Deus Ex: Human Revolution — Level Secreto #72

Roteiro: Erick Oliveira

Level Secreto
8 min readJun 3, 2023

Deus Ex Human Revolution foi lançado em agosto de 2011 para PC, Playstation 3, XBOX 360 e o Wii U um tempo depois. É um jogo que se passa em 2027 e aborda uma temática cyberpunk, onde megacorporações privadas têm um grande poder de influência para subjugar os governos pelo mundo, inclusive em força militar.

Human Revolution é uma prequel da série, se passando 25 anos antes do primeiro Deus Ex. Mas a intenção nem sempre foi essa, o projeto inicialmente era para ser uma sequência do segundo jogo, o Invisible War, de 2003. Os desenvolvedores idealizaram vários planos para um futuro Deus Ex 3, até mesmo um escopo de mundo aberto. Porém a produção foi interrompida em 2005 pela quebra da Eidos Interactive, que foi comprada por uma outra proprietária. De 2007 em diante é que o projeto, que viria a ser Human Revolution, começou a ser trabalhado. No seu lançamento, a Eidos já era propriedade da Square Enix, isso a partir de 2009.

Pelo próprio subtítulo Human Revolution, já dá a entender que o foco do jogo é trabalhar no tema do transumaníssimo. No enredo existe a tecnologia dos “augmentations”, que é o nome dado aos aprimoramentos cibernéticos: órgãos artificiais capazes de melhorar a qualidade de vida do corpo humano. Isso gerou uma nova divisão social, entre as pessoas aprimoradas e as normais, por assim dizer.

Possuir um corpo aperfeiçoado tem seu preço e é para poucos, além disso, existe um custo imenso com uma droga chamada neuropozina, que impede com que o organismo rejeite os aprimoramentos cibernéticos. Essa droga deve ser tomada pelo resto da vida, e a sua ausência causa desde enxaquecas, convulsões até a morte. Esse é um ponto importante do jogo, pois a neuropozina é patenteada, ela só pode ser vendida por uma empresa.

Tanto para droga, quanto para os próprios augmentations, há meios alternativos que eles podem ser acessados, isso implica a existência de empresas que exploram essa nova tecnologia de maneira criminosa, antiética, perversa e daí pra baixo. Human Revolution tem essas tensões na sociedade quanto no próprio conflito de interesses nessas classes dominantes.

Esse novo título deu uma repaginada na franquia Deus Ex. Vale destacar a sua identidade visual, o uso constante da cor preta e dourada. O preto representa a distopia e o dourado a humanidade com a esperança de um futuro melhor. A ideia que guia a temática de Human Revolution é esse cyberpunk misturado a época do Renascimento, que é de onde vem a corrente filosófico do humanismo.

Outro guia para o tema do jogo é o mito grego de Ícaro. Personagem que construiu asas artificiais, mas voou tão perto do sol que acabou as destruindo. O mito serve como reflexo da temática do Human Revolution, o mundo se tornando dependente de uma nova tecnologia, que vai arruinando a própria humanidade.

No meio de todo esse contexto, o jogador vive na pele do personagem Adam Jensen. Ele é chefe de segurança das industrias de biotecnologia chamada de Sarif. O jogo começa com o Jensen preparando a segurança da sede da empresa, que vai receber uma reunião importante para discutir a regulação dos augmentations. Nesse evento, uma cientista da empresa e ex-namorada do nosso protagonista, Megan Reed, vai usar essa oportunidade para apresentar sua descoberta revolucionária, que vai permitir que as pessoas aprimoradas não necessitem mais de drogas como a neuropozina.

Enquanto o Jensen conversa com o seu chefe, David Sarif, a empresa é atacada e o jogador precisa ver o que está rolando. Nisso, o Human Revolution apresenta a sua gameplay, com o Jensen enfrentando soldados armados, que são liderados por aprimorados bastante desenvolvidos, o jogador anda pelos cenários testemunhando suas ações que causam um terror no local. Ao tentar defender a Megan, o nosso protagonista acaba levando um tiro na cabeça, no fim, esses terroristas misteriosos acabam matando todos que encontram.

Mesmo com a gravidade do que aconteceu, Adam Jensen não morre, ele passa por um extenso processo para se tornar um humano aprimorado. Leva-se seis meses para Jensen se recuperar dos danos sofridos, além de ir se adaptando com seu corpo remodelado. A partir daí, David Sarif vai dando missões ao jogador e a história vai se encaminhado, diante de toda aquela temática e disputas que falei anteriormente.

Na gameplay, depois dessa parte, quando o Jensen vira um aprimorado, a interface do jogo muda. Os padrões visuais que orientam as ações do jogador se encaixam com essa nova forma do personagem olhar o mundo em sua volta. Nisso que gente chama de diegese, de nos conectarmos com essa materialidade com os elementos do jogo.

Deus Ex Human Revolution é em primeira pessoa, mas tem momentos de terceira, sobretudo, quando o Jensen fica escorado em coberturas. Conforme os inimigos se movimentam, o jogador pode ir movendo desse modo, de cobertura em cobertura, sendo sorrateiro. O jogo oferece dois tipos de abordagens, uma letal e outra não letal, nisso muda tanto as armas que o jogador vai iniciar, quando nas decisões de matar ou não inimigos. No modo stealth, é possível escolher esses meios diferentes de derrota-los, que gera animações diversas e elaboradas de acordo com o contexto.

Não há uma barra de vida para o personagem, a saúde é regenerada sozinha, portanto, ao levar dano, o jogador precisa se esconder em um local seguro.

Como falei da questão do stealth, é uma boa hora de falar que Deus Ex, como franquia, consiste em jogos do gênero immersive sim. Human Revoluton tem essa perspectiva em primeira pessoa, há combate que uma ideia de tiro como foco, mas o jogo oferece ferramentas diversas para chegar nos objetivos. O Adam Jensen pode ser desenvolvido de maneiras diferentes de acordo com o estilo que cada jogador preferir.

Falar essas palavras dá entender que esses jogos têm elementos de RPG, que é o que se diz para qualquer que tem uma não-linearidade na evolução do personagem. Human Revolution vai te dando pontos de experiência por várias coisinhas que vão sendo feitas, seja no combate, no stealth, em hackear alguma coisa, entrar num duto de ar explorando um caminho “alternativo” e nas próprias interações sociais com NPCs. Tanto a exploração do cenário quanto do potencial do que seu personagem pode fazer, ajuda a aprimorar ainda mais o Adam Jensen.

Evoluir de nível aqui é o jogador ganhar um ponto de práxis, que serve para ir desbloqueando uma árvore de habilidades, aprendendo novos verbos ou melhorando o que o Jensen já sabe fazer. Esse ponto de práxis pode ser adquirido por experiência, ou alguns deles, raramente, são encontrados pelo jogo.

No caso das habilidades, o corpo androide do nosso personagem tem tipo uma bateria, que funciona como mana, que o jogador, ao fazer determinadas ações, vai gastando. Deus Ex Human Revolution limita a evolução do Jensen, no sentido de que, o jogador investe em hackear e, por exemplo, consegue abrir portas com nível de segurança alto, desabilitar câmeras, controlar torretas e robôs. Só que por outro lado, não vai poder mexer um objeto pesado que está bloqueando um duto de ar, que cortaria um caminho numa determinação missão, evitando facilmente confrontos.

Para algumas pessoas isso pode ser frustrante, mas isso deixa bem claro o quanto seu personagem é de fato personalizado, essa ilusão de que ele é único, que foi montado pelo jogador. Isso mesmo se tratando do Adam Jensen, um personagem bastante definido, com seu enredo e objetivos previamente estabelecidos. Apesar de escolhas nos diálogos, é bem ditado para onde ele quer chegar. Mas essa dinâmica de gameplay realmente fornece essa noção de liberdade, há a sensação da ausência dos aprimoramentos que o jogador não pode desenvolver.

Deus Ex Human Revolution tem suas missões principais e tem side quests, o jogo tem dois ambientes principais que seriam “bairros abertos”: ruas e becos interconectados, prédios que o jogador pode entrar. No caso é uma parte de Detroit e uma ilha costa da China, chamada de Hengsha. Esses momentos de gameplay são muito bacanas, realmente dá aquela sensação de existir uma vida ali presente, os bonequinhos tendo seus comportamentos e o jogador podendo fazer uma diferença naquele meio.

Falando em interação com outros personagens, não posso deixar de destacar momentos pontuais que são desafios de diálogo que é tipo um quebra-cabeça. Quando o jogador vai desenvolvendo aprimoramentos, torna-se mais fácil identificar padrões que o jogo oferece nas respostas dos personagens, que permite encaixá-los em três traços de personalidade diferentes. Quando o jogador consegue persuadir com as respostas certas, o jogador destrava caminhos e conteúdos adicionais.

Toda essa parte de variar a gameplay, de encontrar maneiras criativas para chegar nos objetos do jogo, Deus Ex: Human Revolution de fato é bem competente. Em toda apresentação visual dele, o cuidado de introduzir os elementos, o desafio de diálogo que acabei de citar, o minigame de hackear é simples, mas tem sua complexidade com níveis de segurança elevados. O próprio stealth, comportamentos dos inimigos, a alternância para visão em terceira pessoa é um diferencial para esse tipo de jogo. Pode ser bobagem eu estar falando assim, mas realmente o que esse jogo faz um frescor, ainda mais na época de seu lançamento, é uma maneira própria de enxergar os espaços e observar o que está em volta do personagem jogável.

A coisa mais fraca de Human Revolution são as batalhas contra chefes, isso é um consenso. É tão ruim, que seria melhor colocar uma cutscene e ficar assistindo os bonecos brigando. Olha que a versão que joguei foi a Director’s Cut, que dizem que melhoraram essas batalhas.

É decepcionante, pois falei tanto do cuidado na parte positiva do jogo, e a batalha contra chefes seria o momento de saciar uma expectativa de vingança do que foi feito no prólogo, e no final, ser ruim. O que pode explicar isso é que as batalhas contra chefes foram feitas por um estúdio terceirizado, aí dá para notar que é um negócio deslocado do resto da experiência de gameplay.

Deus Ex Human Revolution foi um jogo que experimentei bem depois do lançamento, e com poucas pretensões. Não era um título muito comentado tanto no meu meio quanto no geral mesmo, era considerado como mediano, que lançou e foi isso aí, vida que segue. Mas, ele me conquistou, trata-se de um dos immersive sims que mais gosto e que considero mais amigáveis para jogadores que não são acostumados com esse gênero, que infelizmente não é muito popular, independente da qualidade do jogo.

Gosto da forma que Human Revolution aborda a temática do transumaníssimo, o jeito que a história do Adam Jensen permite vislumbrar o que acontece no futuro da série, com os primeiros Deus Ex. Isso gera uma curiosidade mesmo o Mankind Divided, que veio depois em 2016, ser uma obra feita pela metade.

Essa é uma boa oportunidade para dizer que queria gostar do primeiro Deus Ex, que queria experienciar os momentos tão memoráveis que ele entrega, jogando de fato o jogo, sentindo nos controles tudo o que ele tem de tão especial em jogabilidade. Só que até hoje não consegui me sentir cativado por ele. Sofri por essa questão de me sentir culpado por não conseguir gostar de coisas em geral, não só nos videogames.

A experiência que tive com Deus Ex Human Revolution não substitui o original, de fato não tem a mesma importância na indústria, mas ele tem seu mérito. Human Revolution me permitiu vivenciar uma experiência genuína de immersive sim e, diante do que foi lançado depois dele, é uma das obras com temática cyberpunk mais robustas que podemos encontrar nos videogames. Disso não tenho a menor dúvida e sempre faço a questão de recomendá-lo a qualquer entusiasta desse tema.

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Transcrições dos episódios do podcast Level Secreto.