Silent Hill 3 — Level Secreto #89 (Transcrição)

Autor: Erick Oliveira

Level Secreto
7 min readNov 24, 2023

Silent Hill 3 foi lançado para o Playstation 2, de maio a agosto de 2003 em diferentes regiões do mundo. Esse é o jogo que dá sequência aos eventos do primeiro Silent Hill, algo que nem sempre foi a intenção dos desenvolvedores. Havia um desejo de uma parte fãs por respostas em relação a algumas pontas soltas do jogo do Playstation 1.

É importante ser bem claro ao falar que Silent Hill 3 foi um projeto inconstante até sua entrega final. Essa questão de ser uma sequência não era muito bem acordada com alguns desenvolvedores. O projeto inicial era ser um rail shooter, aqueles jogos que o personagem se move sozinho por um cenário e o trabalho do jogador é mais mirar e atirar nos inimigos, tentando evitar danos.

Essa intenção vinha das poucas vendas iniciais de Silent Hill 2 no Japão, como críticas que o jogo sofria por lá. Segundo o Masahiro Ito, o notável artista da série, essa troca de planos desperdiçou um tempo considerável do desenvolvimento de Silent Hill 3, também levando parte do orçamento destinado ao projeto. Mesmo assim, o jogo tem uma melhora no aspecto tecnológico comparado ao segundo, no nível de detalhamento dos cenários e modelos dos personagens. Hoje em dia é até engraçado pensar o fato de um produto com tanto cuidado ter o nome da Konami por trás.

Silent Hill 3 se passa dezessete anos após o primeiro jogo. No desfecho daquele enredo, Harry Mason recebeu um bebê que passou a cuidar como uma filha. Agora ela se tornou uma adolescente chamada de Heather, a protagonista de Silent Hill 3.

Iniciamos o jogo em um pesadelo, em um parque de diversões macabro. Esse trecho inicial encerra com a morte da garota em uma montanha russa, o momento em que Heather acorda numa lanchonete. Ela está em um shopping e quando decide ir embora, um homem chamado Douglas a aborda. Ele é um detetive particular que alega ter informações sobre seu passado. Diante dessa situação, Heather dá um jeito de despistá-lo e se depara com o shopping vazio, até o momento de começar a ser ameaçada por monstros estranhos. Logo no primeiro encontro, ela já consegue ter uma arma para se defender, em meio ao pavor daquele perigo.

Outra pessoa que a garota se encontra é Claudia Wolf, uma mulher misteriosa que afirma que Heather será fundamental para trazer o paraíso a terra. No final dessa cena, Heather desmaia, e pouco depois de acordar, ela entra no Otherworld, o mundo alternativo, uma versão tenebrosa daquele shopping.

A premissa de trama é a Heather ser esse alvo da Ordem, o culto de Silent Hill. Ela tem o papel de dar à luz ao deus dessa crença, um processo que foi interrompido no primeiro jogo, quando a garota para essa tarefa era a personagem Alessa.

Para simplificar as coisas para quem não jogou, na história do Silent Hill, o objetivo do Harry Mason é procurar sua filha desaparecida Cheryl, que seria uma parte separada da alma de Alessa. Ela fez a divisão da sua alma na intenção de evitar esse objetivo do culto. Depois do desfecho do jogo, o bebê que Harry recebe é uma nova versão da Alessa e Cheryl combinadas, mas que passaria ter uma nova consciência, uma nova vida.

Harry cuidou dessa filha sabendo que ela cresceria com um potencial perigo: os membros restantes da Ordem quererem novamente fazer esse plano de trazer esse deus. Harry fez de tudo para deixar a sua filha mais distante possível, principalmente, da figura da Alessa. Por isso mesmo que a Heather tem um visual diferente, cabelo curto e pintado, fora o seu nome que foi alterado.

Voltando a trama de Silent Hill 3, o personagem Douglas é um detetive contratado pelo culto para descobrir essa tal nova versão da Alessa. No entanto, tem algumas coisas que ele não está ciente, sobretudo, da parte sobrenatural dessa história.

Douglas acaba se tornando um aliado de Heather ao longo de trama, especialmente após um momento trágico que ocorre com ela. Nessa parte do podcast vou dar um spoiler importante, só que ele dá o direcionamento para essa história. Então deixo aqui esse aviso.

Ao voltar para casa, a garota vê seu pai morto, sendo assassinado pela Ordem. A partir desse acontecimento, a protagonista decide ir à cidade de Silent Hill em busca de vingança contra Claudia e resolver essa história de uma vez por todas.

Silent Hill 3 tem mudanças bem sutis de gameplay comparado ao seu antecessor, fator esse que começou a gerar críticas em relação a falta de inovação. Torna-se importante considerar o que apontei do processo de desenvolvimento desse título. A grande questão é a tal da perspectiva da época. Silent Hill foi impacto e tanto, o surgimento de uma franquia nova que traz um terror psicológico, portanto, existe todo aquele choque. Depois disso veio o segundo que trouxe um enredo diferente, algo mais introspectivo que toca em temas bem maduros, somado ao salto gráfico da passagem do Playstation 1 para o 2.

Diante desse cenário, como que o Silent Hill 3 iria superar o impacto que seu antecessor causou? Nós temos inúmeros exemplos de boas obras que foram vítimas da responsabilidade, digamos, que um antecessor deixou. Isso não só nos videogames. Basta notar como que se observa a franquia Silent Hill como um todo, o 3 pertencente a esse pódio, considerado o último dos bons. E há também a ideia do 3 como o começo do declínio da série, pois Silent Hill, a partir desse ponto, passou a ser gerado como um produto atrás do outro e menos como fruto da criatividade irrestrita dos seus desenvolvedores.

O que esses pensamentos geram é a opinião de que Silent Hill 3, por si só, não contava mais com o mesmo cuidado ao trabalhar seu enredo, de o simbolismo não ser tão presente quanto os dois primeiros. Isso é uma opinião que considero equivocada e é fruto daquilo que falei, da influencia de uma perspectiva da crescente que a série vinha tendo. Como esperar que uma sequência possa trazer mais e melhor algo que tá em aspectos tão subjetivos?

O lance que influencia a desvalorização de Silent Hill 3 vai muito do fato dele ser uma sequência direta. O que era oculto no primeiro jogo, aquela coisa que causava tensão do desconhecido e que ainda ficou sem respostas, aqui no terceiro fica tudo muito as claras. O Silent Hill 3 procura esclarecer sobre a Ordem, sobre a história desse culto. Portanto, a jornada de Heather, por mais que tenha os elementos de tensão da série, soa muito mais direta que os dois títulos anteriores, com menos ocultismo, para trazer um termo que combine com Silent Hill 1.

É nessa racionalização que consigo colocar em palavras o que me faz gostar menos da jornada da Heather em comparação aos dois primeiros jogos. Fora o fator de ser o terceiro né? Entrando no argumento, aquela questão de o impacto ir se diluindo a cada lançamento. Outra coisa que pessoalmente não encaro com o mesmo encanto são os monstros aqui, os significados não são encaixados a temática com o mesmo brilhantismo, até o visual de alguns soa meio estranho. Muito desse fator se deve a algumas teorias ainda não estarem tão estabelecidas até hoje. Mesmo assim, não sou da opinião de que os monstros aqui são simplesmente largados por motivo nenhum.

O terror continua perturbador como os antecessores, digo até que o Otherworld é o mais tenebroso de todos, com uma ambientação que aprimorou o que foi feito no primeiro jogo. Há algumas cenas que são memoráveis e capazes de deixar qualquer um perplexo. Para quem jogou, basta lembrar da sala do espelho. Um momento tenso, confuso e que é brilhante porque o jogador está no controle, não é uma cutscene, ou seja, há a sensação de você não poder fazer nada para se livrar dessa situação desconfortável.

Silent Hill 3 aprofunda nosso entendimento sobre a Ordem, a visão religiosa que esse culto possui. Muito que se tem da lore que serve para toda franquia vem desse jogo. Interessante notar como funciona o sincretismo nessa crença, notar como as divindades se tornaram demônios pela influencia do cristianismo na região.

Silent Hill 3 tem esse aparente embate entre Heather e Cláudia, mas fala em seu subtexto sobre o amadurecimento feminino, entrando em alguns de seus traumas. A Heather é uma adolescente, e quando joguei pela primeira vez, ficava ansioso só de pensar como essa menina vai conseguir lidar com acontecimentos nesse nível que Silent Hill tem.

A série tem esse padrão de nos colocar em personagens despreparados para aquela situação, mas, o terceiro vai um pouco além disso. O jogo demonstra como é aterrorizante lidar com algumas situações sendo uma adolescente. Isso vai de uma alegoria clara de uma gravidez indesejada, com diversas referências a genitálias femininas, partindo para algo mais assustador que é o perigo de estar rodeada de predadores, manipuladores e stalkers, como são alguns personagens masculinos no jogo.

Esse é todo um subtexto que, para qualquer homem, pode ser lido com mais dificuldade, não é um medo que a gente passa na pele. A franquia Silent Hill tem esse poder de subverter a lógica do monstro ser a principal ameaça, quando demonstra como aspectos psicológicos criam os pesadelos que enfrentamos. Aqui no terceiro jogo, há uma tensão, não do sobrenatural, mas, o simples fato de assumirmos o papel de uma garota solitária andando por aí.

A Heather está tentando quebrar o ciclo que a colocaram. Ela não sabe em quem confiar e se sente sozinha, assim, sendo forçada a amadurecer rapidamente para lidar com essa situação.

O que acabei de falar soa tão familiar que é possível encarar tal situação sem precisar do contexto de uma realidade alternativa, de monstros perturbadores ou cenários distorcidos. Silent Hill 3 pode ser lido como a tentativa de uma mulher, desde cedo, tentando ter uma vida sem medo.

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Transcrições dos episódios do podcast Level Secreto.