Doom — Level Secreto #93 (Transcrição)

Autor: Erick Oliveira

Level Secreto
5 min readJan 10, 2024

Doom foi lançado em maio de 2016 para PC, Playstation 4 e Xbox One. Esse jogo é o retorno da franquia depois de 12 anos, desde o Doom 3, que tinha uma pegada mais de terror comparado aos anteriores. Este título de 2016 retoma a ação frenética das origens da série, algo retrô que o destacou no segmento de jogos de tiro em primeira pessoa nesse ano.

Esse Doom teve uma das histórias mais complicadas de desenvolvimento de jogos. A ideia de um Doom 4 foi revelada no evento QuakeCon de 2007, e nos anos seguintes houveram algumas pistas como o fato da ação ser mais parecida com os primeiros dois títulos, e também do cenário ser a terra sendo invadida por demônios.

Em 2009, a ID Software foi adquirida pela Zenimax, que é a empresa dona da Bethesda. No final de 2013, o cofundador e desenvolvedor líder, o John Carmack, saiu do estúdio para trabalhar com tecnologia de realidade virtual na Oculus. No meio dessas mudanças, o projeto que seria o Doom 4 foi reiniciado.

Relatos posteriores apontam que o jogo estava distante da personalidade da série, algo que desagradaria os fãs. Quando nos deparamos com o material desse projeto é possível notar de cara algo mais cinematográfico, um foco maior no enredo, além de momentos “escripitados” durante a gameplay. Essa mudança de direção aproximava o Doom de um Call Of Duty. Vale lembrar que no começo dos anos 2010, era ainda o pico de popularidade dessa tendência nos jogos de tiro em primeira pessoa.

A partir do reinicio desse trabalho, foi que o Doom que conhecemos hoje passou a ter essa proposta de voltar as raízes. Os desenvolvedores iriam abrir mão da parte narrativa, de um polimento excessivo na parte técnica, na construção de uma atmosfera, como ocorreu no Doom 3 por exemplo, para se focar nos aspectos de gameplay e que esse combate visceral fosse muito rápido.

O tom do Doom de 2016 visa promover essa experiência frenética, com a violência tendo até um teor de humor, ambientado pela trilha sonora de heavy metal. Para quem tem o interesse de se aprofundar um pouco na história, e do personagem principal, existem os códex espalhados ao longo da campanha.

Uma coisa que distanciou o Doom da tendência de jogos de tiro naquele momento foi essa falta de pé no chão, de em nenhum momento se propor a trazer uma experiência realista. Isso não só pelos inimigos que são demônios invadindo uma estação espacial, mas é logo de imediato, o jogador perceber que pode dar um pulo duplo, sem uma justificativa, ele só está aí.

Quando comecei a jogar o Doom, achei que iria logo desistir, de tão rápido que é o movimento do personagem e das câmeras, achei que ia passar mal, porém, fui me acostumando. O segredo do sucesso foi abandonar a ideia de se esconder em muretas, esquecer que precisa carregar a arma. Todas essas burocracias são descartadas para o foco ser uma dança sanguinária com os inimigos.

A diferença do comportamento deles, somado ao level design das arenas e as variações das armas, garantem com que cada desafio de combate funcione como um quebra cabeça. Apesar do visual ser essa violência frequência, há toda uma série de tomadas de decisões estratégicas que torna tudo aquilo muito satisfatório, adaptando-se a diferentes contextos de combate, por mais que a proposta do jogo seja bem simples.

O jogo quer evitar um comportamento de se esconder, portanto, benefícios como ganhar vida ou armadura são adquiridos nessa abordagem agressiva. Após receber uma quantidade de dano, os inimigos começam a piscar, ficando meio tontos, nesse momento é possível utilizar uma animação de execução, conhecida como “glory kill”, garantindo recompensas ao jogador. Curioso notar que o fator cinematográfico de Doom, abordagem que foi descartada do projeto anterior, foi reduzido ao momento mais satisfatório que o jogador executa a sua agência.

Em resumo, Doom é se adaptar a esse ritmo frenético, abandonar as convenções de tiro de sua época, adaptar-se as diferentes armas e saber priorizar quais os inimigos devem ser derrotados primeiros. A maneira que eles são apresentados em um combate, e quais são os arranjos deles, é o que vai exigir do jogador a melhor performance.

O Doom de 2016 é um jogo muito bem realizado e foi, obviamente, bastante elogiado em seu ano. Por ter uma proposta tão direta ao ponto, seria um desafio ampliar essa experiência com risco de tornar algo repetitivo com o tempo maior de campanha, ou até mesmo, perigar de fugir da essência da série, com a introdução de muitas novidades.

Não digo que Doom Eternal, sequência lançada em 2020, deixou de ter essa personalidade. O que ocorreu foi o caso de buscar melhorar o que havia antes, só que sobrecarregando a ideia principal. E essa palavra “sobrecarregar” é a melhor termo que consigo encontrar para resumir a minha experiência com o Eternal, algo que também ouvi de algumas pessoas que jogaram e não gostaram.

Nunca me senti tão cansado jogando um videogame, isso aconteceu pela existência de uma obrigatoriedade de usar a arma certa na situação certa, sem muita flexibilidade. Você pode até ir superando os desafios, mas, sempre vai parecer que foi aos trancos e barrancos, sempre uma sensação de ter gastado mais recursos do que deveria. Não existe um brincar com as regras, os movimentos da dança são bem rígidos. O jogador tá sendo introduzido a novas armas e tendo que utilizá-las nessas situações e inimigos pontuais, em momentos de vulnerabilidades específicos.

Além disso, o Doom Eternal trouxe uma carga bem maior a narrativa e alguns elementos desbloqueáveis que só vão inflando a experiência, enquanto a base da diversão fica até meio perdida.

O pensamento que posso finalizar esse Level Secreto é o fato de grande parte das convenções de jogabilidade estarem muito bem estabelecidas. O mapeamento de controles num jogo de tiro em primeira pessoa está no seu estágio ideal para o jogador performar de maneira intuitiva. E diante disso, como apresentar algo além dessa gameplay base? Como é que apresenta mecânicas mais fora da caixa, uma temática intrigante, uma narrativa criativa? Mesmo o Doom de 2016 tendo se diferenciado por trazer uma experiência antiga de volta, parecendo até algo novo. Essa novidade logo encontrou um obstáculo que o fez parecer estagnado na sua fórmula.

O maior mérito do Doom de 2016 foi justamente entregar uma proposta simples, permitindo que o jogador pudesse expressar um desejo básico de ir matando demônios em seu caminho. Todos os seus elementos atuam para garantir essa experiência, onde cada momento mais simples vai alimentando o engajamento, tornando-se um tempo bem aproveitado. Ironicamente um jogo bem mais eterno do que o outro que vem em seguida.

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Transcrições dos episódios do podcast Level Secreto.