Siren: Blood Curse — Level Secreto #71

Roteiro: Erick Oliveira

Level Secreto
6 min readMay 27, 2023

Siren Blood Curse foi lançado em julho de 2008 para Playstation 3. Uma coisa curiosa é que no Estados Unidos o jogo era vendido separado em capítulos, apenas digitalmente na PS Store. Versões físicas desse título só existem na Europa e na Ásia, sendo que no Japão possui outro subtítulo, que é New Translation.

De maneira geral, Siren é uma série de três jogos, sendo Blood Curse o terceiro e último. São títulos desenvolvidos pelo Project Siren, estúdio de dentro da Sony, que foi composto por pessoas do time que fez o primeiro Silent Hill em 1999, em especial o diretor Keiichiro Toyama.

(verificar que Team Silent surgiu no desenvolvimento de Silent Hill 2)

O primeiro Siren foi lançado em 2003 para o Playstation 2, e o segundo em 2007 também para esse console, porém, exclusivamente na Europa, Ásia e Austrália, e o fato disso se deve a recepção não muito boa que o primeiro Siren teve nos Estados Unidos. Essa particularidade do 2 é um indicio que ajuda a explicar porque o lançamento do Blood Curse é essa confusão toda.

Esse Siren é uma reimaginação do primeiro título do Playstation 2, mudando alguns aspectos de seu enredo, sobretudo, a presença de personagens ocidentais para, de certa forma, transmitir uma experiência mais cativante para o público norte americano. O Blood Curse realmente foi um projeto voltado para o ocidente.

A história se trata de uma equipe de televisão estadunidense que foi ao Japão para investigar e documentar a lenda de Hanuda, uma vila que desapareceu. Há relatos de que sacrifícios humanos aconteciam trinta anos atrás no local. No começo o jogo apresenta um ar de found footage, de gravações supostamente reais de um ritual sinistro.

O fato é que existe uma religião nessa vila conhecida como Mana, que cultua um deus chamado Kaiko. A interferência desse ser fez com que a vila de Hanuda fosse separada do mundo exterior, tanto no acesso físico quanto em comunicação. Ao longo da trama, o objetivo principal dos personagens é encontrar um jeito de sair desse lugar.

O grande desafio do jogador ao longo de Siren é lidar com os shibitos, que são os inimigos do jogo. Eles são cadáveres reanimados dos moradores da vila. Ao invés de serem zumbis mais tradicionais que a gente conhece, eles são dotados de inteligência e personalidade. O jogador não pode mata-los, os shibitos sempre vão reanimar em algum momento. Visualmente, eles são pessoas que tão manchas de sangue em seu corpo e vestimentas, sobretudo, lágrimas escorridas de seus olhos. Eles possuem movimentos estranhos, algo que dá essa sensação de serem mortos reanimados. No decorrer dos eventos, vão aparecendo formas evoluídas dos shibitos, tornando-se mais perigosos e bizarros.

Nos jogos da série Siren, o enredo é repartido em fases, onde cada uma consiste em um trecho de gameplay com um dos personagens, com o jogador tendo que cumprir um objetivo em uma área da vila. Algumas dessas fases podem ser bem simples e rápidas e outras mais longas e desafiadoras. A versão que joguei foi a digital, norte americana dividida em episódios, e aí a narrativa meio que trabalha como uma série de TV.

Além dos personagens ocidentais, o jogador pode controlar alguns japoneses. As pessoas da equipe de televisão tem são personagens desagradáveis, uma atuação que causa uma irritação pela maneira deles se expressarem de modo exagerado, além de comportamentos burros, algo que ao meu ver parece proposital mesmo, devido a clichês de filmes de terror.

Os personagens ocidentais falam em inglês e os locais falam em japonês, em alguns momentos a falta de compreensão da língua gera situações que elevam a tensão.

Uma mecânica marcante da série Siren como um todo é poder olhar através da visão dos shibitos, de poder alternar a sua perspectiva em terceira pessoa com o que eles enxergam, em primeira pessoa. Com isso, você consegue ter noção de onde eles estão, como se movimentam pelo cenário e a partir daí, traçar as melhores estratégias para passar sorrateiramente pela área.

No Blood Curse, a tela se divide no meio, o jogo dá ao mesmo tempo a visão do personagem que o jogador controla e a do shibito. Essa mecânica traz uma vantagem, ainda mais perante o fato de os inimigos serem praticamente imortais. Porém, também ajuda a elevar a tensão, porque se ouve a voz dos shibitos, seja uma conversa entre eles ou falando com você enquanto procura seu personagem, em uma situação que já o avistou uma vez. São vozes em japonês distorcidas, é muito tenso esse momento de estar ouvindo essas falas com a visão da perspectiva deles.

Outra coisa que é formidável no terror de Siren, é o simples fato do jogador não poder mexer a câmera livremente. Trata-se de um título em terceira pessoa, mas você está todo tempo vendo por detrás do personagem. Dito isso, não é possível antever uma ameaça virando a câmera antes de dobrar para um corredor.

O trabalho de ambientação é brilhante, a composição dos cenários, as casas e estabelecimentos abandonados. Em certos momentos, senti que tava em um conto do H.P. Lovecraft ou numa página de mangá do Junji Ito, tamanha a imersão que o jogo conseguia induzir.

O trabalho de iluminação é muito bem empregado e casa com as expressões faciais bizarras dos shibitos. Por falar nisso, em Blood Curse, a captura de rostos é melhor trabalhada que nos Siren anteriores, que tinha uma técnica meio fotorrealista, mas, gerava aquele tal do vale da estranheza. Isso poderia ser positivo para reforçar o quão bizarro é a ameaça dos shibitos, mas era meio tosco, principalmente no Siren 2 que abusou dessa técnica visual para criar umas criaturas inexplicáveis, no sentido bisonho da palavra.

Como de costume nesses jogos, a gameplay é truncada de forma proposital, para elevar a tensão. Diante disso, o combate é prejudicado, tanto com armas brancas quanto de fogo. Só que quando o jogador pega o macete no combate corpo a corpo, uma barra ferro torna o personagem invencível, o shibito não tem a menor chance de reagir aos golpes. Quando entendi isso, as fases mais tensas eram as que realmente não havia a possibilidade de ter qualquer arma.

Esse fator é algo que pode prejudicar a imersão no terror para alguns, e, infelizmente, é algo que deixa a gameplay desbalanceada. Nisso que entra o fator mais traiçoeiro desse Siren, pois perto do fim, num determinado trecho, o jogo escala muito em dificuldade, tornando-se uma das experiências mais frustrantes que já tive em um título desse gênero.

Siren Blood Curse foi o último jogo da série, tive uma sorte imensa de ainda ter tido tempo de compra-lo e poder jogá-lo em um Playstation 3. Como joguei pouco o primeiro Siren, foi então nesse que senti o peso da direção do Toyama e de seus colegas. O fator de tensão que ele empregou nesses três jogos, uma atmosfera de terror pesadíssima, fez com que eu conseguisse discernir com mais clareza o que torna o primeiro Silent Hill tão diferente dos que vieram depois. E é curioso que esse estúdio depois veio a produzir a série Gravity Rush, que é uma outra pegada e infelizmente até hoje não pude jogar nenhum dos dois títulos.

A série Siren sofreu muito com a crise que os jogos de terror tiveram no final da década dos anos 2000, quando Resident Evil se tornou mais ação depois do 4, que a Konami terceirizou a produção dos Silent Hill após o 4. Mesmo que o gênero de terror tenha ressurgido após a contribuição de jogos independentes, em especial o Amnesia The Dark Descent, a questão do Siren vai além de um período de tempo que as coisas não davam tão certo como hoje talvez pudesse dar.

O Playstation 3 serviu para a Sony estabelecer algumas de suas franquias mais populares, mas também foi palco de algumas tentativas que não vingaram. E passado o tempo, a empresa tomou a decisão de encerrar a Japan Studio que era esse guarda chuva que abrigava esses projetos mais autorais de produções japonesas.

Em setembro de 2020, Keiichiro Toyama fundou a Bokeh Game Studio, revelando seus planos de voltar a dirigir um jogo de terror. Na Game Awards de 2021 foi revelado o Slitterhead, que só de observar o trailer dá para notar a identidade das obras anteriores de Toyama, o que obviamente é a série Siren. Então, assim como um shibito que vive de sua maneira particular, de alguma forma, a identidade de Siren vai continuar existindo.

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Transcrições dos episódios do podcast Level Secreto.