Metal Gear Solid 3: Snake Eater — Level Secreto #62

Roteiro: Erick Oliveira

Level Secreto
7 min readJul 14, 2022

Metal Gear Solid 3 foi lançado em novembro de 2004 para o Playstation 2. O jogo é o primeiro da linha do tempo da série, o protagonista deixa de ser Solid Snake e passa a ser Naked Snake, aquele que ficaria conhecido como Big Boss, o vilão do primeiro Metal Gear lá do MSX. A trama se passa no período da guerra fria, precisamente em 1964. O objetivo principal do Snake é o resgate de um cientista de foguetes, o Nikolai Sokolov, e sabotar uma arma nuclear experimental que é o Shagohod.

Metal Gear Solid 3 tem um prólogo que é a Virtuous Misson, servindo de tutorial pro jogo, que foi essa primeira tentativa de resgatar o cientista, que acabou dando super errado. O Snake acaba enfrentando uma agente americana desertora que é a sua mentora, The Boss, que lhe dá uma surra, lhe deixando bastante machucado.

Ela está associada ao Coronel Volgin, da agência militar de inteligência da União Soviética, que tem um viés mais radical do país em relação a Guerra Fria, atuando como um poder paralelo e tem planos de tomar o governo do Nikita Kruschev. Nesse objetivo que entra o interesse de Volgin no Shagohod.

No final da Virtuous Mission, ele lança uma bomba nuclear americana em território soviético, causando um dano diplomático catastrófico, ao ponto da CIA considerar a execução do Snake e do seu comandante Major Zero, devido a falha que tiveram. Mas isso não foi adiante, pois o protagonista seria importante para uma nova operação que foi chamada de Snake Eater.

Essa missão visa cumprir aqueles dois objetivos que falei no início, o resgate do cientista Sokolov e a sabotagem do Shagohod. Aí temos o adicional que é o assassinato da The Boss. O que acontece é que os Estados Unidos precisam provar que aquele ataque nuclear lançado não partiu do governo norte americano. A morte da The Boss seria uma forma de acalmar os ânimos na guerra fria, até porque o episódio da crise dos mísseis de Cuba de dois anos atrás, que aí é um acontecimento real importado pro enredo do jogo, elevou bastante as tensões entre Estados Unidos e União Soviética.

Metal Gear Solid 3 tem todo esse escopo mais amplo, das relações de poder a nível mundial e que se conecta com uma questão introduzida no Metal Gear Solid 2. No meio temos o conflito do Naked Snake com sua mentora, que acaba no decorrer da trama, desencadeando seus próprios conflitos internos, como a forma que ele enxerga o papel de um soldado, a noção de pátria e por aí vai.

Metal Gear Solid 3 de cara já aparenta ser algo diferente dos anteriores, e isso está estampado na ambientação do jogo, em um cenário de selva em território russo. Hideo Kojima sempre buscou construir uma experiência jogável de modo bastante palpável para o jogador, apesar das loucuras que ele cria, os sistemas de jogo estão fundamentados em uma base sólida de realidade, algo que sempre impressiona na época em que cada obra do Kojima é lançada.

A primeira questão do Metal Gear Solid 3 é de fato simular essa missão na selva, uma construção elaborada de ambientes irregulares, diferentes das bases que haviam nos outros jogos, que eram pisos mais planos, e quando havia subida ou descida, sempre eram por escadas. Fora isso, o Snake Eater, tinha a presença de animais, o jogador pode atirar num ninho de vespas fazendo-o atingir um soldado inimigo, há crocodilos que podem ser hostis, cenários com lama movediça, etc.

A versão base do Metal Gear Solid 3 não tem câmera livre, isso só foi trazido a série na versão Subisistance, lançada depois, que inclusive foi a que joguei.

Em relação a gameplay, há uma base que se mantém, a forma de usar itens e equipar armas, a furtividade ainda é o foco do jogo, e o cenário selva, mediante toda questão de terreno que falei, consequentemente foi responsável por ampliar as possibilidades de stealth. Uma delas é que o jogador pode mudar o traje do Snake, existe um indicador na interface da porcentagem do quanto o personagem tá invisível por assim dizer. No decorrer do jogo é possível adquirir mais trajes, inclusive outros tipos de disfarces, até um que em certo momento do jogo gera uma cena bem desconfortável.

Na parte de lidar com inimigos, o Metal Gear Solid 3 ampliou as possibilidades do embate corporal, o sistema CQC foi introduzido isso e se tornou padrão da franquia. O “close quaters combat”, combate de curta distância, permite uma variedade de ações do Snake a partir do momento em que agarra um inimigo, podendo estrangulá-lo, deixando-o inconsciente, obtendo informações ameaçando com uma faca, ou simplesmente cortando sua garganta. O que determina o tipo de ação depende do uso do analógico ou pressão exercida no botão. Lembrando que o Snake só pode realizar o CQC caso esteja desarmado, ou portando armas de uma mão só.

Outra novidade de Metal Gear Solid 3 é que Snake pode sofrer algumas lesões que dependem de um cuidado especial, por exemplo, cair de uma determinada altura pode causar fratura, ele pode ter queimaduras, e nessas condições é necessário usar itens de curativos específicos. Caso não sejam utilizados, o Snake tem limitações na movimentação segundo o exemplo da fratura que dei, e principalmente, a barra de vida não se recupera totalmente, ele fica reduzida enquanto essa lesão não for tratada de maneira adequada.

Além da barra de vida, vista nos outros jogos, aqui temos uma barra de stamina, que vai se esvaziando no decorrer do tempo, que pode dificultar as ações da gameplay quanto a barriga do Snake roncar e atrair a atenção dos inimigos. Torna-se necessário comer de vez em quando, e no meio da selva é possível se aproveitar da flora e fauna da região. Caso, o jogador demore muito a consumir uma comida, ela pode estragar e se ingerida pelo Snake, causa uma dor de barriga. O interessante é que fator stamina não se aplica só ao protagonista, mas também aos chefes de forma especial, por esse elemento dá para traçar estratégias interessantes no combate, como por exemplo, usar comida estragada.

Metal Gear Solid 3 no geral, apesar de ter vendido menos que o antecessor, foi melhor recebido. A parte técnica do jogo favoreceu essa recepção, mas muito tem a ver com a volta a um determinado eixo. O protagonista é o Naked Snake, ele lembra o Solid Snake e não o Raiden, que gerou uma decepção em uma parcela de jogadores na época. Em termos de enredo, o 3 é mais consistente, a parte mais filosófica acompanha melhor a narrativa, ela é enxuta e não uma série de reviravoltas e histórias paralelas como aconteceu no 2.

Uma coisa que foge de uma simples opinião é que o Metal Gear Solid 3 tem um elenco mais interessante que o 2, sobretudo quando se fala nos chefes, na unidade Cobra que é liderada pela The Boss. As batalhas contra chefes aqui de fato se mostram uma evolução do que foi feito no primeiro Metal Gear Solid, tanto no conceito desses personagens quanto no modo criativo que essas batalhas se dão, até uma delas pode ser resolvida sem precisar de um embate.

Metal Gear Solid 3 é um jogo mais redondo, ele visa aparar um pouco da confusão que foram os conceitos introduzidos no 2. No título anterior, nos momentos chaves, o teor da experiência era a confusão, duvidar do que é real ou simulação, só que num nível que beirava a pura abstração, com temas que só fomos enxergar de forma mais palpável mais de uma década depois de seu lançamento.

Metal Gear Solid 3 consegue incorporar esse escopo maior da trama nos dilemas pessoais que o protagonista vive, e isso clicou bem na época, isso se deve a familiaridade que tivemos com o Naked Snake, quanto o seu tema ser algo igualmente familiar.

Outra questão é que o jogo instiga a imaginação, porque esses eventos no passado tendem a construir muito do que é o contexto do futuro da linha do tempo, em especial o que se passa no Metal Gear Solid 1 e 2. Nesse sentido, vivenciar essa missão do Naked Snake é testemunhar conexões se interligando e com isso criando uma consistência maior na série Metal Gear como um todo. Algo que os jogos protagonizados pelo Naked Snake continuaram a desenvolver.

Metal Gear Solid 3: Snake Eater não é o meu favorito, mas é o que considero o mais redondo, repito isso até para reforçar que acho que é o melhor jogo da franquia por onde alguém pode começar. Apesar de no prólogo, um novato lidar com muita informação descontextualizada, é o primeiro da linha do tempo, algo mais tranquilo que começar de um 2 ou 4. Comparando com o 1, que é mais simples de ser introduzido a esse universo, a gameplay do 3 se aproxima de tendências que temos hoje em dia, é simples o suficiente para ser o meio termo que abrange toda a franquia. O jogo não tem tantos sistemas que passou a ter a partir do 4, do Peacewalker e que foram ampliados no Phantom Pain.

É uma opinião um pouco forte, mas o Metal Gear Solid 3 foi o último jogo que o Kojima soube desenvolver bem uma curva de aprendizado para o jogador entender de maneira fluida seus sistemas.

Metal Gear Solid 3 é um jogo que faz pensar, que trata de temas com um pé na realidade e que envolve política olha só. Há momentos carregados de drama e outros ridiculamente engraçados. No meio de toda essa experiência há alguns momentos muito criativos e que até hoje impressionam, e que faz a gente se questionar o porquê que iniciativas como essas serem tão raras nos videogames de grande orçamento.

Críticas a parte a escrita do Kojima e dentre outras escolhas que acaba tomando nos jogos que trabalha. Ele consegue misturar boas ideias com aprimoramentos tecnológicos que nos fornecem uma outra perspectiva dessa mídia, além de entregar reflexões diante de ações que executamos no controle. Não sendo nós meros soldados, cumprindo as ordens do jogo, mas, aproveitando as lacunas deixadas para pensar por outra perspectiva temáticas tão entranhadas na nossa história.

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Transcrições dos episódios do podcast Level Secreto.