God Of War — Level Secreto #68

Roteiro: Erick Oliveira

Level Secreto
5 min readNov 6, 2022

God Of War foi lançado em abril de 2018 para Playstation 4 e em janeiro de 2022 para PC. Trata-se de uma continuação da saga de Kratos após dos eventos do God Of War 3, também com uma pegada de reboot, pois agora a série exploraria uma nova mitologia, a nórdica. Não só a temática do jogo é bem diferente dos anteriores, quanto a gameplay passou por uma reformulação. Essa nova aventura de Kratos retrata de certa um amadurecimento dos videogames enquanto mídia, mas isso vou falar mais para o fim desse podcast.

Então, o nosso protagonista saiu da mitologia grega e foi se aventurar na Escandinávia. Nessa sua nova vida, Kratos teve uma segunda esposa e um filho, que é o Atreus. O jogo começa após a morte dela, tanto pai quanto filho precisam cumprir o pedido de que suas cinzas sejam espalhadas no pico mais alto do mundo. God Of War segue essa jornada e Kratos, como um ser estrangeiro naquelas terras, acaba chamando a atenção das divindades e monstros locais.

Outro desafio vai para um lado mais pessoal, Kratos mantém seu passado em segredo e tem de lidar com a responsabilidade de ser um guia para Atreus.

God Of War é um jogo que progride em uma única tomada, sem cortes, ele é contínuo entre as partes jogáveis e as cenas não interativas.

A releitura do enredo e da temática necessitou de uma nova forma de elaborar uma gameplay para a série. Ao invés da câmera aérea e mais fixas dos anteriores, no God Of War de 2018, a visão foi para trás dos ombros do protagonista e podendo mover livremente. Essa mudança por si só já exigiria repensar profundamente a gameplay.

A movimentação e o combate são mais cadenciados. Kratos conta agora com um machado mágico, que pode ser arremessado e chamado de volta a mão. A arma tem um poder de congelamento que serve para paralisar inimigos, ajudando em estratégias de luta, quando essa mecânica de arremesso é fundamental em quebra-cabeças. O Kratos também batalha com seus punhos e também com o auxílio de um escudo. Existe um modo “Spartan Rage”, que pela força da raiva o protagonista desempenha ataques mais fortes e violentos com as mãos nuas, ela fica disponível quando sua barra estiver cheia.

O Atreus não acompanha o Kratos passivamente, ele serve como um assistente no combate, cada vez mais sendo útil. Tanto pai quanto filho podem customizar equipamentos com ferreiros, o qual podem adquirir alguns atributos adicionais.

Kratos possui uma árvore de habilidades que vai sendo explorada ao longo da progressão.

Em relação a estrutura do mundo, God Of War é um jogo aberto segmentado, onde o jogador pode ir e vir explorando os nove reinos, tendo acesso a viagem rápida eventualmente. Existe uma área que um grande que serve de conexão para outras localidades, o jogador vai e volta por essas águas, com Kratos e Atreus se locomovendo em um barco. Além do enredo principal, o jogo tem atividades paralelas quanto umas histórias secundárias pouco mais desenvolvidas, que ajudam até a compreendermos mais a dupla de protagonistas.

God Of War em 2018 foi muito celebrado, ganhou o Game Awards daquele ano, é considerado um dos principais jogos do Playstation 4. Ao mesmo tempo demonstrou uma tendência em comum dos exclusivos da Sony, esse caráter mais cinematográfico e dramático nessas produções, tanto é que apelidaram de forma pejorativa como jogos de pai triste com câmera nas costas.

Mas, assim, falando desse God Of War, ele tem uma grande importância. Falo isso como uma pessoa que nunca foi tão fã dessa franquia, só era deslumbrado pelo que os primeiros faziam. Em 2018 nem tava tão animado assim por esse jogo e ele acabou surpreendendo, o fato de ser uma sequência e não reboot total contribuiu muito para o peso que esse título tem.

Essa reinvenção do God Of War, sobretudo na figura do Kratos, demonstrou a época, essa certeza que a mídia de videogame saia da fase de adolescente eufórico.

Vamos voltar um pouco no tempo para 2005, lançamento do primeiro God Of War. O jogo era um banquete que saciava desejos juvenis, do jogador achar que estava fazendo coisa de adulto. É certo que ele não foi o primeiro jogo a fazer isso, mas, talvez tenha sido o auge dessa tendência, levando em conta o arco de história que envolve essa fase da série, em especial a primeira trilogia.

O Kratos era a representação em imagem disso, é por ele que os jogadores expressavam sua sede de violência, e até por meio do sexo nos minigames toscos que havia. Tudo que Kratos faz tem que ser com agressividade, com grunhido, a própria trama em si é o imaginário de se rebelar as regras impostas, e existe melhor representação disso que desafiar todo o panteão de deuses gregos?

Desconsiderando a discussão se videogames é ou não catalisador de impulsos violentos, existe de fato um fetiche com a violência nos jogos, sobretudo por sua interatividade. God Of War soube muito bem se utilizar disso. Porém com uma repetição de fórmula, de outros jogos, inclusive, essas mesmas regras não garantiriam um sucesso infinito, e God Of War Ascension foi o ponto de esgotamento. O adolescente da década passada é o adulto de hoje, com outra visão de mundo, com desejos diferentes, o lhe cativava antes, não possui a mesma força, devido as experiências vividas e responsabilidades assumidas.

O que God Of War de 2018 faz de mais genial é de se comunicar bem com quem foi familiarizado com os elementos dos jogos anteriores. Ver como o velho Kratos ser desconstruido pelo tempo é um dos pontos altos da experiência, de como ele busca melhorar suas atitudes, mesmo sabendo que não merece perdão pelo que fez em sua jornada passada. Falei que quando a gente cresce, passamos a assumir responsabilidades, então, o que dizer de tudo que Kratos precisa reavaliar suas atitudes tendo agora um filho que, querendo ele ou não, o tem como principal referência.

Um dos episódios mais recentes do Level Secreto foi sobre Castlevania Lords Of Shadow, falei dos momentos mais introspectivos da jornada de Gabriel Belmont, de como o minimalismo das ações dão o tom da construção do personagem e em consequência o que o enredo quer desenvolver. Em God Of War, nós temos histórias de famílias, com um véu de fantasia nórdica.

Kratos aqui parece menos agressivo, o combate parece mais contido, mesmo tendo grandiosas batalhas épicas ao longo do jogo, momentos em que o jogador pode expressar certa intensidade no apertar de botões.

Só que esse God Of War permite com que o jogador não lute por seus desejos juvenis, uma autoafirmação de grandeza e rebeldia. Kratos luta para proteger seu filho e prepara-lo para a vida cruel, de cumprir a promessa a falecida esposa, quebrar um ciclo violento sem ser atormentado pela culpa de erros, aceitando quem realmente é, inclusive repensar como enfrenta suas batalhas.

É mais do que apenas evolução de gameplay, de gráfico ou de representar de forma incrível outra mitologia, é aprimorar o que se entendia de Kratos. O diretor criativo Cory Balrog e o estúdio da Santa Monica deixaram uma mensagem bem clara de conseguir transportar aquele personagem e aquele God Of War para um outro contexto, ou seja, amadurecer o adolescente mais revoltado.

Apesar de paradoxos existentes, uns passos para trás que ocorrem, sobretudo, em relação a comunidade de jogadores. Vivemos sim uma época melhor, no que diz respeito ao que nossos queridos jogos querem nos passar de mensagem. De como a jogabilidade pode nos comunicar valores e repensar atitudes, de nos auxiliar em nosso desenvolvimento próprio quanto para com os outros.

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Level Secreto

Transcrições dos episódios do podcast Level Secreto.