Elden Ring — Level Secreto #55

Roteiro: Erick Oliveira

Level Secreto
9 min readMar 29, 2022

Elden Ring foi lançado em 25 de fevereiro de 2022 para PC, PS4, PS5, XBOX One e Series. Trata-se do estilo de jogo que ficou conhecido como Souls like, sendo adaptado para uma progressão livre em um mundo aberto. O título foi cercado de muita expectativa desde sua revelação por demonstrar ser um passo ousado em relação ao que a From Software estava fazendo até então. A própria publicadora, a Namco Bandai chegou a afirmar que é o jogo mais ambicioso da empresa.

Outro elemento que aumentou o hype do Elden Ring foi a participação do renomado escritor George R R Martin, conhecido por escrever as Crônicas de Gelo e Fogo, que foi adaptada para série no Game Of Thrones. Em verdade, o Martin foi responsável por criar o mito do mundo de Elden Ring, e o Hidetaka Miyazaki, o diretor de boa parte desses jogos todos desde o Demon’s Souls, foi quem mesmo desenvolveu o enredo a partir disso.

O jogo se passa num mundo conhecido como as Terras Intermédias, e de qual ponto que você esteja nele, conseguirá ver uma grandiosa árvore dourada conhecida como Térvore. Aqueles que vivem nesse mundo são abençoados por essa árvore e o Elden Ring, o Anel Pristino na tradução oficial para o português. Com o passar do tempo, esse anel foi destruído e seus pedaços foram recolhidos por alguns semideuses, espalhados nas diferentes regiões desse mundo.

O jogador assume o papel de um Maculado, que são pessoas que perderam a graça concedida normalmente aos habitantes e foram exilados das Terras Intermédias. No meio dessa instabilidade de poder, de uma decadência no presente momento do mundo, os maculados são chamados de volta, incluindo aquele o qual é criado pelo jogador, o protagonista dessa história. O objetivo principal dessa jornada é recuperar os pedaços do Elden Ring, juntá-los novamente e se tornar o Elden Lord, senhor das Terras Intermédias.

Pois bem, os jogos Souls têm a característica de serem nebulosos em suas narrativas, não se trata de um enredo construído por meios convencionais, o jogador enquanto se aventura vai reunindo fragmentos para entender o que aconteceu no passado, em que contexto ele está inserido e o que suas ações vão impactam de fato nesse mundo. A comunidade sempre construiu em conjunto esses quebra-cabeças, a partir das descrições de itens, do posicionamento de inimigos, NPCs, etc. O Elden Ring é um pouco mais expositivo, mas não chega ao ponto do Sekiro, por exemplo. Então, nesse caso a narrativa aqui segue a linha de visão que o Miyazaki sempre implementou, que a equipe implementa na prática de jogo.

Acredito que participação do Martin dá um toque um pouco mais ocidental a alguns conceitos. Tem sim algumas inspirações recorrentes, como do mangá Berserk, mas o mundo em si, a arquitetura de alguns lugares, o próprio atmosfera vigente, ele me parece mais misturado de referências sabe? As terras intermédias estão em decadência, mas ainda dá para notar a graça divina pairando no ar, pelas cores mais vivas, tem um toque High Fantasy tipo Senhor dos Anéis, e não aquela coisa mais cinza de um Dark Souls III, a melancolia do Demon’s Souls.

Os elementos fantásticos estão presentes, alguns bem exagerados mesmo, no entanto, algo do Martin que percebo aqui é que as divindades desse mundo mais sutis, na forma que elas se manifestam no mundo. Isso é algo observável em Game Of Thrones, as ações dos deuses parecem mais casuais, parece mais ilusionismo do que mágica. As divindades do Martin não são personalizadas, são como fenômenos da natureza, e aqui em Elden Ring consegui notar algo do tipo. O jogador é guiado pela Grande Vontade, dá para perceber uns fios dourados que indicam um caminho, eles são manifestações da Térvore, do anel pristino. Eles são bastante associados aos pontos de graça, que são os checkpoints, as bonfires do jogo.

Outra coisa que parece dedo do Martin são as relações entre essa realeza dos semideuses, a disputa política que ocorre, sobretudo após a destruição do Elden Ring e eles brigando entre para si, com o objeto de assumirem o posto de senhores das Terras Intermédias.

A divisão territorial de um mundo aberto funciona diferente de um mundo segmentado e interconectado, como eram os jogos anteriores da From Software. Portanto, entre as sedes desses semideuses há todo um espaço aberto cheio de nuances que precisa fazer sentido de um território com suas características geográficas, onde cada elemento precisa fazer sentido.

Elden Ring é um jogo aberto no sentido de você seguir seu rumo logo de cara. Tirando um empecilho ou outro, o maculado pode chegar a capital, que é onde se localiza a Térvore. Não é toa que comparam esse jogo com Breath Of Wild, porém, ele segue uma linha diferente que falarei mais adiante.

O Elden Ring é uma aventura criada a todo momento pelo jogador, isso pode ser em cada caverna, cada vez que o jogador decide derrotar os inimigos em um ruínas e ver os itens que tem lá, cada lugar interessante visto no horizonte e a iniciativa de ir lá por pura curiosidade. Videogames em resumo são vários deslocamentos de um ponto A para um ponto B, a fantasia é criada pelos desenvolvedores para nos iludir, para que a gente realmente sinta a tal da imersão, e crie um sentido diante daquele espaço e das mecânicas executadas.

Elden Ring tal qual como os jogos anteriores da From Software, abre mão de guiar o jogador com indicações óbvias, na intenção de que a gente de fato sinta a materialidade do que estamos interagindo. Isso corre o risco de ser confundido com desleixo, com falta de história no jogo, por parte de jogadores não acostumados, essas queixas sempre aparecem. Realmente se tem uma dificuldade de situar, com os sistemas complexos da criação de personagem, de escolha de classe, montagem de build, enfim. Mas muito foi facilitado ao longo dos anos, e o foco de Elden Ring, acima de qualquer coisa, é promover essa sensação de aventura personalizada para cada um. Cada personagem criado é único, e os caminhos traçados constituem uma jornada particular que se diferencia de qualquer outro jogador.

Tá sendo muito gostoso ouvir as conversas, ver como cada um chegou num lugar de formas completamente diferentes, de como conheceu um determinado aspecto do jogo, um NPC, um chefe, um conceito de gameplay e tal. Quando ouço e leio esses relatos é sempre carregado de sentimentos diversos, do prazer da descoberta, tem o medo de parar num local desconhecido, a tensão de se deparar com um inimigo muito forte. É uma aventura, tem todo um percurso emocional, a cada cantinho é uma nova informação e precisamos as vezes rever uma estratégia, uma tomada de decisão, então cria-se de fato um vínculo. Isso é reforçado pela ausência de elementos que estão a todo momento guiando seu caminho, o jogador se sente de fato pavimentado cada passo da sua jornada.

Elden Ring tem um caminho principal, e de forma inteligente, o jogo colocou um chefe bastante desafiador antes de entrar no primeiro castelo, justamente para que os jogadores não se sintam prontos para seguir e olhem em volta para a vastidão desse mundo e as diversas coisas que podem fazer. Nesse “desvio”, o personagem fica mais forte, conhece mais dos sistemas, do mundo, e principalmente, vão construindo suas próprias histórias nas Terras Intermédias. As áreas principais, chamadas Legacy Dungeons, que contém os chefes principais, com as grandes runas do Elden Ring, é um primor de level design, segue uma estrutura de área de um Dark Souls mais convencional, com o posicionamento estratégico de inimigos, corredores interconectados, atalhos que você fica louco ao perceber que ligaria naquele lugar que tinha passado antes. Umas beiradas que num primeiro momento não parece acessível, mas você pula, chega lá, aí faz uma curva e tem todo um segmento para explorar, com itens e descoberta de outros acessos. Mesmo representando uma parcela de Elden Ring, essas Legacy Dungeon consistem em horas de gameplay densas equivalentes a jogos inteiros.

No mundo aberto você encontra cavernas, minas e catacumbas, são os principais tipos de dungeons no jogo, onde no final tem um subchefe e sempre há uma recompensa principal, além das outras presentes no lugar. Há alguns indicativos para encontrar essas dungeons no mapa, sobretudo, as minas e catacumbas, mas não dá para negar que cada lugar desses quando achado dá uma sensação de um segredo misterioso descoberto. Parece algo que só eu encontrei, fora do que foi planejado, e já dá aquela sensação de que vou ter um momento único, independente dos recursos que possa encontrar. Claro que no decorrer do jogo, dá para observar um padrão das dinâmicas desses três tipos de dungeons e como alguns chefes são repetidos. Mas assim, tirando um ou outro chefe em particular que repetiu, que realmente senti uma desanimada, perdendo o caráter de uma luta única até então, não vejo o problema nessa repetição de chefes em geral. Elden Ring é muito denso, se com essas repetições já temos esse mundo vivo e cheio de aventuras, então temos que reconhecer o mérito e isso envolve as questões de custos que caberia para ser melhor realizado e também o trabalho humano nisso.

Eu diria que as dungeons são fases dos Donkey Kong Country, sabe os jogos do Super Nintendo? É uma analogia meio forçada, mas assim, são fases que repetem algumas características de ambiente, uns assets, inimigos, mas sempre apresenta uma dinâmica nova e quando terminadas dá aquela sensação bacana de desafio cumprido.

As dungeons são os mais aparentes meios de encontrar os conteúdos em Elden Ring, e pela sua maior simplicidade comparada as Legacy Dungeon, o jogador sempre está cumprindo etapas e se fortalecendo dentro do jogo. Mais do que isso, são desafios que ele encontra movido por sua curiosidade e não é obrigatório, não é uma checklist imposta pelo jogo.

Tal qual ocorre no Breath Of The Wild, todas as ações do Link, por mais despretensiosas que pareçam, ajudam a fortalece-lo em direção ao principal objetivo do jogo. Tudo que o Maculado faz o direciona em busca dos fragmentos do Elden Ring, ele se aproxima indiretamente de seu objetivo. Diferente dos outros jogos da From Software, se você empacou num desafio, sobretudo num chefe, há inúmeras opções para seguir e com coisas a se descobrir, e nessas atividades o personagem pode ficar mais forte. Existem vários incentivos dentro do jogo ao invés do jogador ficar batendo numa parede até uma hora dominar uma luta contra um chefe, se dominar né? E só a partir de uma vitória que viria a ter um novo segmento adiante a se explorar.

Elden Ring tem essa questão de promover essa imersão, do jogador ter essa sensação de aventura, ao mesmo tempo se desprende de um realismo mais apurado. Tem coisas que ocorrem que é basicamente coisa de videogame, por exemplo, aqui temos o cavalo, e além dele ser a forma de se locomover com mais rapidez pelo mundo, é onde o jogador consegue explorar melhor a verticalidade dos ambientes. O cavalo tem pulo duplo e por ele, é possível chegar em locais mais altos, por mais na lógica não faça muito sentido. Há o combate sobre o cavalo também, que é necessário um tempo para pegar o timing dos acertos, e dependendo do inimigo pode ser vantajoso, isso também vai de jogador para jogador.

Já foi dito que em Elden Ring é a reunião de todo aprendizado que a From Software teve desde o Demon’s Souls, a junção de tudo que funcionou e polida ao longo dos anos. É de longe o maior em escopo, de horas totais, e não apresenta inconsistências como nos títulos anteriores, isso é uma coisa assustadora. Nos outros jogos dava para perceber em certos momentos que orçamento já não era o bastante. Em relação as regiões das terras intermédias, pode haver uma preferência de uma perante a outra, mas elas todas cumprem seu papel, tem conteúdo relevante e características que as diferenciam, e isso não apenas visualmente.

Enquanto joguei alguns segmentos de Elden Ring, tive a impressão de uma certa redenção da From Software em fazer áreas com determinadas características que em jogos passados não deram tão certo.

Elden Ring apesar de ter como base um Soulslike, é algo novo, uma aventura em mundo que se diferencia do que temos em geral, uma exploração que o jogador se sente dono de sua jornada. O mundo das terras intermédias é indiferente ao jogador, você se sente um visitante e a cada momento parece que está indo num caminho que não tinha sido planejado para ir naquele momento.

As divindades guiam o maculado através desses acontecimentos que parecem ser casuais, mas tudo feito pelo jogador encaminha para a resolução da situação indefinida que esse mundo se encontra. Diferente do Breath Of The Wild, pela estrutura de narrativa construída pela From Software, o jogador é mais uma peça num quebra-cabeça do que aquele herói clássico, que tudo está destinado para ser, o mundo feito para você. Apesar da fantasia de poder conforme o jogador progride, tudo ainda tem sua hostilidade, sua indiferença, por mais que o seu personagem seja o protagonista.

O que Elden Ring vai representar para o mundo dos videogames ainda é incerto, essa sensação de novidade está mais no sentimento, do que algo mais racional. Queria poder elaborar algo mais certeiro, mas é o tempo que vai dizer isso melhor. A certeza que tenho é que ele reuniu uma série de sensações boas e elementos práticos que sempre curti muito nos jogos da From Software. Quando você tem algo novo que te faz repensar conceitos do passado, de coisas que você se quer imaginava que poderiam melhorar e te surpreendeu positivamente, é uma forma de dizer que Elden Ring se inseriu muito rápido como uma das melhores experiências que já tive em um videogame.

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