Prey — Level Secreto #60

Roteiro: Erick Oliveira

Level Secreto
7 min readJun 21, 2022

Prey foi lançado em maio de 2017 para PC, Playstation 4 e Xbox One. Ele foi desenvolvido pela Arkane Studios, que é notável por jogos do estilo Immersive Sim, a franquia mais conhecida deles é o Dishonored. Por que é bom salientar o estúdio por trás de Prey? É que para quem não sabe, existiu um jogo com esse mesmo nome 2006. E sua prometida sequência é uma das histórias mais famosas de jogos cancelados. Em 2009, os direitos de Prey passaram da empresa 3D Realms para a Bethesda. O chamado Prey 2 havia sido anunciado ainda no mesmo ano do antecessor, mas só se tornou real por um trailer lançado em 2011, atraindo o interesse dos jogadores. Só que em 2014, essa sequência foi cancelada.

O jogo da Arkane de 2017, publicado pela Bethesda, não tem nada a ver com o Prey de 2006 e com tudo chegou a ser mostrado do Prey 2. Trata-se de um reboot, uma releitura da propriedade intelectual. O conceito que foi aproveitado tem a ver com a ameaça ser uma espécie alienígena, de estar no espaço. Mas, a cadência do jogo é bem diferente, a ação do Prey de 2006 e o que viria a ser o 2 é mais frenética, algo mais a ver com um Doom. O original tinha uma parte mística, o protagonista era um nativo americano, então mergulhava um pouco na mitologia do povo cherokee, etnia do leste dos Estados Unidos.

Bem, no Prey de 2017, o protagonista ou a protagonista, se chama Morgan Yu, o jogador pode escolher o gênero. Ele acorda no seu quarto, em março de 2032, é recrutado pelo seu irmão Alex para se juntar a equipe de pesquisa da empresa TranStar na estação espacial da Talos I. O jogador é apresentado a algumas noções do jogo no apartamento, e quando se encontra com Alex se dirige a uma sessão de testes em câmaras fechadas, respondendo umas perguntas e conhecendo algumas mecânicas. Nesse ponto, o jogador percebe algo estranho no ar, até que uma criatura ataca um dos cientistas e a protagonista acaba ficando desacordada.

Morgan acorda novamente em seu apartamento, mas logo descobre que tudo aquilo é uma farsa, tanto o lugar que está e também o que está a fazer naquele dia, encontrar-se com seu irmão. Explorando por trás do ambiente simulado, Morgan descobre que está na estação Talos I, e está na verdade 3 anos na frente do que acreditava estar.

Uma espécie alienígena, escura e pegajosa, conhecida como Typhon, quebrou a contenção que o prendia e assumiu o controle da estação, matando a maioria da tripulação. Morgan é contatado por uma inteligência artificial chamada de January, que diz ter sido criada pelo protagonista. Ela revela que nos últimos anos, os cientistas estavam testando neuromods, que é basicamente permite que uma pessoa ganha uma habilidade ao invés de precisar desenvolvê-la. Dando um exemplo, um pianista faz uma varredura de seu cérebro e o padrão sináptico da habilidade de tocar bem um piano é escaneada e um neuromod é produzido. Esse padrão sináptico é aplicado a partir de uma injeção no globo ocular, então a configuração do cérebro do usuário se ajeita para comportar essa habilidade de tocar bem um piano.

Morgan estava participando desses testes, continuamente adicionando e removendo esses neuromods. Só que, um efeito colateral da remoção é que todas as memórias que a pessoa possui depois do momento que colocou o neuromod, são perdidas. Portanto, a January foi criada pelo Morgan sabendo que o seu iria estar com amnésia, e a inteligência artificial teria esse papel de guiar o protagonista, ao mesmo tempo que orienta o jogador. Diante da catástrofe que acontece na Talos I, esse Morgan que viria a ter sua memória apagada decide que o melhor caminho é destruir a estação espacial, eliminando os Typhon e a chance de chegarem a terra, o que ocasionaria um grande perigo a humanidade.

Só que enquanto o jogador é informado sobre esse objetivo, Alex Yu, o irmão de Morgan, oferece uma outra solução, uma forma de destruir o Typhon, mas sem prejudicar a Talos I e não perder os resultados de todas as pesquisas importantes que haviam sido realizadas.

Prey é Morgan atravessando as áreas da estação, indo e vindo, encontrando novas armas, neuromods que adicionam habilidades e aprimoram as que já têm. Há objetivos secundários que têm a ver com encontrar outros sobreviventes, aí cabe ao jogador investir nisso ou não.

A ameaça dos Typhon está em toda estação, literalmente pode estar em qualquer lugar. O primeiro inimigo conhecido são os mímicos, uma espécie de aranha que pode se disfarçar de qualquer objeto, ou seja, andando pelo cenário, uma cadeira pode se transformar em um inimigo e atacar. A ameaça imprevisível dos mímicos dá um clima de tensão a cada local. Por mais atento que você possa estar, é possível vez ou outra tomar um grande susto com o ataque dessas criaturas. Aí que o clima do Prey de 2017 se diferencia do original, é um immersive sim, ele tem a sua ação, mas tem uma fluidez mais cadenciada e adiciona isso o fator de tensão.

A natureza dos mímicos é se adaptar o que está em volta, isso vale para outras formas de vida, no caso, os humanos. Conforme o jogo avança, o jogador encontra novas formas de Typhon. Há alguns humanoides, chamados de fantasmas, que eram os tripulantes da Talos I. Quando se depara com eles, fica ainda mais claro que Prey não é um jogo para ir de peito aberto, metendo bala nos inimigos. Eles são muito perigosos, resistentes e a munição não abundante, portanto, é preciso muita cautela para lidar com qualquer um que esteja em seu caminho.

No início, o Prey te dá uns modificadores de dificuldade que podem ser desligados, as armas desgastam podendo falhar eventualmente, dependendo do dano, Morgan tem um trauma, uma queimadura ou fratura, que limita a vida máxima, e dano a integridade do traje que influencia em momentos no espaço externo à estação, algo que falarei adiante. Essas opções são opcionais e consistem num modo de sobrevivência, o jogador encarando a tensão ainda mais “realista”.

Em cada canto, o jogador encontra itens, seja munição para as armas, alimentos que aumentam a vida de pouco em pouco, kit para reparação de arma, upgrades delas, também tem coisas inúteis, que são lixo, porém, podem ser reciclados. Há uma máquina que o jogador deposita esses objetos descartáveis que dão 4 tipos de materiais, e em uma outra máquina, eles podem ser combinados para criar itens como munição, kit médico, ou até essenciais para cumprir determinadas tarefas. Cada um desses itens para poder serem feitos, Morgan precisa ter pego um esquema de criação correspondente.

Quando mencionei itens essenciais, um deles se trata de um sistema de propulsão acoplada no traje, que é importante para que o jogador ir para fora da estação. Em determinados momentos é necessário ir pelo espaço externo para chegar em locais específicos. São momentos de gravidade zero, ou seja, a movimentação é bem diferente do habitual, e além de chegar aos destinos indicados diante do contexto do enredo, há alguns pontos de interesses secundários.

E aí é uma boa oportunidade de destacar o fator imersivo do Prey, a Arkane não poupou esforços para fazer o jogador se sentir numa estação espacial. Tem-se um cuidado na hora de realmente se sentir no papel de Morgan, de assumir esse corpo, na movimentação, interação com objetos e, sobretudo, quando lesionado com algum tipo de dano em específico.

O trabalho minucioso para construção dos cenários permite ver de fato uma vida que habitava por essa estação, antes dela ser quase que totalmente destruída. Cada área da nave tem suas peculiaridades, como um immersive sim, você pode ver documentos, bisbilhotar e-mails na tela de computadores, a partir disso dá para descobrir senhas de portas e cofres. Dependendo das escolhas do jogador, a jornada por Prey apresenta caminhos diversos.

De acordo com a exploração, o jogador encontra coisas interessantes, e segundo os aprimoramentos de habilidades, dá para entrar em determinadas áreas e outras só mais na frente, ou essa ordem pode trocar. Isso porque, por exemplo, o Morgan pode evoluir a habilidade de mover objetos pesados e assim desbloquear uma sala, ou ao invés disso, investir o máximo de neuromods no hackeamento e destrancar portas avançadas. Portanto é meio que nisso que Prey diversifica a progressão do jogador, e há situações pode experimentar os sistemas presentes, conseguindo chegar a locais aparentemente inacessíveis, existe essa sensação de poder sair do óbvio. Com isso, o jogo fornece também um fator replay, caso haja o interesse de personalizar Morgan de uma forma diferente numa nova campanha.

Nada disso é novo, é um immersive sim, o Prey de 2017 está mais perto de uma sequência espiritual do System Shock 2 do que o jogo de 2006. E além da dinâmica desses sistemas ser familiar, isso tá presente na sua temática, em determinados caminhos do enredo, quanto em escolhas sutis do jogador. Nessa história de ficção cientifica, o Morgan está nesse papel de nos questionar dilemas humanos diante dessa situação extrema em que ele se encontra, e nisso, o fator lúdico de ser um videogame potencializa de uma forma que ajuda dá aquela mexida na nossa cabeça e começar a refletir uns aspectos da vida.

É uma pena que Prey, assim como os outros jogos da Arkane no geral não são tão populares. Durante esse podcast, usei a palavra cadenciada algumas vezes, sendo que as pessoas que não gostam usam a palavra lento, arrastado para descrever as experiências desses jogos em comparação com um shooter mais frenético. E infelizmente quando ele tenta entregar um pouco mais desse tipo de experiência é que acaba falhando em certos pontos, sobretudo perto do fim.

O fator imersivo é um grande destaque e não tem como não se impressionar quando se chega pela primeira vez no lobby da Talos I, de perceber o zelo que tiveram ao construir essa estação espacial. Prey é a forma atualizada de conhecer um immersive sim que é da linha de um System Shock, tanto nos sistemas de gameplay quanto em sua temática. Isso só mostra o quão talentoso é a equipe que compõe a Arkane, que em 2016 entregou o Dishonored 2 que é um outro tipo de experiência dentro desse gênero e no ano seguinte entrega o Prey.

Quando se percebe que esse estilo de jogo vez ou outra corre o risco de cair no esquecimento, torna-se cada vez mais importante valorizar cada tentativa de entregar esse tipo de experiência, pois, por mais que possa não ser sua preferência, são sempre títulos fora da caixinha, do óbvio, e acabam contribuindo para os videogames.

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Transcrições dos episódios do podcast Level Secreto.