Metroid Samus Returns — Level Secreto #88 (Transcrição)

Autor: Erick Oliveira

Level Secreto
8 min readNov 17, 2023

Metroid Samus Returns foi lançado em setembro de 2017 para o Nintendo 3DS. Esse é um remake oficial do Metroid II do Game Boy, criado pelo estúdio Mercury Steam, aquele mesmo que havia feito os três jogos de Castlevania: Lords Of Shadow. O Mirror Of Fate, que é o jogo 2D lançado para o 3DS, atraiu a atenção da Nintendo para que esse estúdio pudesse ser o responsável pelo retorno de um Metroid mais tradicional.

A Nintendo, no entanto, não deixaria de ter alguém para supervisionar o projeto, nesse caso, o produtor Yoshio Sakamoto, que trabalha na série desde seu primeiro jogo lá no NES. Foi dele que partiu a ideia de refazer o Metroid II, sendo que a Mercury Steam tinha a proposta inicial de um remake do Fusion. Esse desejo do Sakamoto vinha porque ele não trabalhou no título original do Game Boy. O outro motivo e, considerado o mais decisivo, era seu intuito de refazer um momento muito importante da franquia Metroid. Guardem essa informação que mais para frente retorno com isso.

A primeira coisa interessante de Samus Returns foi seu anúncio, pois foi em 2017, após uma Direct na E3 que a Nintendo apresentou o Metroid Prime 4, fora isso, havia o hype de um título brilhante que logo chegaria ao Switch que foi o Super Mario Odyssey. Diante desse cenário, a Treehouse, o evento que veio depois, seria um espaço para demonstrar gameplays de futuros jogos que todo mundo já sabia quais eram, somada a entrevistas com desenvolvedores.

Eis que surge, do nada, um novo Metroid em 2D.

Samus Returns seria lançado ainda no mesmo ano, e naquela Treehouse, bastante conteúdo de gameplay já estava sendo divulgado. O seu lançamento para o Nintendo 3DS se deve ao fato do console portátil ter uma base maior de consumidores na época, comparado ao Switch que tinha acabado de ser lançado.

Esse remake do segundo jogo da série seria o primeiro com gameplay em 2D a utilizar gráficos poligonais em 3D, o que deixa bem claro a mão da Mercury Steam em seu desenvolvimento. Isso já alteraria toda a dinâmica de gameplay, a fluidez dos movimentos da Samus.

Uma adição introduzida nesse jogo é a mira livre, em que o jogador pode direcionar o tiro em todas as direções, em 360 graus. Porém, essa mira dependia da personagem ficar parada. Nesse jogo, a Samus pode dar parry nos inimigos, ou seja, repelir seus golpes corpo a corpo, deixando-o vulnerável, geralmente dando a chance de um tiro mortal. Essa mecânica do parry é algo que veio do Mirror Of Fate, adicionando um combate alternativo a franquia Metroid. O jogador consegue repelir com sucesso reagindo no tempo certo a um ataque especial do inimigo, que se distingue por ter uma indicação sonora e visual bem aparente. Em batalhas contra chefes ou os estágios avançados dos metroids, utilizar o parry, além de oferecer uma vantagem, garante toda uma ceninha elaborada de ação.

Uma outra novidade aqui são as habilidades “Aeion”, que dependem de um medidor de energia para seu uso. Um exemplo que posso dar é uma habilidade de escanear o ambiente ao redor, descobrindo caminhos e itens ocultos. De maneira geral, o Samus Returns adiciona muitas novidades para gameplay 2D da franquia. Ao mesmo tempo, esses novos elementos acabam exigindo uma destreza maior do jogador nos controles, devido a exigência de um mapeamento mais complexo de botões para comportar todas essas novas ações.

Uma coisa que Metroid nunca teve e foi adicionado em Samus Returns foi o teleporte entre áreas, uma possibilidade de viagens rápidas para reduzir as idas e vindas pelos ambientes. A progressão ainda segue a lógica de eliminar um número determinado de metroids para desbloquear a próxima área. A quantidade completa para atingir tal objetivo é demonstrado por grandes selos feitos pela raça anciã dos Chozo.

A parte do level design segue o padrão que mencionei no episódio do Metroid II original e no seu remake não oficial. Há introdução de novos chefes, power ups que não haviam no jogo do Game Boy e eventos que incrementam o enredo.

Considero o Metroid II um estudo de caso intrigante para abordar a questão dos remakes nos videogames. Existe o título original para o Game Boy lançado em 1991, trazendo um tipo de progressão que dependia do extermínio dos metroids, trouxe inovações se adaptando as limitações do console. O jogo está longe de ser um dos mais queridos da série, porém, possui suas particularidades e entrega um senso de claustrofobia único dentro da própria franquia.

No intervalo de que 1 ano, nasceram duas adaptações dessa obra original, temos uma mesma aventura da Samus com dois pontos de vista: uma de fãs e outra de um supervisor que trabalhou desde sempre com Metroid, somado a um estúdio com experiência nesse subgênero.

A visão dos fãs é o Another Metroid 2 Remake. Dentro desse trabalho voluntário, que possui suas limitações, o argentino Milton Guasti buscou atualizar a experiência do Metroid II com a melhor referência até o momento que era o Zero Mission. O jogo contou com gráficos pixelados e a movimentação semelhante ao título do Game Boy Advance. No quesito enredo, aproveitou-se de o Fusion ter referências ao planeta SR388 para justamente servir de guia no aprofundamento do cenário desse remake, fora as outras referências utilizadas.

No Samus Returns, temos um claro impacto visual, na atualização dos gráficos com um jogo feito com modelos poligonais. A jogabilidade foi bastante influenciada pelas experiências de desenvolvimento anteriores da MercurySteam, sobretudo de Castlevania Mirror Of Fate.

Nós temos dois pontos de vista de visual, de aspectos de gameplay, que, consequentemente, traz as diferenças no level design, apesar de manter uma base do jogo original, seguindo a progressão guiada pelo seu principal objetivo.

Dito tudo isso, existe algo que realmente chama mais atenção na diferença entre esses dois jogos, algo além da forma, que vai além até mesmo do jeito que esses títulos induzem o senso de descoberta do jogador. Os três jogos se diferenciam no tom, que acaba influenciando a atmosfera dessas aventuras. Por esse motivo que utilizei a palavra adaptação anteriormente. O termo remake pode nos confundir, porque nos força uma impressão que a mudança da forma é que dita toda uma nova percepção do conteúdo, sobretudo na mídia dos videogames.

No começo desse podcast, pedi para guardarem a informação que Yoshio Sakamoto queria muito refazer um evento importante de Metroid II. Nesse instante vou falar dos desfechos do final do jogo, portanto, quem ainda tem o interesse de descobri-los por conta própria, fica o aviso de spoilers. Então, se quiserem jogar antes e voltar aqui em outro momento, fica aqui o convite, pois realmente é algo fundamental de se avaliar nesse jogo e até mesmo pode se tratar de uma opinião polêmica.

Bem, esse evento importante é o momento em que Samus, após cumprir seu objetivo, encontra um filhote de metroid que a vê como mãe. Ao invés da personagem eliminá-lo, como fez com todos de sua espécie, ela decide leva-lo consigo pacificamente. Há todo um trecho de gameplay que é a Samus seguindo um caminho, subindo a superfície de SR388 até a sua nave. Esse é um momento singelo, só é a Samus e o bebê metroid, sem aquela contagem regressiva do planeta explodindo, como é de padrão em outros jogos da série.

Esse evento é referenciado na introdução do Super Metroid, uma atitude da Samus que gera consequências de toda a trama do título mais importante da franquia. Claro que uma das maiores expectativas de um eventual remake de Metroid II seria experimentar novamente esse momento, com uma atualização na sua forma. A maneira que AM2R e Samus Returns adaptam esse acontecimento é a principal diferença entre essas duas adaptações, na qual, é possível a partir disso, termos uma compreensão até mais clara da visão do todo na elaboração dessas obras.

O Another Metroid 2 Remake conserva esse momento tão singelo da Samus e o bebê metroid saindo de SR388. Já no jogo do Nintendo 3DS, houve uma grande transformação. Primeiramente, esse percurso final está repleto de inimigos no caminho Samus, quebrando todo o clima de calmaria da obra original, do foco dessa nova relação recém estabelecida. Mas, tudo vira de ponta cabeça quando Samus e o bebê metroid chegam a nave para saírem do planeta, pois surge ninguém mais, ninguém menos, que Ridley, o arqui-inimigo da personagem.

Para ser justo, essa batalha final é muito boa de se jogar, dito por uma parte dos fãs como o melhor último chefe da franquia. Só que, na boa, essa ação toda acaba destruindo por completo o que considero a melhor coisa do, talvez, momento mais emblemático de toda a série Metroid.

No fim da minha experiência com Samus Returns, veio uma decepção muito grande. Ficou a impressão de que apostar no mais intenso, na busca de uma coisa épica, do jogo ter mais conteúdo, de contar com um fator surpresa, seria sinônimo de melhorar o Metroid II.

Na distinção que fiz anteriormente, enquanto forma, o Samus Returns é, sem dúvida, o melhor remake como produto videogame, mas, enquanto adaptação, é realmente uma outra coisa, um jogo novo da série.

O mais engraçado é que a recriação desse momento foi o gatilho do Yoshio Sakamoto decidir refazer Metroid II, e quem no fim deu o pitaco decisivo nisso foi a MercurySteam. A ideia de inserir o Ridley partiu do estúdio. Mas, o Sakamoto não era o supervisor? Então, ele achou bacana, porque isso iria agradar os fãs, seria algo mais dramático para encerrar o jogo.

Na compreensão geral na elaboração dessa obra, a gente vê a influência da visão da MercurySteam, intensificando a ação nos jogos da franquia, algo visto ainda mais forte no Metroid Dread. Por um lado, isso favoreceu a visão da Samus como uma heroína forte, não só em descrições da sua personalidade, mas na demonstração concreta de suas ações nas cutscenes presentes nesses dois novos jogos. A batalha final contra Ridley é um exemplo forte disso.

O meu ponto é que mecânicas constroem o que a gente vê de um personagem, do que um jogo quer dizer. No final original de Metroid II, somos forçados a abdicar do extermínio, a Samus se ausenta dos verbos que tanto utilizamos ao apertar os botões ao longo do jogo, nos mostrando um outro lado da personagem.

Isso vai além até da própria Samus, pois temos contato com um outro lado do universo da franquia, da possibilidade de nos trazer novas camadas de compreensão do que estava previamente estabelecido, como enxergar que os metroids podem ser mais que uma arma de destruição intergaláctica.

Metroid Samus Returns nos ensina que o trabalho da forma em uma adaptação pode ampliar a visão que temos no conteúdo da obra. Só que, ao mesmo tempo, pode nos ajudar a valorizar ainda mais o que foi feito no passado. A lição se dá no entendimento de que não é necessariamente inserir mais e mais o que torna algo mais importante. Às vezes, o atrativo pode vir da lógica contrária, de retirar o que causa ruído da mensagem, para deixar o que é relevante da essência de uma franquia tão importante dos videogames que é Metroid.

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Transcrições dos episódios do podcast Level Secreto.