Resident Evil 7 — Level Secreto #97 (Transcrição)

Autor: Erick Oliveira

Level Secreto
7 min readJan 19, 2024

Resident Evil 7 foi lançado em janeiro de 2017 para PC, Playstation 4 e Xbox One. Oficialmente conta com o subtítulo de “Biohazard”, o nome da série no Japão. Trata-se de uma nova fase da franquia, com a mudança clara de uma perspectiva de jogo, uma gameplay de visão em primeira pessoa e a trama que aparenta ser bem alheia a tudo já estabelecido em Resident Evil, na qual assumimos o papel de um novo personagem: Ethan Winters.

Mudar Resident Evil, para uma experiência em primeira pessoa, já estava nos planos no início de seu desenvolvimento. A tentativa de produzir um jogo em realidade virtual, durante esse processo, auxiliou a equipe na definição de algumas ideias, sobretudo na parte técnica que em consequência tem relação com a criação do motor gráfico RE Engine, o qual a Capcom atualmente adota a praticamente todos os seus projetos.

Em 2015, uma demo em VR foi apresentada, chamada de “Kitchen”, com um tema de terror em primeira pessoa. Esse jogo experimental estava pairando no ar, mas, era algo que chamava mais atenção por indicar que a Capcom pretendia investir nesse mercado.

Na E3 de 2016, na conferência da Sony, Kitchen surgiu em um trailer, quando de repente, no final, a verdade era que se tratava de um novo Resident Evil, com o número 7 bem disfarçado esse tempo todo. Com certeza esse é um dos anúncios mais surpreendentes da história dos videogames.

Resident Evil 7 logo de início já demonstrou recuar na ação, ou seja, foi uma tentativa da série de trazer um cenário mais contido, que havia se expandido muito num escopo global de armas biológicas, principalmente no 6. O novo título se passa em uma casa abandonada no ambiente pantanoso da Louisiana, o jogador assume o personagem Ethan que está em busca de sua esposa Mia, desaparecida por três anos.

Com esse escopo mais condensado, o terror voltou a dar seu ar de graça, e a perspectiva em primeira pessoa auxiliaria ainda mais esse tom. Claramente existe uma certa inspiração da série nas tendências contemporâneas dos jogos de horror, sobretudo, o cenário independente que foi responsável, no começo de sua década, a praticamente resgatar o prestígio desse gênero, que havia sido relegado nos anos anteriores. Sendo que a própria franquia Resident Evil havia partido para uma vertente mais de ação, graças ao sucesso e impacto cultural do 4.

Mas focando na trama agora, Ethan explora uma casa misteriosa e encontra Mia presa no porão. Ela está toda tensa, mesmo com a possibilidade de ser resgatada naquele momento. De repente, Mia enlouquece e ataca Ethan, que é forçado a matá-la. No entanto, ela revive e simplesmente corta a mão esquerda do nosso personagem com uma motosserra. O lance é que o jogador pode pegar essa mão como se fosse um item. No fim, é um negócio que escalona a uma situação absurda e ao mesmo tem um teor nonsense, que para alguns, no meu caso inclusive, chega a ser cômico.

É curioso que o começo de Resident Evil 7 é atmosférico, tem uma tensão no ar, tudo muito sério. Aí nesse momento o jogo meio que fala “então gente, isso aqui é um videogame”, e Resident Evil também nos lembra que em seu DNA tem uma galhofa, que não é para gente levar as coisas tão a sério, situações absurdas como essa são parte dessa franquia.

Esse trecho da casa abandonada, que tem semelhanças com a demo lançado no ano anterior, é toda uma parte de tutorial, e lidar com a Mia é a forma do jogo ir apresentando as mecânicas e ensinando essa nova forma de lidar com ameaças. No fim, Ethan dá um jeito em sua esposa, e quando está prestes a sair do local, um homem misterioso surge e o derruba no chão, deixando-o desacordado.

Esta pessoa é Jack Baker, patriarca de uma família bizarra que Ethan se depara após recobrar a consciência. O jogador testemunha um jantar bastante nojento e a relação bisonha entre os membros dessa família: pai, mãe, filho e a avó imóvel. Obviamente, tratando-se de Resident Evil, não estamos lidando com pessoas normais. A mão esquerda de Ethan voltou a seu lugar, mas ao mesmo tempo, essa família judia do personagem fisicamente, e nós, enquanto jogadores, sentimos essa imposição de força, principalmente da figura do Jack.

O som do telefone leva esses membros da família se retirarem da mesa, com a exceção da avó “paradona”, que o jogador encontra ao longo do jogo, gerando um questionamento o que essa senhora tem a esconder. Mas enfim, o Ethan se liberta e aqui começamos Resident Evil 7 de fato.

A câmera em primeira pessoa muda claro a relação com espaço, objetos interativos, o combate em si, adicionando um fator de furtividade não tão comum antes. Ainda assim, com essa novidade, o momento inicial de Resident Evil 7 faz lembrar os primeiros passos dentro da mansão Spencer, os momentos iniciais da franquia.

Com o escopo contido, os fãs mais antigos puderam reviver aquilo, que considero ser a melhor característica de Resident Evil: explorar um cenário e descobrir os caminhos, enquanto se está com medo do que pode surgir de ameaça na próxima porta ou no virar de um corredor. Essa alternância de se mover pela curiosidade e se paralisar pelo medo é a síntese de jogar um Resident Evil.

Logo nos deparamos com uma experiência de jogo familiar, coletamos itens, percebemos a presença de um inventário limitado, que podemos gerenciar com o auxílio de caixas que podemos armazenar o que sobrar. Essas caixas que estão presentes em salas seguras onde podemos salvar o progresso, nesse ambiente os inimigos não podem entrar.

Outras características recorrentes é a possibilidade de combinar itens, a presença da boa e velha erva que restaura a vida, chaves que abrem portas específicas e também os quebra-cabeças que envolvem umas engenharias malucas. Ethan também pode encontrar fitas VHS, colocando-as em aparelhos de videocassete, é possível jogar um evento do passado que foi filmado. Embora opcionais, essas fitas fornecem informações sobre a história e podem revelar soluções de quebra-cabeças.

Resident Evil 7 é divido em alguns trechos, partindo da casa dos Bakers a imediações no entorno. Na primeira parte, o Jack é o único inimigo presente, perseguindo o jogador sempre que é visto. Apesar de aparentar ser uma pessoa, ele é praticamente indestrutível, portanto, percebe-se que o mais recomendável é evita-lo, ir descobrindo as coisas a partir da exploração, até um ponto em que o jogo te força a enfrenta-lo.

O jogo tem uns inimigos menores, mas a família Baker e seus membros consistem nos principais inimigos durante jogo, o desafio que oferecem vai além de em certo ponto enfrenta-los em combate. Resident Evil 7 vai revelando alguns de seus mistérios, passando a se conectar com as tramas envolvendo armas biológicas, sendo que fim há uma pequena pista de como se encaixa no panorama geral da série.

Há uma impressão de que o jogo, a partir de uma parte perto do fim, perde bastante o seu brilho, porém, o fato de ser uma campanha curta ajuda a atenuar essa sensação. Os títulos de Resident Evil de maneira geral nos oferecem camadas de apreciação. No primeiro contato, ficamos tensos, nos envolvemos com a trama e seus mistérios. Quando zeramos, esses jogos nos oferecem oportunidade de brincar com os diversos elementos que são oferecidos, zerando em menos tempo, com condições especiais. Resident Evil costuma ser esse produto que podemos degustar de diferentes formas. Por ser bem executado, entregar uma nova história e trazer de volta uma experiência que remete as origens, realmente a franquia voltaria com tudo em 2017, o que foi o início de uma nova era gloriosa da série, quanto para a própria Capcom.

O jogo foi o primeiro que utilizou a RE Engine, o motor gráfico desenvolvido para Resident Evil 7 que passou a ser a base dos títulos da Capcom dali em diante. A RE Engine é também um dos símbolos que marcaram esse novo período glorioso da empresa, por ser um motor que não só entrega jogos bonitos e apurados graficamente, mas que é versátil, presente em diferentes tipos de experiência, passeando de um Resident Evil para Devil May Cry 5 e Street Fighter VI. O caso de Monster Hunter Rise foi notável pela Capcom conseguir usufruir as qualidades desse motor num dispositivo menos potente que é Switch. Além disso, coletânea de jogos antigos quanto versões refeitas de Ghosts ‘n Goblins e Ghost Trick, todas as produções da Capcom estão migrando para essa tecnologia proprietária da empresa. De certa forma, o sucesso da RE Engine pode se classificado como um dos legados de Resident Evil 7.

Esse ano de 2017 ficou conhecido como o retorno de grandes obras japonesas na indústria dos videogames. A Capcom realmente havia passado por uns mal bocados, tentou lançar títulos para atrair um público ocidental, ainda tentando se encontrar na sétima geração de consoles. Foi alvo de muita crítica dos jogadores por práticas controversas, como colocar o final verdadeiro de um jogo na sua DLC, paga fora a parte. Com isso, a empresa chegou no ponto de depender de parceria para dar vida a um projeto, como no caso do Street Fighter V, que não um dos mais queridos assim da série.

Diante de todo esse contexto, Resident Evil 7 foi um ato de coragem, pois a própria série estava meio desacreditada, não só pelos títulos principais que desagradaram boa parte de seu público, como também alguns spin-offs tenebrosos. A perspectiva de primeira pessoa adotada em Resident Evil 7 ainda é alvo de críticas por alguns fãs, como é o caso do Village também. No entanto, arriscar, utilizar de referências vigentes no seu gênero e voltar as origens, foi o que fez esse jogo não só ser bem sucedido, como foi o ponto de uma nova era gloriosa para uma empresa tão querida quanto é a Capcom.

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Transcrições dos episódios do podcast Level Secreto.