Análise do Cenário Eleitoral: Ciro e Alckmin

Leonardo Rossatto
12 min readAug 7, 2018

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Essa série de análises prévias sobre as candidaturas presidenciais começou com esse texto aqui sobre as candidaturas de Lula, Bolsonaro e Marina Silva. Hoje, a análise é sobre Ciro Gomes e Geraldo Alckmin, completando o “G5” da eleição, o grupo dos cinco candidatos com chances reais de ir para o segundo turno.

Ciro Gomes e Geraldo Alckmin (Fonte: Exame)

Ciro Gomes/Kátia Abreu — PDT/Avante

Ciro Gomes teve diversos contratempos em sua campanha eleitoral até agora. O principal deles foi o de não conseguir formar uma rede de alianças minimamente consistente, sendo rechaçado pelo “Centrão” em favor de Geraldo Alckmin e depois vendo o PSB escapar pelos dedos, após um longo namoro, para manter neutralidade em um cenário em que há fortes influências tanto do PT quanto do PSDB.

Com isso, Ciro anunciou Kátia Abreu como sua candidata à vice-presidência, o que pragmaticamente faz todo sentido considerando que Kátia Abreu é a única senadora com alguma notoriedade que tem mais quatro anos de mandato no PDT. O argumento de que isso pode ter pegado mal para seu eleitorado “mais de esquerda” não se sustenta, à princípio: a maioria das críticas pelo anúncio de Kátia Abreu como candidata a vice-presidência veio de quem já não ia votar em Ciro mesmo (petistas e psolistas fidelizados, prioritariamente).

A militância cirista pode ter se decepcionado pela evidência de que Ciro Gomes realmente não está se importando muito com a agenda ambiental, mas é preciso deixar claro que ruralista não é tudo igual. Kátia Abreu tem ações e declarações deploráveis quando a temática é a preservação de áreas indígenas ou a preservação da Amazônia, mas também atrai alguma simpatia em setores mais pragmáticos do “campo progressista” por sua atuação assertiva e decidida em defesa de sua amiga Dilma Rousseff. E também por ter jogado vinho na careca de José Serra em uma festa de Senadores.

Antes de qualquer coisa, esqueçam a história de que Ciro Gomes é “descontrolado”. Descontrolado é o Bolsonaro. Ciro tem alguns rompantes, mas mesmo nesses momentos é possível enxergar uma indignação sincera. O caso em que ele xingou a promotora que o acusou de injúria racial, no mês de julho, é um exemplo notório disso: muita gente denuncia o que considera uma parcialidade política do Judiciário e do Ministério Público nos últimos anos, mostrando exemplos em que a ação dos magistrados, promotores e procuradores varia de acordo com a posição do réu no espectro político. Ao ser indiciado por injúria racial, Ciro xingou a mãe da promotora em questão, colocando-se como vítima do mesmo tipo de perseguição que atinge toda a esquerda. Esse tipo de reação extremada gera escândalo em alguns, mas também gera empatia. Ainda mais em uma eleição como a atual, que existem nomes abertamente mais malucos por aí (lembrem que, além de Bolsonaro, Cabo Daciolo está disputando a eleição). Então não é o “descontrole” de Ciro Gomes que vai decidir a eleição.

Além disso, Ciro Gomes tem um trunfo: Ciro Gomes. Sejamos honestos: Ciro é um craque. Na quarta-feira, dia 1º de agosto, o PSB anunciou neutralidade na eleição, após flertar com o apoio a Ciro por mais de um mês. Parecia ser um golpe decisivo nas pretensões dele. Nesse mesmo dia, Ciro tinha entrevista na GloboNews. Duas horas sob ataque cerrado de alguns dos jornalistas mais conceituados do país. Nesse cenário, seria normal um desastre, uma entrevista cheia de rompantes, o absoluto descontrole. Mas não, Ciro deu show. Deu uma aula. No final da entrevista, a admiração dos jornalistas era notória. Ainda que muitas coisas possam ser contestadas em suas respostas, a clareza, a exposição de dados, a didática e a firmeza nas respostas tornaram a entrevista de Ciro Gomes a melhor da semana passada na GloboNews, com alguma sobra.

É esse o grande ativo de Ciro Gomes: a capacidade de debater. Ciro Gomes é um dos raros candidatos que consegue convencer o eleitor de que realmente tem um projeto de país. Você pode discordar de várias partes desse projeto, mas é inegável que Ciro Gomes aparenta ter cada pedaço desse projeto muito claro em sua cabeça, amparando-o em suas experiências administrativas no Ceará. Esse diferencial é importante especialmente nos debates. Ciro Gomes deve ser a grande estrela dos debates eleitorais, especialmente enquanto Haddad não for oficializado como candidato no lugar de Lula e estiver impedido de participar.

Além disso, o outro ativo de Ciro Gomes é a sua militância online. Dois anos de palestras em universidades pelo país geraram frutos nesse sentido. A militância de Ciro Gomes não é tão grande em quantidade quanto a de Bolsonaro, mas é relevante, e tem um diferencial: é mais qualificada, por ter origem no público que Ciro angariou nesses dois anos de palestras em universidades. É óbvio que ainda existe muita gente “lacrando” no meio dessa militância, mas a maioria é composta de gente disposta a argumentar. Tem gente dentro da militância petista que chama esse pessoal de “os chatos do Ciro”. Mas “os chatos do Ciro” tem uma capacidade de convencimento de indecisos muito maior que os militantes, bots e fakes do Bolsonaro, por exemplo. E a campanha de Ciro Gomes sabe que são os indecisos que precisam ser trabalhados.

Hoje, em cenários sem Lula, Ciro oscila entre 8 e 13% dos votos. Ao contrário de Marina Silva, Ciro se dá melhor em pesquisas por telefone. Sua militância é mais engajada, o que faz toda a diferença. No telefone, o sujeito que falaria pessoalmente “ah, eu vou votar na Marina” depois de alguma insistência simplesmente desliga. O poder de coação do entrevistador é menor por telefone. Mas o eleitor do Ciro é empolgado, assim como o do Bolsonaro, e isso se reflete nas pesquisas eleitorais realizadas por telefone.

Esse patamar não é suficiente para Ciro Gomes almejar o segundo turno. Em uma situação normal, sem grandes intercorrências, ele representa cerca de 15 milhões de votos. Desses quinze milhões de votos, muitos são de eleitores órfãos do PT, e há uma parcela considerável de votos cearenses. É bom lembrar que Ciro Gomes venceu o primeiro turno das eleições presidenciais de 1998 e de 2002 no Ceará. Não é o maior colégio eleitoral do país, mas são 4,5 milhões de votos, e se Ciro tiver 40% desses votos já tem um diferencial positivo de 1,8 milhão. E esse resultado se reflete quando a análise se dá em toda a região Nordeste: de acordo com a última pesquisa Ibope, de julho, é a única região em que Bolsonaro não lidera nos cenários sem Lula: Marina e Ciro estão tecnicamente empatados (16 a 14%).

E convém lembrar: sem o PSB, a campanha de Ciro na TV será pífia. No caso ele, isso faz diferença. Porque Ciro tem conteúdo pra mostrar na TV, tem propostas, poderia usar esse tempo para criar marcas de governo simples como o “vou tirar o brasileiro do SPC”, que ele criou em sua entrevista na GloboNews. Então Ciro vai precisar de muito brilho em debate e de muita militância virtual de qualidade pra superar essas dificuldades. Mas também vai precisar contar com alguma sorte.

Em uma situação normal, Ciro Gomes faz uma campanha digna e termina em um patamar de 13 a 15 milhões de votos. Esse patamar, querendo ou não, é um ótimo ativo para o segundo turno das eleições, ainda mais considerando o alto nível de engajamento do eleitor médio cirista. Pra lutar por segundo turno, só com uma campanha brilhante mesmo.

Geraldo Alckmin/Ana Amélia — PSDB/PRB/PP/DEM/PR/PSD/SD/PPS/PTB

Geraldo Alckmin vai decolar? Essa é a pergunta que dez em dez analistas políticos precisam responder quando se trata do ex-governador mais longevo da história do estado de São Paulo. É difícil ter uma resposta simples, mas uma coisa é fato: Alckmin fará uma campanha convencional e testará o alcance atual do que as pessoas chamam de “velha política” até as últimas consequências. Isso não é mérito ou demérito, mas estratégia.

Algumas coisas Alckmin já percebeu: a primeira delas é o adversário preferencial. Hoje, o principal adversário de Geraldo Alckmin não é o PT, o nemesis histórico do PSDB, tampouco Marina Silva, que quase tirou o partido do segundo turno em 2014. O principal adversário do PSDB no momento é Jair Bolsonaro, e o PSDB sabe disso. Geraldo Alckmin e Jair Bolsonaro disputam a mesma fatia do eleitorado, e parte expressiva do eleitorado de Bolsonaro (um terço, ao menos) consiste no eleitor antipetista, que tinha no PSDB o seu “porto seguro” até a eleição passada.

O que mudou desde então? Em 2014, já existiam sinais de que as forças políticas do país estavam se desmantelando. Tanto que Marina Silva quase foi para o segundo turno se apresentando como representante da “nova política”, em contraposição à “velha política” dos rivais PT e PSDB, que, naquela altura, acumulavam 20 anos no comando do país, somando os governos FHC, Lula e Dilma. A sensação de insatisfação com a política tradicional era pública desde 2013, se manifestou na eleição e 2014, e, depois disso, explodiu de forma incontrolável com as investigações da Operação Lava Jato e o processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff. O grande beneficiado com essa rejeição geral a essa “velha política” foi Jair Bolsonaro, que chegou ao patamar de 20% das intenções de voto com um discurso “contra tudo isso que está aí”.

Mas a disputa entre Alckmin e Bolsonaro não é entre a “velha política” e a rejeição da política, ou ao menos não é só sobre isso. A crise de representatividade não muda algumas características marcantes da democracia brasileira pós 1985. A principal delas é que existem dois núcleos duros na política brasileira, que contam com cerca de 30% dos votos cada um. O primeiro deles é o núcleo de esquerda, que fez o PT bater nos 30% de votos válidos em todas as eleições desde 1998. O segundo deles é o de direita, e o PSDB se apropriou desse núcleo desde a eleição de 1994. Sem entrar em méritos sobre “se o PT é esquerda mesmo” ou “se o PSDB é direita mesmo”, duas coisas estão claras: 1) PT e PSDB polarizaram a política em âmbito federal nos últimos 24 anos 2) O PSDB está mais à direita no espectro político do que o PT.

Além desses 60%, existem 40% de eleitores que costumam ser volúveis. São esses 40% que decidiram as últimas seis eleições presidenciais. Sob efeito da estabilização promovida pelo Plano Real, a maior parte desses 40% de eleitores elegeu e reelegeu FHC em primeiro turno. Esse mesmo pessoal elegeu Lula em 2002, reelegendo em 2006. Em 2010 esse pessoal elegeu Dilma contra Serra, e em 2014 existiu um enorme equilíbrio até mesmo entre esse pessoal, mas Dilma levou por pouco. Nesses 40%, por exemplo, se concentram a maior parte dos votos de Marina Silva.

Em 2014, esses 40% de eleitores estavam indo cada vez mais para a direita do espectro, o que obviamente favorecia o PSDB. A própria percepção de descrédito com a política ajudou nisso, fazendo com o que PSDB tivesse um desempenho exuberante nas eleições de 2016, enquanto o PT basicamente desmoronou. Na época, eu expliquei isso neste texto.

Mas esse desmonte da política tradicional desmobilizou também os “30% de cada lado”. Para a esquerda, foi mais fácil recuperar esses 30% de eleitores: além da figura de Lula, o péssimo governo Temer e a narrativa de que o PT estava sendo “perseguido pela Justiça”, materializada na prisão de Lula, reacenderam a militância. Para o PSDB, foi mais difícil atrair de volta essa legião de desalentados com a política. Os motivos passam pela participação tucana no governo Temer e pela percepção de que o PSDB é “protegido pela Justiça”, materializada especialmente após o não afastamento de Aécio Neves do cargo de Senador pelo STF. Mas o principal motivo vai além disso. A verdade é que surgiu alguém capaz de capitalizar o voto desse eleitor de direita que sempre votou no PSDB: Jair Bolsonaro. E quando Bolsonaro surgiu, esse eleitor de direita sentiu que não tinha mais nenhum motivo para continuar votando no PSDB.

É uma situação complicadíssima, porque é uma mudança conceitual. É uma quebra de paradigma de fato. E, contra a quebra de paradigma, restou a Geraldo Alckmin apostar nas estratégias tradicionais com toda a força possível. Por isso, agregou para si os partidos do “centrão”, que foram decisivos para derrubar Dilma. Com os partidos do centrão, Alckmin fica com quase 50% do tempo do horário político, mas também vende o discurso da estabilidade: se Alckmin se eleger, não terá os mesmos problemas de governabilidade que Dilma teve.

Além desses quase 50% do horário eleitoral, Alckmin vai acabar levando muito voto “by proxy”. Esses partidos do centrão elegem muita gente, e, querendo ou não, ainda existem milhões de eleitores que votam com o “santinho”, aquela cola em que todos os números estão marcados. quem já trabalhou como mesário sabe. Em que pese o desastre ambiental que ocorre nas calçadas de cada zona eleitoral em dia de votação, ter seu nome como presidente na maioria dessas colas ajuda sim a ganhar votos.

É importante lembrar, porém, que Alckmin escolheu Ana Amélia como sua vice. Uma conservadora gaúcha rancorosa, do nível (e do partido) de Luiz Carlos Heinze, que também concilia o conservadorismo com ignorância, como na ocasião em que acusou Gleisi Hoffmann de “dar entrevista pro Estado Islâmico”. Pra piorar, Ana Amélia guarda alguma proximidade com grupos estilo MBL, que tem sido punidos por empresas como o Facebook por criar uma estrutura de manipulação do algoritmo da rede para promover publicações falsas e distorcidas. É a aliança com o conservadorismo tacanho, com o claro objetivo de tomar alguns votos a mais de Bolsonaro.

Falando em Bolsonaro, é importante frisar que, com esse tempo todo, Alckmin vai investir todas as fichas em desconstruir o capitão bananeiro, que, por sua vez, não tem nenhum tempo de TV. Mas aí entra uma dinâmica interessante: os processos eleitorais brasileiros mostram que desconstruir alguém normalmente não implica em benefício para quem realizou a desconstrução. O eleitor considera isso “jogo sujo”. Até os marqueteiros sabem disso, e por várias eleições essas propagandas negativas foram completamente apócrifas. Atualmente, a propaganda apócrifa é proibida, mas os partidos driblam isso mostrando a coligação com tanta má vontade quanto a indústria farmacêutica falando “esse medicamento é contra indicado em caso de suspeita de dengue” em propaganda de remédio.

Além disso, Alckmin tem outro problema: a vinculação ao governo de Michel Temer. O centrão que apóia Alckmin foi o grande fiador do governo Temer. O PSDB mantém até hoje o chanceler do governo Temer (Aloysio Nunes Ferreira). Desvincular Alckmin de Temer é difícil, mas extremamente necessário para que a candidatura tenha qualquer chance de êxito. Michel Temer é um presidente impopular a ponto de 88% da população declarar que não vota em quem ele indicar. Seria mais ou menos que nem ter o apoio de José Sarney na eleição presidencial de 1989: uma condenação ao fracasso.

Então, se Alckmin quiser ser bem sucedido nessa eleição, terá que usar todas as armas da “velha política” para fazer duas coisas: a primeira é desconstruir Bolsonaro, tirando cerca de 30% de seus votos, e pra isso vale tudo. É bom lembrar que o PSDB sempre teve uma máquina eficiente de desconstruir candidaturas. Serra chegou a colocar em risco a eleição de Dilma Rousseff em 2010 com um monte de e-mails apócrifos sobre aborto, e isso em um cenário em que o PIB do Brasil crescia 7,5% ao ano e Lula tinha 87% de aprovação. Em 2014, todo mundo culpa o PT por desconstruir a candidatura de Marina Silva, mas o PSDB também teve papel decisivo nesse processo. E o PSDB sempre teve um olhar mais leniente das grandes estruturas de mídia do país, o que certamente faz diferença.

A segunda missão é mais difícil, considerando que a campanha eleitoral só tem um mês: construir uma imagem de Alckmin não atrelada a Michel Temer. Para isso, Henrique Meirelles é essencial. A função de Meirelles no processo eleitoral é essa: a de ser para raios das criticas que vinculam Alckmin a Temer. Meirelles é o candidato que é vinculado ao governo Temer por excelência. Mas usar Meirelles para desvincular Alckmin de Temer é uma faca de dois gumes: se o eleitor perceber propostas semelhantes nas duas candidaturas, a vinculação de Alckmin ao governo Temer fica ainda mais solidificada.

Com toda essa análise, cabe uma frase final: é muito mais fácil destruir outra candidatura do que construir uma imagem positiva junto ao eleitor. Especialmente com uma campanha eleitoral tão abreviada quanto a atual. Alckmin vai conseguir desidratar um pouco a candidatura Bolsonaro, mas não vai conseguir se desvincular de Temer. Com isso, em uma situação normal, deve conquistar cerca de 12% dos votos totais, oscilando entre 17 e 19 milhões de votos. Com essa votação, um segundo turno é muito difícil. É claro que é possível que os marqueteiros da campanha saquem alguma estratégia genial da cartola e façam Alckmin crescer, mas o carisma de Alckmin e o fato dele ser extremamente paulista não ajudam muito nisso.

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Em breve, mais textos com a análise das oito candidaturas restantes. As análises serão um pouco menores, mas terão bastante informação legal. Espero que vocês gostem.

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Leonardo Rossatto

A descrição deste perfil está imperdível, mas antes fiquem com uma mensagem dos nossos patrocinadores: ¯\_(ツ)_/¯