Timelie — Level Secreto #57

Roteiro: Erick Oliveira

Level Secreto
4 min readJun 2, 2022

Timelie foi lançado em maio de 2020, até o momento deste programa está disponível para PC, e uma versão para o Switch foi lançada em dezembro de 2021. Aqui temos a jornada de uma dupla formada por uma garota e um gato, o caminho é formado por quebra-cabeças de manipulação de tempo, e a furtividade nas horas de fugir de inimigos. Em Timelie, conforme se joga, o tempo deixa de seguir uma simples linha reta, a partir das contradições permitidas por ser um videogame.

O jogo inicia com a garota acordando em um lugar que parece uma outra realidade. Logo o jogador percebe que o chão é separado por pontos, como se fossem umas grades por onde a personagem por andar, tal como um jogo tático. Timelie é separado por fases, de partir do ponto e atravessar a outro. No começo tem uns quebra-cabeças mais simples de acionar painéis que abrem portas, a garota revela ter o poder de rebobinar o tempo, ao reconstruir pisos que estavam destruídos, retornando como era originalmente. Mas existe uma regra básica para usar essa habilidade, que é coletar uma esfera de luz em um canto do cenário.

A parte de puzzle foi introduzida, então Timelie acrescenta o fator stealth ao nos apresentar robôs inimigos. Eles emitem uma luz que indicam seu raio de visão, quando a cor se torna vermelha é que eles avistaram a garota, passando a persegui-la com muita velocidade. Durante uma cena tensa que se está fugindo de um robô, o grande tchan da experiência de Timelie aparece: o piso que a garota corre se quebra e ela cai para provável morte. Porém, o jogo pausa e surge uma linha do tempo na parte inferior da tela. Arrastando com o mouse, o jogador pode rebobinar a cena, e com atalhos do teclado dá para avançar e voltar frame a frame.

Essa dinâmica é que guia sua trajetória pelo tempo que se passa nesse jogo, não linear e que ilusões de falhas vão sendo sobrepostas até uma estratégia certeira que o jogador elaborou é a que dá seguimento aos acontecimentos. Isso, porque, a cada novo segmento que a garota chega, ela usa seu poder criando uma nova realidade, ou melhor dizendo, um plano das ideias, no qual é onde surge os indicadores no chão que parece jogo tático que mencionei antes, como também a linha do tempo abaixo.

Quando um robô encosta na garota, a tela congela e o jogador precisa repensar sua estratégia para chegar ao destino. Depois de algumas fases, Timelie introduz o gato e o jogador passa a alternar entre a dupla. O gato pode miar atraindo a atenção dos inimigos e consegue, por causa do seu tamanho menor, passar por uma espécie de dutos.

Quando a garota cumpre seu objetivo de chegar no ponto estabelecido, esse plano das ideias se desfaz, toda a cena é reproduzida do início ao fim, como se tudo que havia sido feito antes era apenas ela mentalizando a melhor das opções. Existe um prazer em ver tudo sendo feito em perfeita sincronia, as ações se encaixando, retirando uma impressão de que talvez o processo anterior tenha sido feito nas coxas. Esse jeito do jogo demonstrar uma performance harmoniosa lembra o que efeito no Superhot, dele demonstrar o que jogador fez como algo incrível.

Timelie remete à direção e montagem de cenas: a barra de reprodução abaixo representa uma experiência lúdica de edição de vídeos, tanto é que ela foi inspirada na própria interface do Youtube. Timelie apresenta momentos nos quais frames separam o sucesso e o fracasso do jogador. São seções que se resolvem de forma emocionante, tal como escapar por um triz de um perigo no jogo Inside, por exemplo. É onde se percebe toda a polidez trabalhada ao longo do desenvolvimento, uma necessidade de vários testar, para afiar essa sensação do jogador ter sido eficaz no último segundo.

Um dos méritos de Timelie é que suas fases são curtas, a experiência é fluida ao ponto de dar a impressão que suas quase seis horas de campanha passam em um período menor de tempo. Essa história da garota e do gato é bastante vaga, os seus finais oferecem uma nova camada de significado para a trama. Um raciocínio que tive foi que, ao completar o jogo Timelie como um todo, era como terminar uma fase. Porém, ao invés de visualizar toda a jornada da garota e o gato novamente, a performance dessa vez se passa na mente do jogador. Devido ao final entregar essa nova perspectiva, a história agora se passa ao construir novos significados de toda a linha do tempo dos acontecimentos do jogo, com essa informação que acabamos de ter.

A temática trabalha por meio da gameplay, na dinâmica de causa e consequência do tempo, no entanto, é nesse aspecto que o jogo é “Time + Lie” ao invés de uma simples “Time + Line“; o fator subjetivo do nosso entendimento de tempo é inserido na trama. Por meio da “mentira” é que o imprevisível emerge dessa experiência que tenderia a ser uma simples repetição de mecânicas, assim como o tempo é algo além do movimento sincronizado das engrenagens de um relógio.

Mesmo que seja algo comum, torna-se interessante esse contato com o tema manipulação de tempo quando trabalhado pelo olhar de pessoas em uma outra parte do mundo que dificilmente temos contato, no caso, os desenvolvedores tailandeses da Urnique Studio, que recusaram uma publicação de outra empresa que mudaria a visão que tinha sobre Timelie.

Jogar é, de alguma forma, estreitar laços com um tempo no qual foi investido um pedaço de cada vida responsável por aquela obra. O jogador pode interpretar o que for da aventura da garota e do gato, menos que ela é esvaziada de sentido ou de que se trata de um tempo de mentira.

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Level Secreto

Transcrições dos episódios do podcast Level Secreto.