Sobre Princesas de Rosa ou Azul

Letícia Campos
4 min readJan 3, 2019

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‘Menina será princesa e menino, príncipe’, diz Damares Alves, nova Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Cinderela, salva por um lindo vestido AZUL e um sapatinho de cristal.

Princesa: substantivo feminino

  1. mulher de príncipe (‘filho de rei’ ou ‘chefe de principado’).
  2. soberana de principado.

Mas o que de fato significa ser uma princesa?

Já fui muitas vezes chamada de princesa, na infância como elogio de graça, fofura, beleza bons modos. Na juventude como mulher que merece toda atenção de um “príncipe”(?)

O fato é que esse elogio sempre me incomodou, mesmo sem saber porque.

Mas o que significa ser uma princesa pra você?

Do ponto de vista histórico, sociológico, princesa é uma mulher bela, que pode dedicar grande parte do seu tempo para ser muito bela e estar sempre com todos os acessórios (joias, vestidos) que facilite isso. Ela é filha de um Rei, que detém poder e recursos, dos quais ela usufrui. Como mulher, ela não tem direito ao trono, logo ela é uma moeda de troca para um bom casamento para agrupamentos de reinos. Ou seja, ela deve abdicar de suas vontades e desejos para cumprir seu dever com o Rei(seu pai) e se entregar pura e bela a um príncipe em troca de um bom acordo político que beneficie seu pai e seu futuro marido. Quando se casa com um príncipe, ela é salva da obediência que devia a seu pai e passa ter sua própria família e reinado. Mas que pertence a seu marido, que a salvou mas que a agora a detém com a obrigação de gerar filhos homens para garantir a continuação do sangue como um próximo rei.

Sei que não falei absolutamente nada que ninguém que tenha estudado minimamente alguma história da monórquia, ou que tenha visto filmes da Disney não saiba. Mas visto de forma fria, distante e sem o deslumbre dos belos vestidos e dos romances dos conto de fadas, parece triste. Cruel. E ser princesa de repente parece ser a pior profissão do mundo.

Então quando você chama uma criança, uma mulher, qualquer pessoa de princesa, não é um elogio. É quase como uma sentença.

Ser tratada como uma princesa não é sinônimo de ser tratada com respeito e amor, é sinônimo de ser tratada como incapaz de tomar suas próprias decisões. É sinônimo de ser tratada com amistosidade somente porque você tem algo mais valioso a ser oferecido em troca, mas que não tem poder sobre as suas vontades. Deve obediência.

Não da pra negar que toda menina se encanta pelos belos vestidos da Bela Adormecida e da Cinderela e sonha um dia ter um belo modelito bufante e ser uma princesa. A moda tem uma grande armadilha ai: Qual vestido atual de princesa que usamos em pleno ano de 2019 livremente sem ser considerado old fashion do século XV?

Noiva…

Tenta dar uma corridinha com esse vestido?

E no desejo inconsciente de ser uma bela princesa um dia, muitas mulheres têm como sonho de vida se casar. E o peso do vestido lindo de princesa tem muito mais peso nisso do que se possa imaginar.

A maior parte das mulheres não se da conta disso mesmo se confrontada sobre. Sendo que o vestido nada mais é do que a forma mais ampla de limitação: Não da pra andar, correr, brincar, ir ao banheiro com tantas anáguas, mas dá pra ser bela e intocada.

Mas para encerrar tanto a questão do casamento, quanto do sonho de princesa. Um dos melhores conselhos que as belas histórias podem nos dar sobre essa relação de amor de vestido/casamento é tirado do seriado Anne with an E:

“Vou te dar dois conselhos. Primeiro: você poderá se casar em qualquer momento da sua vida, se assim desejar. Segundo: tendo uma carreira, você pode comprar um vestido branco, fazer do seu gosto e usar quando bem entender. Sou a favor de trilharmos nosso caminho no mundo”.

Crianças que não são princesas pensam e isso incomoda.

Seja como deseja ser. Mas não acredite que ser uma princesa é um elogio ou um privilégio a ser estimulado e almejado nas meninas.

Um membro de liderança governamental democrático desejando que as crianças sejam membros simbólicos de uma monarquia, não é um bom desejo, é uma sentença de retrocesso mesmo pra quem gosta de romance e conto de fadas.

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Letícia Campos

Feminista, digital, bruxa, viajante do mundo, disléxica que gosta de escrever textão (??), às vezes leve, às vezes pessimista. Na dúvida, realista.