e nós também, não devemos cair na ilusão de que teremos a fórmula universal. E sobretudo: lutemos pelo fim dos rituais, pelo fim de tudo que nos torna igreja, que estabelece o cânone em torno de datas, textos, princípios e autores, e nos enfia na paranoia da guetização e do sectarismo anti-sectário.

Que tenhamos coragem de falar sobre a miséria de nossos ambientes coletivos, e de como viemos sendo pacificados sem nos darmos conta de tal transmutação. Não se supera uma situação dada, sobretudo uma situação de fraqueza e de isolamento, a não ser ao tomá-la em conta com a maior honestidade possível, sem agir como se esta não existisse.

  • [1] AQUELE QUE AGE em nome do Pai não pode ser posto em discussão. Onde a força se transforma em ponto de discussão, o discurso reduz-se a balelas ou a desculpas.
    Enquanto existir um Líder - e portanto a sua comunidade terrível - nunca haverá parrhesia e os homens, as mulheres e o próprio Líder estarão no exílio. Não se pode pôr em questão a autoridade do Líder enquanto os factos mostrarem que se o ama, ainda que se deteste o amor que se tem por ele. Acontece que o Líder se coloque a si próprio em discussão, e é então que um outro toma o seu lugar, ou que a comunidade terrível, tendo ficado acéfala, morre de uma lenta hemorragia. (Tiqqun; Teses sobre a comunidade terrível, Da miséria nos ambientes subversivos; Edições Antipáticas)

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