Bloodstained: Ritual Of The Night — Level Secreto #65

Roteiro: Erick Oliveira

Level Secreto
7 min readAug 10, 2022

Bloodstained Ritual Of The Night foi lançado em junho de 2019 para PC, Playstation 4, Xbox One e Switch. Ele teve como produtor o Koji Igarashi, reconhecido como o principal responsável pelos jogos da série Castlevania desde o Symphony Of The Night em 1997, transformando a maneira que a progressão funcionava e consolidando o metroidvania como uma fórmula de jogo.

Koji Igarashi havia saído da Konami em 2014, e no ano seguinte lançaria uma campanha de financiamento coletivo no Kickstarter para um projeto de um jogo nos moldes dos Castlevania que os fãs tanto lhe pediam.

Bloodstained sofreu com alguns adiamentos, devido o processo de se adaptar a novas engines, o Igarashi teve que contratar outros estúdios para ajudar no desenvolvimento. No passar de anos, devido a sobretudo a decepção com o Mighty Nº9, o que seria um sucessor espiritual de Mega Man, feito pelo criador original, esses jogos feitos por campanhas no Kickstarter passaram a serem vistos com desconfiança.

Uma coisa que serviu para conter as expectativas do título de Igarashi, foi o lançamento de Bloodstained: Curse Of The Moon em maio de 2018, um jogo menor, nos moldes de um Castlevania III: Dracula’s Curse. Ele não teria relações com plot do jogo principal, mas contava com os mesmos personagens e elementos similares, porém, em uma aventura mais linear com o visual 8 bits.

A questão que pairava sobre o lançamento de Ritual Of The Night em 2019, era a diferença do contexto em que o Igarashi havia feito os Castlevanias nos consoles portáteis da Nintendo comparado aquele momento do desenvolvimento do Bloodstained. Os metroidvanias na década anterior, até 2008, contavam com 6 Castlevanias, 2 Metroids e um ou outro jogo que remetia a essa experiência de exploração. De 2015 adiante, esse gênero passaria ser um dos mais populares dentre os jogos independentes. A ponto de começarem a surgir algumas opiniões de que “metroidvania já poderia estar saturando”, passei a perceber essas falas pela primeira vez em agosto e setembro de 2018. Isso devido a uma série de lançamentos e relançamentos no gênero nesse curto período de meses, algo que 10 anos antes era impensável.

Diante disso, Bloodstained: Ritual Of The Night, assim que lançado, responderia a seguinte pergunta: como é um jogo de Koji Igarashi, 11 anos após o último jogo que produziu no estilo que o consagrou na indústria dos videogames? Agora em uma época em que esse estilo está mais concorrido?

O enredo de Bloodstained começa no final do século XVIII, com já duas décadas do início da Revolução Industrial. Nesse novo cenário, um grupo de alquimistas estava com receio de perder a relevância no meio do progresso da ciência diante da fé, da espiritualidade.

Esses alquimistas criaram os Shardbinders, termo dado a humanos que foram transplantados com um tipo de cristal mágico que os sintonizava com poderes obscuros, e os seus sacrifícios possibilitavam a invocação de demônios. Diante do caos que surgia, a igreja teve de solucionar essa situação que causou a morte de muitos inocentes. Todos esses Shardbinders foram sacrificados, com a exceção de dois: Miriam, que entrou um sono misterioso e Gebel, que sobreviveu por um milagre, e depois decidiu se vingar dos alquimistas restantes.

10 anos após esses eventos, surge um grande castelo amaldiçoado e Gebel convoca demônios para realizar um ritual sem precedentes. Ao mesmo tempo, Miriam desperta de seu sono e parte, junto do alquimista Johannes, para esse castelo.

É importante dizer que o Igarashi tinha uma missão em cumprir o que prometeu na campanha de financiamento: fazer um metroidvania como ele costumava fazer. Isso se concretizou, Bloodstained Ritual Of The Night é bom por causa disso, do mesmo modo que os jogos que ele participou no passado são bons, por trabalharem bem as suas principais características.

Bloodstained é uma reunião dos títulos do Igarashi, em especial o Castlevania Aria e Dawn Of Sorrow, na questão da mecânica principal que é capturar as habilidades dos inimigos, cuja dinâmica trabalha diferente de Order Of Ecclesia por exemplo.

No meio de tantos metroidvanias contemporâneos, Igarashi mostra em Bloodstained o que é o seu jeito de fazer esse gênero, que tem até um nome, o Igavania. O ponto principal aqui é dar uma quantidade gigantesca de conteúdo para o jogador: habilidades, itens, equipamentos. Essa variedade de recursos pode até parecer exagerada, ou que o jogador possa achar vários desses conteúdos desnecessários, até mesmo que alguns só servem para situações muitos específicas e depois se tornam irrelevantes.

Mas, foi assim que Igarashi e sua equipe fizeram o Symphony Of The Night em 1997. O mais curioso é que o Bloodstained, diante desse novo contexto em que foi lançado, deixa essa filosofia ainda mais perceptível, isso, por simplesmente ter mais jogos para comparar, algo que não era possível na década anterior.

No contexto atual, é mais fácil distinguir o que diferencia o Bloodstained de outros metroidvanias, é mais nítido observar quais são os elementos, que tipo de identidade que esse jogo possui, que havia ficado ausente por dez anos.

Quando se entende isso, torna-se mais fácil aproveitar o Ritual Of The Night. Ele não veio para inovar ou trazer um arranjo diferente das características existentes até então nesse gênero. Koji Igarashi cumpriu uma promessa e meio que matou a saudade de vários fãs que jogaram vários Castlevanias.

Como um metroidvania, a Miriam explora esse castelo, onde novas habilidades permitirão que caminhos sejam desbloqueados, algumas dessas novas mecânicas são bem conhecidas, outras pouco comuns, uma habilidade em específica considero bastante ousada e meio que ilustra que o level design de Bloodstained teve muito cuidado ao ser desenvolvido, no que diz respeito a posicionamento de objetos e plataformas.

O jogo tem seus sistemas de RPG como nos Castlevanias anteriores, a Miriam evolui de nível através de pontos de experiência, melhorando atributos. Há itens que aumentam o HP e MP máximos, espalhados pelo castelo. Em Bloodstained existe um sistema de crafting onde é possível combinar recursos para criar itens consumíveis, armas e armaduras. Por falar nisso, o jogo, diferente dos anteriores do Igarashi, permite com que o jogador possa customizar a aparência da Miriam, deixando a mais estilosa ou mais ridícula.

Os poderes coletados dos inimigos são os shards, e tem tipos diferentes, um que consiste em apertar um botão para lançar projéteis, criaturas inclusive, alguns ataques desses direcionados. Tem shards que são aumento de atributos, são mais passivos. Há a possibilidade de invocar familiares que lutam junto da Miriam. Alguns dos shards auxiliam na resolução de quebra-cabeças e no geral, o jogador tem muitas opções de montar a sua própria Miriam, dinamizando a sua experiência de jogo.

Agora vem um momento de ressalvas. Uma coisa que vou continuar não gostando em Bloodstained Ritual Of The Night é o seu visual. A personalidade do jogo está na gameplay e nas animações dos bonecos, algo que o Igarashi sempre foi perfeccionista. Porém, os inimigos gigantes e, em especial, os cenários, nunca me agradaram.

Eles têm uma aplicação tão agressiva de texturas em alta definição que dá a impressão que entramos em uma casa com acabamentos até que bem bonitos, nas paredes, nos pisos, os móveis estão novinhos, mas, parece que falta aquele toque de que tem gente que mora ali, soa impessoal. Dando exemplo de um jogo, é quase as impressões sobre o Sonic Frontiers, você colocar o personagem do estilo do Sonic num mundo que parece gerado por assets padrões da Unreal Engine 5.

Lembro que quando em 2022, foi revelado o jogo The Last Case of Benedict Fox, que tem perspectiva 2D em gráfico 3D e aparentemente conta com elementos de metroidvania, só pensei na hora que como queria que o Bloodstained tivesse tal personalidade no seu visual. Mas, isso vai além de uma questão de direção artística, a escolha de visual do Ritual Of The Night está associada ao controle de gastos e a empresa que o Igarashi faz parte, a Artplay, tem um direcionamento forte para mobiles.

Podia ser só uma birra de preferência estética, mas, metroidvania é muito sobre ambientação. Lembro que você precisa ir e voltar pelos mesmos cenários, isso sempre faz parte desse gênero. Boa parte da graça de caminhar pelos cenários de Bloodstained depende e muito das músicas da Michiru Yamane, que tava por trás de excelentes trilhas nos Castlevania que o Igarashi trabalhou.

O meu maior medo era que as áreas do jogo não se diferenciassem muito, mas até que dão uma variada, é legal até associar alguns elementos com os cenários do Symphony Of The Night, por exemplo, os sinos que se mexem na igreja, tem uma cachoeira da caverna na mesma posição do mapa do Castlevania. Porém, infelizmente, boa parte das áreas são esquecíveis, até porque algumas você passa tão rápido que não dá tempo de um mínimo apego.

O fato dos inimigos se repetirem é complicado também, inclusive perto dos finais do jogo, os eles são os mais aleatórios possíveis, aí soma isso ao fato das áreas finais serem estranhamente genéricas. Perto do encerramento de Bloodstained dá para notar claramente que o desenvolvimento teve de ser apressado no fim para que o jogo fosse entregue.

Quando o jogador percebe algumas coisas inconsistências da progressão do jogo diante do level design, o mundinho que devia nos envolver se torna desinteressante. Há alguns momentos que já fiquei cansado só de pensar que iria passar novamente por algumas salas, por parecem grande só para aumentar o tamanho do mapa.

Apesar de eu estar falando mal de alguns aspectos, a experiência Bloodstained num todo é muito boa, tá entre os meus jogos favoritos de 2019, que é um dos meus anos favoritos dos videogames.

Todas as considerações, sejam de pequenos detalhes ou coisas mais amplas da experiência do jogo, tem muito a ver com o potencial que esse projeto poderia ter ido. Tal qual o Symphony Of The Night é bagunçado em alguns de seus aspectos e se tornou o clássico que é, o Bloodstained tem todas as suas inconsistências, mas é um jogo legal de jogar com a Miriam, ver as variedades de sua gameplay, além de ir preenchendo os caminhos desse castelo.

No passar dos anos, o tempo dá aquela melhorada nas nossas opiniões, não é? E o Bloodstained é facilmente um dos metroidvanias mais fáceis de recomendar nesse período pós-Hollow Knight. Ele se destaca nesse mar que tem tanto outros jogos que se inspiraram nos Castlevania do Igarashi, mas o cara foi lá e mostrou como se faz.

Pode estar longe de ser o mais bonito, mas ele entrega a sensação de ser um bom Castlevania, e isso, já coisa para caramba para muita gente que sente falta dessa franquia, ficando claro o que ela tem de especial e retornou nesse jogo.

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Transcrições dos episódios do podcast Level Secreto.