Castlevania: Aria Of Sorrow — Level Secreto #87 (Transcrição)

Autor: Erick Oliveira

Level Secreto
7 min readNov 10, 2023

Castlevania Aria Of Sorrow foi lançado em maio de 2003 para o Game Boy Advance. Esse foi o terceiro título da série que seguiu os moldes estabelecidos em Symphony Of The Night, que se concentrou nos consoles portáteis da Nintendo. O Game Boy Advance tem na sua biblioteca três Castlevania, e nisso, existe um claro processo de evolução desses jogos a um nível mais refinado que é o Aria Of Sorrow. Então, me permitam fazer uma breve retrospectiva.

O Circle Of The Moon, de 2001, por ser o primeiro do console, era mais básico enquanto gameplay, tinha um problema de seu visual ser muito escuro, e como não havia iluminação de tela no modelo-base do Game Boy Advance, ficava difícil enxergar em determinados ambientes. Esse jogo não teve participação de Koji Igarashi, aquele o qual é o principal responsável pelos títulos de Castlevania nessa fase. Circle Of The Moon foi feito por um outro estúdio da Konami, o que desenvolveu os jogos da série para Nintendo 64, e sendo assim, foi lançado como um spin-off, uma obra rejeitada na linha do tempo principal. Apesar disso, era o segundo Castlevania mais vendido antes do lançamento do Lords Of Shadow mais a frente, e na parte de level design, o Circle Of The Moon tem uma estrutura de mapa diferenciada em relação aos jogos posteriores.

O Harmony Of Dissonance, de 2002, já contou com a direção do Koji Igarashi. O Harmony é muito um Symphony Of The Night trazido a um portátil, o próprio visual do personagem jogável, o Juste Belmont parece o Alucard, como coisas simples da forma como jogo pausa e o menu. Para contornar aquele problema da tela escura, o Harmony Of Dissonance era um visual claro e colorido a ponto de doer a vista, a batalha final parecia efeito de droga alucinógena. Em relação a gameplay, ainda havia essa procura por trazer uma experiência de exploração competente e gameplay polido, o que não teve tanto sucesso.

Aí chegamos no Aria Of Sorrow, que logo de cara, ao assumirmos o controle, claramente é visível a maior qualidade de animações, do visual dos sprites e cenários, como um level design bem mais interessante do que o Harmony, que tem em boa parte uma sensação de só seguir sala por sala, sem um carinho no aspecto jornada por aquele ambiente.

Uma característica que é importante destacar de Aria Of Sorrow é seu enredo, porque, realmente, existe um cuidado em tentar trabalhar uma narrativa numa experiência metroidvania. Castlevania nunca foi notável por sua trama, apesar de haver um interesse genuíno em saber o que acontece e como os jogos podem ser conectados, as ressurreições do Drácula e como os descendentes da família Belmont lidavam com isso. E quando não havia um Belmont, como esse jogo era encaixado nesse plano geral de acontecimentos? Portanto a série tem um material de narrativa que gera curiosidade.

O Symphony Of The Night tinha um mistério no seu enredo, primeiro, por jogarmos com o Alucard e tentar entender o que houve com o Richter depois do prólogo, e nisso, nos deparamos com ele como vilão. Como um Belmont agora é um vilão? Isso certamente era intrigante, sobretudo os fãs dos Castlevania anteriores. Entretanto, esse é um tipo de jogo que a narrativa tende a estar mais na jornada do jogador, nessa impressão pessoal a partir dos acontecimentos na gameplay e um subtexto presente na ambientação, de como as áreas são apresentadas. Mesmo com essa estrutura de jogo, Symphony Of The Night se esforçava em trazer aspectos narrativos convencionais, como diálogos com dublagens e CGs bem pontuais. Havia um esforço para contar uma historinha num molde padrão.

Aí quando falo da trama do Aria Of Sorrow e nesse sentido de explorar ao máximo essas linguagens possíveis, mesmo que o cativante seja mais a exploração e a dinâmica das habilidades que podemos experimentar. O jogo consegue despertar um interesse maior no seu enredo, as inserções de momentos chaves para mover os acontecimentos parecem muito bem casados e distribuídos pela campanha.

Aria Of Sorrow se passa no ano de 2035, onde ocorre um eclipse solar nos céus do Japão. O nosso protagonista é o Soma Cruz que junto de sua amiga de infância Mina Hakuba são atraídos por esse eclipse, e acabam parando em um castelo misterioso. Eles encontram um agente do governo chamado Genya Arikado, que revela que estão no Castelo de Drácula. Em certo momento surgem monstros que são destruídos por Arikado, no entanto, a alma de um deles é absorvida por Soma. Diante desse fato estranho, Arikado instrui o protagonista a procurar um local específico no castelo que tem relação com seu recém descoberto poder.

Ao longo do jogo, Soma encontra outros personagens que estão por algum motivo naquele castelo, com suas próprias intenções, ou até mesmo sem saber exatamente porque estão ali, mas, procuram respostas. Nesse aspecto que emerge o potencial da trama, desses personagens desempenharem um papel que, de certa forma, movem a compreensão do jogador em relação ao que está acontecendo.

Aqui em Aria Of Sorrow é apresentado um evento importante na cronologia da série, o Demon Castle War, uma batalha que aconteceu em 1999 que culminou na morte definitiva do conde Drácula, ou seja, sem mais ressureições. E diante desse acontecimento, o que explicaria a aparição desse castelo nesse eclipse? Tá aí outra coisa que tende a deixar o jogador intrigado, fora o envolvimento do Soma Cruz nisso tudo.

Em relação a gameplay, Aria Of Sorrow segue o padrão das características de Symphony Of Night, o sistema de evolução do personagem como um RPG, uma variedade de itens e equipamentos usufruídos de acordo com a necessidade e preferência dos jogadores. Como um metroidvania, existem as habilidades que ajudam a desbloquear a exploração, onde é possível cada vez conhecer novas áreas.

Os dois títulos anteriores, Circle Of The Moon e Harmony Of Dissonance tentaram trazer sistemas que buscar uma nova dinâmica de jogo. O Aria Of Sorrow introduziu o sistema “Tactical Soul” que tem relação com Soma absorver as almas de inimigos e adquirir seus poderes. Esse tipo de sistema foi um sucesso, tanto que o Igarashi repetiu a fórmula no Dawn Of Sorrow, um pouco diferente no Order Of Ecclesia e também está na gameplay do Bloodstained de 2019.

O sucesso desse sistema é interessante porque estamos falando de um título portátil, e nós remetemos muito a experiência de jogar Pokémon a essa coleção de criaturas e usar habilidades diversas a partir disso. Havia até a possibilidade de trocar as almas desses monstros com outra pessoa que possuía um Game Boy Advance, a partir de um cabo link.

Aria Of Sorrow encontrou realmente um fator engajante para somar a exploração do castelo, um aspecto da gameplay que dá o tom a essa experiência, contribuindo para afastá-lo da sombra do Symphony Of The Night.

Mas, como funciona esse sistema? As almas são divididas em 4 categorias, onde o Soma Cruz pode equipar uma de cada. Vou mencioná-las de acordo com as suas cores, certo? Tem as almas vermelhas que atuam como as subarmas que a gente conhece da série Castlevania. Com um comando, o personagem ataca com um projétil, por exemplo, arremessar uma lança. Esse ataque gasta a barra de MP do Soma.

Tem a categoria das almas azuis, elas garantem uma habilidade contínua, como criar um escudo mágico ou planar no ar quando pular. Conforme esses poderes estão ativos, a barra de MP vai esvaziando.

Por outro lado, há um tipo de alma, como a amarela, que não gasta MP. São habilidades que não necessitam de um comando do jogador. Um exemplo pode ser o poder de andar debaixo d’água ou absorver a vida dos inimigos acertando ataques.

As almas verdes também não gastam MP e elas trabalham de forma diferente das demais, não são equipadas. Essas almas estão sempre ativas a partir do momento que o Soma as pega durante o jogo. Elas atuam como as habilidades que ajudam a expandir as possibilidades de exploração, como a rasteira e o pulo duplo, por exemplo.

Com esse sistema de almas, o jogador pode customizar o seu Soma Cruz da maneira que acha mais divertido e interessante para uma determinada estratégia. Esse sistema é relevante também em indicar pontos importantes do desenrolar da trama, além de influenciar o final verdadeiro do jogo. Só é possível acessar um determinado local com o Soma equipando três almas específicas.

Aria Of Sorrow traz o retorno da compositora Michiru Yamane, que trabalhou na trilha de Symphony Of The Night. Houve um fator de urgência em trazê-la devido a críticas a esse aspecto do Harmony Of Dissonance, que na verdade foi mais um problema da qualidade do áudio que das músicas em si. Sinceramente não acho a trilha do Aria Of Sorrow melhor, apesar do esforço de melhorar o som do jogo.

No geral, vocês ouviram sobre um sobre um jogo que é resultado de um processo de adaptar a fórmula bem-sucedida a um console portátil. Aria Of Sorrow é um conjunto de muitas ideias que, em resumo, combina a sensação prazerosa de exploração com o vício do aspecto colecionável das almas dos monstros.

Mesmo ele sendo o primeiro que fez isso, acho que só o Order Of Ecclesia melhora esse aspecto, pelo fato de variar o jeito de obter essas habilidades, dependendo menos do fator sorte. Isso expliquei com mais detalhes no podcast desse Castlevania, indico para quem ainda ouviu.

Aria Of Sorrow foi importante para eu começar a explorar de fato os jogos dessa franquia, que se tornou a minha favorita dos videogames. Havia começado pelo Symphony Of The Night, joguei o Chronicles do Playstation 1 e alguns dos clássicos, porém, existia aquela sede de querer mais dessa experiência de exploração que era tão rara na época. Dito isso, o Aria Of Sorrow foi amor à primeira vista e depois foi só felicidade com outros jogos do Game Boy Advance e, posteriormente, com os títulos do Nintendo DS.

Castlevania Aria Of Sorrow é meu terceiro jogo favorito da série, ele me ensinou a amar essa franquia, então tem um fator sentimental bem importante. No sentido de produto, ele é bem redondinho enquanto experiência com início, meio e fim, algo que sua sequência, o Dawn Of Sorrow, não é tão bem-acabado, só para deixar uma comparação direta e relevante.

A primeira aventura de Soma Cruz introduziu um sistema que o ajudou a se descolar do Symphony Of The Night, como falei lá atrás. Aria Of Sorrow solidificou essa fórmula de exploração da série nos consoles portáteis, que durou alguns anos ainda. Sendo assim, porque não dizer que esse título foi fonte de referência essencial para o que se tornou o cenário dos metroidvanias hoje em dia. É inegável o quão importante ele é como uma experiência de exploração dinâmica.

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Transcrições dos episódios do podcast Level Secreto.