Separando o joio do trigo

Vladmir Pudim
7 min readOct 15, 2021

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Desde que eu comecei a investir em ações, um conceito que eu aprendi na minha formação científica me ajudou a ver algo com clareza: como existe uma grande mistura de ruído e sinal nas informações disponíveis para o investidor comum. Seja no Infomoney, Valor Econômico ou Wall Street Journal, sempre existe uma grande mistura entre informações que são relevantes e informações inúteis.

No mundo do Bitcoin não é diferente, e é possível encontrar de graça tanto informações de excelente qualidade, como vídeos no youtube com traders fazendo boquinha, arregalando o olho e amplificando qualquer FUD ou FOMO disparado pelos meios de informação. As informações para investidores de longo prazo fundamentalistas e para daytraders sempre são apresentada para os iniciantes de uma maneira desorganizada, de modo que a confusão é o estado comum de um iniciante. Basicamente, o iniciante não sabe separar o joio do trigo.

Figura 1. Caras e bocas em videos do youtube que causam mais confusão do que ajudam os iniciantes

Apesar deste ser o cenário comum, eu nunca vi muito conteúdo bom com uma visão macro que ensine alguém a interpretar e entender quais destas notícias são úteis e quais não são. Ou seja, o que é o joio e o que é o trigo para os seus investimentos?

O que é sinal e o que é ruído?

Esse pensamento de “ruído e sinal” vem das telecomunicações. De acordo com o Wikipedia: “Relação sinal-ruído ou razão sinal-ruído é um conceito de telecomunicações, usado em diversos campos como ciência e engenharia que envolvem medidas de um sinal em meio ruidoso, definido como a razão da potência de um sinal e a potência do ruído sobreposto ao sinal”

Ou seja, esse conceito de sinal e ruído foi apropriado das telecomunicações para diversos campos da ciência e da engenharia, tamanha é a utilidade dele como modelo mental para entender como o mundo funciona.

Explicando este conceito de uma maneira simples, o sinal é um padrão macro que pode ser observado e que carrega uma informação. Já o ruído é aleatório e não afeta o padrão macro. Exemplificando: ruído é o “hummmm” contínuo que o amplificador faz quando um instrumento não está plugado nele, o sinal é o solo de guitarra que o amplificador toca quando o guitarrista sola.

Nas ciências essa linguagem de ruído e sinal é usada para observar o que faz sentido e o que é irrelevante para os processos maiores. Em diversos experimentos, os dados obtidos pelos cientistas precisam ser “limpos” e interpretados, tirando o ruído e permitindo uma interpretação mais precisa do sinal. As duas próximas imagens ilustram esse pensamento.

Figura 2. Ilustração do que é o ruído, o sinal e o resultado da soma de ambos gerando o mundo real.

Na figura 2 é possível ver que o resultado no mundo real é a soma do ruído com o sinal e que, portanto, é possível se separar um do outro na interpretação dos dados.

O sinal é o que os professores de física chamam de “cavalo esférico”, ou seja, são as condições ideais que não existem no mundo real. No exemplo do professor de física, é como calcular uma trajetória sem considerar a resistência do ar ou a força necessária para mover um objeto sem levar em conta o atrito, por exemplo. Já o ruído está relacionado aos limites humanos, seja nos modelos que não contemplam a totalidade de um fenômeno, seja na capacidade técnica de construção de equipamentos que conseguem captar informações mais precisamente.

A figura 3 exemplifica a diferença entre o ruído e o sinal na prática, com um exame de ressonância magnética de um cérebro.

Figura 3. Hoje as imagens de ressonância magnética estão mais límpidas do que nunca por “culpa” das técnicas cada vez mais eficazes de filtragem de ruído.

Hoje as imagens de ressonância magnética estão mais límpidas do que nunca por “culpa” das técnicas cada vez mais eficazes de filtragem de ruído.

Como isso se aplica aos investimentos?

Ok, mas e como essa história de sinal e ruído se aplicam aos investimentos?

O primeiro passo de todo investidor é entender qual é o seu perfil e qual a sua estratégia. Sem uma estratégia definida, é impossível saber o que é ruído e o que é sinal. Ou, em outras palavras, para quem não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.

Usando o meu próprio caso como exemplo, eu sou um investidor de longo prazo que investia na bolsa pensando em montar uma carteira previdenciária (dinheiro para a aposentadoria sem depender do Estado) e continuei com essa visão de longo prazo quando mudei meu foco para o Bitcoin. No meu caso em específico, noticias de adoção em países, empresas começando a utilizar e outras coisas relacionadas a curva de adoção do Bitcoin são o sinal. Enquanto que a volatilidade de curto prazo ou as análises gráficas com o padrão triangulo ascendente, o martelo de thor ou duplo twist carpado são tudo ruído.

Mas para alguém que estuda análise gráfica e onchain e tira informações relevantes das notícias, ou seja, para os trades, isto é o seu sinal. Enquanto que a adoção do Bitcoin por El Salvador ou o anúncio que a Blockstream vai começar a fabricar computadores de mineração (conhecidos como ASICs) é o ruído que não fez preço no curto prazo

Ou seja, não existe um certo e errado, cada pessoa deve interpretar de acordo com a sua estratégia o que é ruído e o que é sinal para ela. Mas eu tenho sim um motivo para optar em investir no longo prazo e não no curto, que é acreditar que é mais simples conseguir filtrar o ruído do sinal. O porquê disso tem relação com teoria dos jogos.

Jogos de soma zero, jogos de soma não-zero

Na teoria dos jogos, um jogo de soma zero se refere a um jogo em que existe necessariamente um ganhador e um perdedor. Ou seja, para que alguém ganhe algo, outra pessoa está necessariamente perdendo. Enquanto um jogo de soma não-zero é um jogo colaborativo em que o sucesso de um dos jogadores não representa a perda de outro jogador. Na natureza, o jogo de soma zero é o jogo jogado entre o predador e a presa, enquanto o jogo de soma não-zero é o jogo jogado por espécies que possuem uma relação mutualística, como os humanos e os cães.

Figura 4. Jogos de soma zero e de soma não-zero sendo jogados na natureza

Traduzindo a visão de teoria dos jogos para o mundo dos investimentos, os investimentos de curto prazo (day trade e trades de curto prazo) são jogos de soma zero em que não existe uma mudança significativa na tese e nos fundamentos. O que existe são pessoas apostando entre si e tentando arbitrar o preço de curto prazo dos ativos de maneira a extrair dinheiro de outras pessoas que também estão tentando arbitrar o preço de curto prazo e extrair dinheiro de outras pessoas. Uma implicação direta disso é o surgimento e expansão de toda uma indústria de notícias que ganha mais cliques quando as manchetes são mais sensacionalistas. Ou seja, quem foca no curto prazo e tenta operar noticias é o alvo ideal para quem quer manipular o mercado a partir de FUDs (como é explicado na segunda parte desse texto).

Enquanto isso, o investimento de longo prazo surfa os fundamentos da tese. No caso do Bitcoin, a curva de adoção de longo prazo (explicada nesses dois textos 1 e 2) e a escassez gerada pelos ciclos de halving (explicada neste outro texto) garantem uma apreciação constante e previsível no longo prazo, mas muitos que focam no curto prazo ficarão pelo caminho por não saberem diferenciar entre ruído e sinal.

Ou seja, o que é ruído e o que é sinal é diferente para cada pessoa e estratégia. A minha estratégia pessoal é simples: estudar os fundamentos do Bitcoin e focar no longo prazo. Eu faço meus aportes semanais sem me importar com o preço, pois sei que a volatilidade é um ruído de curto prazo, a curva de adoção que é o sinal de longo prazo. Nessa estratégia de aportes constantes (conhecida como DCA, aqui tem dois textos que explicam bem ela 1 e 2), figuras de análise técnica, com olhos arregalados, boquinhas e manchetes sensacionalistas são ruído e podem ser ignorados. A vida é mais simples e tranquila jogando esse jogo de soma não-zero chamado longo prazo.

Como a Figura 5 abaixo ilustra, o Bitcoin tem uma curva de adoção similar a curva de adoção da internet. E de acordo com essa curva, nós ainda estamos na internet de 1997–98, então não existe motivo para querer focar no curto prazo, o longo prazo já é lindo e vai entregar tudo que nós queremos e muito mais conforme a adoção for aumentando.

Figura 5. Comparação entre as curvas de adoção da internet e do Bitcoin

publicado originalmente em https://explicabitcoin.medium.com/separando-o-joio-do-trigo-7fd22f2b7f85

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