Legend Of Mana — Level Secreto #95 (Transcrição)

Autor: Erick Oliveira

Level Secreto
7 min readJan 15, 2024

Legend Of Mana foi lançado para o Playstation 1 em julho de 1999 no Japão e junho de 2000 no ocidente. Trata-se do quarto título de Seiken Densetsu, série que surgiu como um spin-off de Final Fantasy. O mais conhecido deles é o Secret Of Mana, que foi lançado originalmente no Super Nintendo. Os jogos dessa série não possuem uma ligação direta, apenas um elemento em comum que é a presença da “Árvore de Mana” que é a fonte dessa energia nesses mundos.

Em Legend Of Mana, 900 anos antes do início do jogo, a grande árvore queimou, iniciando uma guerra entre várias raças em busca da mana que sobrou. Quando esse conflito encerrou, muitas das terras do mundo foram armazenadas em artefatos.

O papel do personagem controlado pelo jogador é de restaurar a árvore, distribuindo pelo mundo esses artefatos e resgatando a mana para o nível que havia antes. Existe um mundo vazio com espaços delimitados onde são colocados os artefatos coletados ao longo do jogo, cada um deles sendo um local novo a explorar.

Em Legend Of Mana, o jogador é quem vai, de certo modo, construindo o mundo que vai se aventurar. A progressão é ditada por pequenas histórias com as quais você vai se deparando, como se fossem contos. Cada vez que o jogador usa um artefato para criar um novo lugar, geralmente ao visitá-lo, uma nova tarefa inicia. Mal comparando, é como se fosse um seriado onde boa parte dos episódios fossem histórias separadas, com início, meio e fim nelas mesmas, contando até com telas de encerramento.

Pode-se dizer que quase tudo que é feito é opcional, e isso encaminha para a progressão “solta” de Legend of Mana comparado a outros JRPGs. No entanto, ao revisitar alguns locais, o jogador pode se deparar com eventos que surgem de repente, os quais podem ter sequência em outras áreas, desenvolvendo um arco narrativo. Enquanto o jogador vai utilizando os artefatos e conhecendo novos locais, os quais apresentam novas histórias, o ar de descoberta persiste. Porém, quando os artefatos acabam, o que resta é procurar a continuidade dos pedaços dessas histórias que acabei de mencionar, tendo o risco de surgir a sensação de estar perdido. O jogador precisa estar atento as pistas deixadas de locais a ir e dos personagens com quem podemos conversar, para aí sim ir juntando as pontas soltas e com isso dando sequência as tramas, tendo acesso também a novos artefatos.

Esse foi o elemento criticado na época de lançamento do jogo, essa narrativa solta deixava os jogadores confusos sobre o que fazer em seguida. A ideia de construir seu próprio mundo é bem sedutora, mas, na prática, a experiência de Legend Of Mana é algo bem diferente do que se tinha dos JRPGs na época, que obviamente é necessária uma adaptação de mentalidade por parte do jogador. Fora a questão narrativa, tem o fato de o posicionamento dos locais no mundo influenciar os vizinhos, pois os artefatos contêm propriedades elementais. Além disso, os dias da semana presentes aqui pode influenciar o que é encontrado nesses locais.

Havia dito que algumas histórias têm continuidade, Legend of Mana nos apresenta três arcos principais, divididos em tarefas em locais diferentes. Terminando cada uma dessas três grandes histórias garante a possibilidade de se aproximar do final do jogo.

No mundo há os personagens mais diversos, dos visuais mais diferenciados possíveis, seja humanoides com características particulares, animais antropomórficos, plantas e objetos animados. A vida que permeia esse mundo causa uma estranheza, mas ajuda a diferenciar bastante os personagens em sua estética.

No decorrer das histórias, nos lugares que o jogador vai visitando, de acordo com uma ordem, personagens conhecidos vão reaparecendo, indo e voltando, agindo como aliados em batalha. Eles não são carismáticos apenas na arte do jogo, mas no visual de seus sprites e animações. Legend Of Mana constrói um paradoxo: ao mesmo tempo que o jogador é fundamental para criar esse mundo, esse mundo parece existir independentemente de sua existência.

O jogo apresenta a possibilidade de ter um companheiro de batalha, seja um golem, feito com materiais, ou um pet, que podem ser espécies já vistas como inimigas. Felizmente, Legend Of Mana não requer que o jogador aprenda todos os seus sistemas para progredir, o jogo não te trava tanto para explorar quanto no combate. Alguns elementos podem ser melhor aprendidos em um New Game+, como entender melhor as armas, instrumentos musicais que tem a ver com os elementos, colheita de frutas, gerenciar o golem e pet, o posicionamento “ideal” dos artefatos no mapa.

Nesse sentido, a experiência de Legend of Mana é uma das mais flexíveis em termos de JRPGs, gênero conhecido por apresentar sistemas complexos e, por vezes, enredos mais complicados que o necessário para comportar as possibilidades de gameplay planejadas. Nessa aventura, o jogador está vivenciando pequenos enredos que vão se interconectando, construindo sua progressão, existe esse objetivo maior e grandioso, enquanto está sendo exposto a intimidade desses personagens, cada um com sua historinha.

Na gameplay, o seu personagem se movimenta de duas formas: fora do combate corre livremente; nas batalhas, anda de passo em passo, obedecendo faixas horizontais, acertando com seu ataque o inimigo que estiver na mesma direção. No canto superior da tela, há uma barra de vida que, conforme você aumenta de nível, coleciona múltiplas camadas por cima. A indicação mais confiável é a de porcentagem.

A série Seiken Densetsu consiste em RPGs com combates em tempo real, mas, a movimentação é cadenciada, portanto, o jogador precisa de um tempo para se adaptar aos controles e as animações truncadas. Ao vencer uma batalha, o inimigo pode soltar gemas que são experiências e o jogador deve coletá-las, pois com o tempo somem. Além disso, eles deixam dinheiro e também itens. Uma das grandes irritações de ter um pet ou um golem, é a dificuldade deles em coletar as gemas deixadas, por uma deficiência em suas inteligências artificiais.

No combate, o personagem tem um ataque rápido e outro de força, porém mais lento e que após a animação deixa um tempo de vulnerabilidade. Há dois botões reservados para habilidades básicas, e o jogador pode defini-las segundo sua preferência. Dentre elas estão as ações de defender, agachar, pular, empurrar, rasteira, etc. A escolha dessas duas habilidades é o grande pilar da evolução de seu personagem em Legend of Mana. De acordo com a combinação, novas habilidades são desbloqueadas, ou as chamadas “técnicas especiais”, elas consistem em golpes mais poderosos, usados quando a barra abaixo da vida estiver cheia.

A maneira que você desbloqueia essas opções ocorre conforme se batalha com uma combinação específica, e o jogo avisa quando uma nova habilidade ou técnica é aprendida. Não há um indício do que podem resultar essas combinações, o jogador age na pura experimentação: escolhe duas habilidades, passa por embates contra inimigos e espera adquirir algo novo ou não. Cada técnica especial tem uma descrição do dano (baixo, médio ou alto), o alcance, a área que o golpe pode atingir numa área circular ou numa faixa horizontal, etc. No fim das contas, o jogador observa os melhores golpes vendo na prática, e a partir disso vai definindo suas preferências. As técnicas especiais consistem em animações diferentes e pela quantidade numerosa delas, mesmo dentro de uma mesma arma, existe a expectativa de conhecer suas possibilidades e a satisfação na hora de acertá-las.

Legend of Mana não é um jogo difícil: isso fica evidente a partir do momento em que jogador encontra a arma a qual se adapta e se acostuma com a fluidez do combate. Pelo ritmo lento do personagem, o sucesso das batalhas depende de muito de deixar poucas brechas para o inimigo atacar ou, simplesmente, quebrar suas animações com ataque, a ponto de se quer deixa-lo se mexer. Esse domínio é possível quando se entende o alcance do ataque conforme as animações. Uma sequência de combos interrompidos pela metade pode ser mais efetivo que completar um por inteiro, portanto, o combate não é uma constante de apertar o mesmo botão.

Legend Of Mana é esse jogo acessível por não possuir tantas complexidades em relação ao seu sistema de RPG, mas, torna-se confuso por uma narrativa não linear, com essa ideia de ir construindo seu mundo e buscando esses três arcos narrativos principais.

O aspecto visual é algo brilhante, como havia dito em relação a estética desse mundo e os personagens muito variados, desprendidos de uma coerência lógica, algo que poderia deixar isso tudo muito bagunçado. A trilha sonora é um show, composta pela Yoko Shimomura, que para quem não conhece, é a responsável pelas músicas de Street Fighter II, Super Mario RPG, Parasite Eve e a série Kingdom Hearts.

A série Seiken Densetsu, como outros clássicos da Square, estão sendo relançados, tentando se adaptar ao público atual, mas não alterando o produto em si, essas remasterizações contam com uma facilidade ou outra para atualizar essas experiências antigas. No caso de Legend Of Mana, o jogador pode salvar em qualquer lugar, com exceção de pontos específicos no meio de uma história. Há uma opção de desabilitar encontros com inimigos, algo que atenua os momentos de backtracking, no retorno a locais já explorados.

Só que um aspecto negativo do remaster de Legend Of Mana é a adaptação de seu visual para resoluções maiores que se tinha na época do Playstation 1. As artes que mais sofreram alterações foram as dos cenários, uma resolução em HD com a proporção 16:9, onde detalhes estão mais nítidos, causando um estranhamento com estilo pixel art dos personagens, mesmo os modelos sendo melhorados. Os dois elementos separados têm sua beleza, sobretudo os ambientes, mas quando colocados em conjunto despertam essa sensação de coisas fora do lugar. O trabalho feito aqui foi de trazer a experiência única do jogo, tal como no primeiro console PlayStation, e não uma reinvenção de sua fórmula.

Legend Of Mana é um dos JRPGs mais inventivos e flexíveis da sua época. Trata-se de uma estrutura que pode ser palatável a quem quer conhecer os jogos do gênero dessa época sem esbarrar em sistemas e enredos muito complexos. Há de considerar que a liberdade de sua progressão pode deixar os jogadores perdidos, mas é uma estrutura que se adapta muito bem as novas versões lançadas recentemente, por conta de suas missões curtas.

Fora essa questão de sistemas de jogo, temos uma experiência charmosa, com um mundo cativante, repleto de personagens carismáticos. Com certeza o fator artístico de Legend Of Mana é algo fica para sempre na memória de quem o jogou.

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Transcrições dos episódios do podcast Level Secreto.