The Last Of Us Part II — Level Secreto #77 (Transcrição)

Autor: Erick Oliveira

Level Secreto
9 min readAug 5, 2023

The Last Of Us Parte 2 foi lançado em junho de 2020 para Playstation 4. É um jogo que impactou bastante o público, um produto que demonstra um pouco mais do poder transmidiático dos videogames. Uma obra tão cheia de qualidades e contradições que, até hoje, passando anos de seu lançamento, ainda é difícil qualquer avaliação plenamente racional de seu conteúdo, sobretudo, as pessoas que haviam se envolvido tanto com primeiro jogo.

O Neil Druckmann e a Naughty Dog tinham um desafio complicado pelo fato de The Last Of Us Parte 2 ser uma sequência da história de Joel e Ellie. Eu faço parte de um grupo que considera o final do primeiro jogo brilhante, um dos melhores dos videogames, e que se fecha por si só. Diante disso vinha a desconfiança do que seria feito a partir daquele dilema tão memorável, e que havia sido desenvolvido com tanto cuidado.

Na parte tecnológica e de gameplay, The Last Of Us Part 2 foi uma evolução do primeiro. A Ellie tem uma mobilidade melhor que o Joel, aqui o jogador pode desviar de golpes e isso por si só já oferece uma nova dinâmica, além do uso de armas de fogo ter melhorado. A aparência inicial é de um jogo de tiro em terceira pessoa convencional, mas sua complexidade vai muito além, há camadas de gameplay para quem se interessou em experimentá-las. Combinado a isso está o level design que ajuda a subverter conceitos que eram comuns na geração anterior de consoles.

O jogo traz algumas ideias curiosas, como no começo, em que The Last Of Us Part 2 permite o jogador explorar uma área aberta, contando até com um mapa. Esse é um momento único durante a campanha e por mais simples que pareça, alguns cantos escondem momentos inesquecíveis para essa trama.

Por mais o título se mantenha como uma jornada linear, são mais variadas as possibilidades de explorar um ambiente, de traçar estratégias para lidar com os inimigos, que possuem uma melhora na inteligência artificial, seja humano ou infectado.

O jogador consegue performar melhor, e todos os pequenos empecilhos de gameplay que se reclama até hoje no primeiro The Last Of Us, aqui soa como se a Naughty Dog tivesse alcançado a “perfeição”. Só que custo dos mínimos detalhes que abrilhantam essa experiência, foi a custo de um trabalho muito exaustivo, é importante lembrar isso.

Perfeição também é o modo de vida que nos é apresentado da comunidade de Jackson, um lugar que consegue sobreviver de modo saudável no meio do apocalipse. Joel e Ellie parecem possuir uma vida mais próxima de uma normalidade como conhecemos. Mas logo percebemos que a relação entre os dois está diferente, há um distanciamento.

O jogador é introduzido a todo aquele novo cenário, até que de repente, passa a assumir uma nova e misteriosa personagem: a Abby. Ela está naquela região com seu grupo, por um motivo desconhecido a princípio. Mas, logo depois, acaba se separando e entrando em uma enrascada com infectados e uma nevasca.

Joel e seu irmão Tommy topam com ela e a ajudam, partindo dali na busca de um local seguro. Nisso, chegam ao abrigo que está o grupo de Abby, por sugestão da mesma. Quando a identidade de Joel é revelada, os dois são atacados.

O jogador passa a assumir Ellie, que parte na busca do desaparecimento de Joel e Tommy. Quando ela chega no local determinado, acaba testemunhando a cena de Abby matando Joel violentamente, enquanto está sendo imobilizada por outras pessoas desse grupo, até que leva um golpe que a deixa desacordada.

Esse é o gatilho que inicia a espiral de violência que é The Last Of Us Part 2.

Tommy, que havia sobrevivido, parte para Seattle no objetivo de caçar Abby. Ellie e Dina, a moça que ela está começando um relacionamento, partem em seguida.

O jogador descobre que em Seattle há uma guerra entre duas facções que visam o controle da cidade. Tem o WLF, um grupo militar que a Abby tem vínculo e tem o Serafitas que funciona como um culto religioso. No meio de tudo isso, está a Ellie querendo se vingar da morte de Joel, disposta a passar por todos em sua frente.

No primeiro The Last Of Us, o percurso era o Joel levando a Ellie para uma cura da infecção do fungo cordyceps. Nessa jornada, o Joel vai amolecendo seu coração aos poucos, enquanto a Ellie vai conhecendo o mundo. Cada pessoa que encontram, que compartilham sua história com o jogador é uma face dessa realidade, mostrando o meio que lidaram com o apocalipse.

Os aprendizados, por mais dolorosos que sejam, ao longo das quatro estações que se passam o jogo, ajudam a desenvolver a dupla. Chegando na sua resolução, há uma escolha questionável do Joel que, no fim, tem sentido diante dos dois personagens e sua jornada como um todo, ao mesmo tempo que abre margem para debates.

No caso de The Last Of Us Parte 2, o percurso é a vingança da Ellie, cada história no decorrer do jogo deixa aparente um caminho que a personagem está entrando, e que no seu clímax trará consequências graves.

Só que o tal desfecho é interrompido, e o jogador passa ver o outro lado da história, que é a da Abby. A narrativa vai revelando os dias se passaram após ter matado o Joel, só que a agora na perspectiva da “vilã”, e isso praticamente dobra o tempo de campanha.

Essa subversão pode implicar que empatia é a palavra chave de The Last Of Us Parte 2. Mas para mim, enquanto jogava, tanto fez como tanto faz o que jogo passaria a comunicar a partir dali sabe?

Pois a Abby tinha um motivo claro para matar o Joel. Ele nunca ocupou essa figura de herói em The Last Of Us. A morte do Joel é um acerto de contas pela sua história passada, algo que poderia acontecer pelas mãos de outras pessoas naquele mundo.

Portanto, nunca existiu um ódio pela Abby. A minha motivação maior na primeira parte do jogo era de estar curioso sobre essa visão que eles tinham da temática que estavam trabalhando. Além de esperar, através dos flashbacks, quando que a Ellie passou a se distanciar de Joel.

Quando percebi que The Last Of Us Parte 2 queria me mostrar todo percurso sofrido da Abby, para eu simpatizar minimamente com ela, tudo pareceu tão desgastante, e não pelos ciclos de violência se perpetuando, mas, porque tudo aquilo ficou maçante por sua redundância. O que me movia era a gameplay competente, de ver o que a Abby fazia de diferente comparada a Ellie, e, na força de compensar o dinheiro gasto no jogo, saber o final dessa história.

Dito isso, o que eu enxergo no The Last Of Us Part tem algo a ver com egoísmo, tanto do núcleo de personagens quanto da rixa entre audiência e autoria da obra, voltando-se a pessoa do Neil Druckman.

Egoísmo foi exercido pelo Joel no final do jogo anterior, que contribuiu para torna-lo tão memorável. Sua decisão acontece independente da vontade do jogador, e principalmente, do que Ellie queria. The Last Of Us Parte 2, inclusive, trata muito bem esse aspecto, do Joel ter “roubado” essa escolha dela.

Diante de uma enorme frustração, nada é mais egoísta que uma vingança que se arrasta destruindo tudo ao redor de alguém. Nada mais triste do que ser cúmplice de atitudes desumanas pelo simples fato de “o jogo ter que continuar”, quando que a própria agente dessas atitudes, a Ellie, já havia sido exposta aos resultados de suas escolhas e, assim, tê-las questionado.

No primeiro The Last Of Us, a decisão mais importante saiu do controle do jogador, deixando um dilema a ser refletido. No segundo The Last Of Us, retira-se da vontade do jogador as decisões que vão colocando a Ellie num caminho que não se sabe até onde vai. Porém, confiando no que o primeiro jogo fez, há uma esperança de tudo fazer sentido.

Abro mão da minha agência, e passo a depender do que o roteiro vai me entregar, o final do jogo anterior foi brilhante nesse aspecto, portanto, faço isso de bom grado.

Em The Last Of Us Part II não é mais eu conduzindo os personagens no percurso de atravessar o país, me iludindo na esperança de um bem maior e sendo surpreendido no final. Em determinado ponto tudo parece tender a dar ruim, porque é o que acontece em toda história de vingança.

O mais curioso é que nenhuma grande perda havia tido até então, nenhum momento tão impactante, levando em conta que aquela jornada a Seattle era uma missão suicida.

Jogando com a Ellie ficava na dependência de algo genial que o jogo tiraria da cartola. Com a Abby, eu olhava o jogo como uma pessoa que fez uma burrada comigo, aí passava a pedir desculpas constantemente, e no fim, a burrada nem foi tão grande, mas a pessoa estava lá se culpando ainda mais, de certa forma, pedindo para você repreendê-la ainda mais. Minha sensação era essa.

Sabe quando coisas são colocadas para se chegar num determinado ponto mais a frente? Como uma desculpa? Então, é assim que enxergo The Last Of Us Parte 2, e infelizmente, apesar de repensar tanto, isso fica tão mais claro.

Quando zerei o jogo, a primeira coisa que vi foi pipocar vídeos de gameplay do Joel matando o médico, com as pessoas sendo mais cruéis por pura raiva da Abby, levando também para um lado da zoeira.

Vendo um clima de torcida organizada por uma parte considerável dos jogadores, só me vinha a cabeça que The Last Of Us Parte 2 é um fracasso, diante de sua proposta central. Mais do que isso, chega a prejudicar o debate do final do jogo anterior, um dilema tão interessante que passou a ser uma escolha tão simples por parte de algumas pessoas.

Como falei no início, The Last Us Parte 2 é uma obra muito complexa, e tem muitas coisas que adorei e me envolvi emocionalmente, sobretudo os flashbacks do Joel com a Ellie. Pelo tanto que nos toca é que esse jogo se torna tão difícil de se desassociar fatores emocionais, independentemente do recorte que a gente faça numa análise.

Pelos videogames agregarem linguagens de variadas mídias e formas de expressão, o processo de organizar os pensamentos para conseguimos entender o que de fato sentimos é bastante complicado.

Uma visão que me ajudou na época, foi uma frase que ouvi quando fui numa roda de conversa sobre cinema: “o texto de um filme é a fotografia em movimento, para conceber a obra não basta apenas montar as imagens em uma sequência, mas, assim como na expressão pela escrita, o texto deve ser harmonioso para compor uma poesia”.

Esse raciocínio me impactou bastante, era uma síntese que me ajudou a enxergar o que me faz achar um jogo bom ou não. Transportando o raciocínio para o videogame, o texto é a regra, ou melhor, a mecânica, os verbos ao executarmos comandos. Partindo desse raciocínio básico, consegui nortear minha mente num turbilhão de coisas que é o The Last Of Us Part 2.

E nisso que vejo que o egoísmo despertado pela vingança da Ellie, limitou seus verbos apenas a violência, e quando parecia que ela ia ressignificar sua história, o egoísmo autoral atrapalhou tudo, sendo que ela já havia demonstrado verbos variados, além dos violentos.

Isso não tem a ver comigo querendo que a Ellie fosse de um jeito que encaixasse com a minha preferência como jogador, não confundam as coisas. A Ellie, apesar dos fortes laços e absorvendo algumas características, tendia a ser uma antítese do Joel, e o final do primeiro The Last Of Us deixa essa margem no ar.

O que dá o propósito do enredo do segundo jogo é algo compreensível e embarcamos nessa, mas a Ellie vai demonstrando um pesar mediante as atitudes que vai tomando.

No momento crucial, ela vê o outro lado da moeda em resposta a sua violência, uma forma de despertá-la, de perceber que Ellie se achava dona de suas próprias atitudes, sendo que, na verdade, estava apenas reproduzindo um ciclo vicioso, o qual ela mesma havia sido uma vítima antes.

No fim, atitudes como um diálogo reconciliador, tocar violão e cantar uma música, constroem significados mais relevantes que ficar violentando os inimigos. E por The Last Of Us Part II saber comunicar tão bem isso, que como produto videogame, a redundância e a sensação de falta de propósito é o que me marca tanto nesse jogo. Depois de tanto ficar falando e falando, o resumo geral infelizmente acaba sendo tão breve, que a forma que enxergo essa obra.

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Transcrições dos episódios do podcast Level Secreto.