Valkyrie Profile — Level Secreto #99 (Transcrição)

Autor: Erick Oliveira

Level Secreto
8 min readJan 24, 2024

Valkyrie Profile foi lançado para o Playstation 1 em dezembro de 1999 no Japão e em agosto do ano seguinte no ocidente. É um JRPG com a temática de mitologia nórdica. O estúdio por trás desse título é a tri-Ace que ficou notável por uma época por desenvolver RPGs japoneses com sistemas diferenciados, geralmente apresentando uma dinâmica fora do padrão dos mais populares.

Em resumo, o jogador entra no papel da valquíria Lenneth. Ela foi despertada para cumprir uma missão: viajar por toda Midgard, o reino dos humanos, para coletar as almas de heróis mortos que se tornam os guerreiros conhecidos como einherjars. Eles precisam ser reunidos para servirem ao exército do deus Odin a tempo de lutarem no Ragnarok, que é, digamos, o apocalipse dessa mitologia, uma batalha para decidir o destino de toda criação.

Todos esses deuses da mitologia nórdica vivem em Asgard e são conhecidos como Aesir. Nesse momento que antecipa o Ragnarok, eles já estão em uma guerra contra a raça dos Vanir, que são de outro reino. Nisso, o jogador em alguns momentos vai precisar enviar alguns de seus einherjars para Valhalla, o salão em que esses guerreiros passam a habitar, consequentemente sendo úteis nessa guerra contra os Vanir.

A campanha de Valkyrie Profile é a Lenneth tendo de recrutar os einherjars para cumprir esse grande objetivo final. O jogo é dividido em 2 CDs, como era comum na época, sobretudo nos RPGs. A história possui 8 capítulos, e cada um deles é dividido de 16 a 28 períodos, de acordo com a dificuldade selecionada. E o que seriam esses períodos? Basicamente é a contagem de tempo do jogo, cada atividade feita pelo jogador gasta um ou dois períodos, seja visitar uma cidade, explorar uma dungeon ou recrutar um personagem.

No final dos capítulos, a Lenneth retorna a Asgard. Nessa fase do jogo, a Freya informa sobre o status da guerra e o destino do einherjar que foi enviado para Valhalla. Esses guerreiros têm tipo um valor que representa tanto sua força de combate e também enquanto personagem. O jogador precisa enviar o einherjar que se encaixa nos requisitos da Freya, e se satisfazê-la, quanto o próprio Odin. A progressão bem-feita desse fator tende a aproximar o jogador dos melhores finais. Além disso é importante entregar os artefatos que são adquiridos no encerramento de dungeons.

Uma coisa que é um tanto frustrante em Valkyrie Profile é uma incerteza de estar fazendo a coisa certa nesse aspecto de jogo, quanto o fato de o final verdadeiro da trama ser acessível apenas na dificuldade média ou no hard, completando algumas tarefas pontuais. Isso é algo que, dado o nosso contexto, de criança ou adolescente que não sabia ler inglês, tínhamos sucesso nesse jogo zerando mais de uma vez, descobrindo as coisas na raça, ou tendo o suporte de uma revista com detonado.

Antes de entrar nessa dinâmica de jogo, Valkyrie Profile é notável por ter um começo muito devagar, no sentido de demorar mais de uma hora para finalmente conhecermos como é jogar de fato. Há toda uma falação, desde a Lenneth se tornando uma valquíria até chegar no seu primeiro trabalho de recrutar um einherjar, isso testemunhando todo o contexto antes da morte de um personagem. Então, para quem detesta jogo com muito texto, Valkyrie Profile é um título fácil de largar nessas primeiras horas.

Após essa introdução, com um suporte da Freya, que é uma das personagens mais “apelonas” de RPGs japoneses, o jogador passa a atuar como uma valquíria. Numa parte do jogo, a Lenneth está sobrevoando um mundo em 3D, sendo que o modelo dos personagens é feito em pixel art. É possível voar livremente por esse espaço, no entanto, a Lenneth precisa entrar num modo de concentração, onde aí sim as localizações vão sendo reveladas no mapa, podendo ser enfim acessadas.

Nesse instante de concentração, caso venhamos a ouvir uma música trágica, com sons de vozes, o local indicado tem a ver com uma missão de recrutar um einherjar. São momentos realmente focados na história desse personagem, que culmina numa morte trágica e carregando algo pendente por ele. Esse é um dos pontos mais elogiados de Valkyrie Profile, porque mesmo com mais de 20 personagens jogáveis, todos os bonecos recrutados têm toda uma história prévia elaborada. Devido a esse elemento é que existe uma crítica ao segundo jogo, pela grande maioria dos personagens serem meras ferramentas que atuam no combate.

Na concentração da Lenneth, quando ouvimos uma música meio tensa, o mapa revela uma dungeon, aí temos um momento focado em exploração e combate. É importante destacar uma característica que diferencia o Valkyrie Profile de outros JRPGs, a exploração dos cenários funciona quase que como um jogo de plataforma.

Nas cidades é algo mais contido, até porque a Lenneth está disfarçada como humana. Nas dungeons, a dinâmica de exploração se manifesta em mecânicas como pular, deslizar e atirar cristais de gelo em superfícies, que dão suporte para Lenneth ficar por cima, permitindo a ela condição de alcançar determinados locais altos no cenário.

Os inimigos estão visíveis pelas dungeons, caso eles encostem no jogador, temos o momento de combate. Caso a Lenneth dê um golpe de espada nele, o jogador ganha a iniciativa da primeira ação na luta. É possível congelar os inimigos e utilizá-los como plataforma. Todas essas mecânicas, e algumas manhas secretas, fazem com que cada dungeon ofereça um quebra-cabeça particular. Em Valkyrie Profile, seja no primeiro quanto no segundo, o momento de exploração não é aquela coisa só de estar num cenário, vez ou outra encontrar um item, interagir com alguma coisa, lidar com inimigos em encontros, e em alguns RPGs, aqueles aleatórios que irritam bastante. Aqui nós temos dinâmicas diferentes de gameplay que são complementares, evitando que um elemento predomine sobre o outro, tendo o risco de ser maçante.

Agora sobre o combate em si, temos um RPG por turno, mas, cada personagem da equipe ataca ao acionar um dos quatro botões: quadrado, triângulo, xis e bola. O einherjars se dividem em classes diferentes, portanto, temos alguns com espada grande que, pelo peso dos golpes, dão menos hits, só que com um dano maior de ataque. Os arqueiros conseguem atingir inimigos da fileira de trás. O mago tem um ataque poderoso, porém é preciso de um tempo recarga, que pode torna-lo nulo em outro turno.

Diante dessas variáveis, uma equipe eficiente precisa que seus membros se complementem no intervalo de tempo que atacam, que seja uma boa sincronia de golpes enquanto o jogador fica apertando os botões. Nesse sentido, o mais importante não é o personagem ter a arma com arranca mais dano, mas, a estratégia tem que se basear na melhor possibilidade de combos. Inclusive é um fator que dá a chance de encher uma barra que permite o uso de ataques especiais devastadores, que no segundo título é conhecido como “soul crush”.

O combate de Valkyrie Profile tem muito a ver com essa preparação, da execução ser bem-sucedida, sobretudo no primeiro turno. O importante é anular os inimigos, porque o combo bem feito garante mais pontos de experiência e um tempo menor de recarga para o mago, por exemplo. Outra coisa importante é ter consciência de que as armas quebram com tempo, nisso, talvez seja melhor guardar a melhor delas para os combates contra chefes.

Valkyrie Profile é um jogo bem complicado, olha que nem entrei mais a fundo nos sistemas de jogo. Soma-se o desafio dos elementos de RPG com essa progressão, nessa corrida contra o tempo do Ragnarok e uma sensação de incerteza se o jogador está realmente cumprindo o seu melhor papel como uma valquíria.

O lance é que a Lenneth começa desempenhando esse trabalho de um modo mais profissional, digamos, só que esse contato com a humanidade a faz lembrar de vivências passadas, resgatando em suas memórias toda uma personalidade que havia sido reprimida. Nisso entra a ambiguidade das decisões, a questão da finalidade da missão, o caráter dos Aesir, disputa de poder e dúvida sobre o que é o divino, o que está por trás do mito. A série Valkyrie Profile aborda muito bem esse aspecto, essa dualidade entre o que o humano e o divino, passando muito pela questão da mortalidade.

A história da Lenneth é inspirada na lenda da valquíria Brunilda, tendo variações da região da Escandinávia, da parte germânica e adaptação para óperas. A Lenneth tem um romance trágico com o personagem Lucian, tendo a ver com a relação de Brunilda e o herói Siegfried/Sigurd. O Odin a pune por se apaixonar por um ser humano e apaga suas memórias, deixando-as presas num anel. Nessas ocasiões, tanto o Siegfried quanto o Lucian são os responsáveis por salvar suas amadas.

Valkyrie Profile é um título muito competente enquanto um JPRG, tem uma progressão diferenciada, nos entregando uma versão interessante da mitologia nórdica. Um fator que colabora muito para cativar os jogadores é a parte artística, em especial, o som do jogo. A trilha de Valkyrie Profile é composta por Motoi Sakuraba, tem toda identidade única que só melhorou no segundo jogo. Além disso, um aspecto que sempre me chamou atenção são as vozes dos personagens. Isso dá um brilho na narrativa, até quem não curte muita historinha dentro de um jogo, pode se sentir imerso nos acontecimentos dramáticos.

Na parte de combate, é muito empolgante a Lenneth convocando seus guerreiros para lutar. Eu, por exemplo, tive o costume de falar junto com ela “To my side, my noble einherjar!”, aí na luta com chefes “Come to me, dark warriors! Battle awaits us!”. Isso também se estendeu para os outros jogos, quando a Lenneth, a Alicia, ou as outras valquírias, a Silmeria e a Hrist, executavam o ataque devastador, o Nibelung Valesti, e você tá lá na empolgação repetindo as falas.

Então, de maneira geral, a série Valkyrie Profile diverte na questão da gameplay, de se aprofundar nos sistemas de RPG, mas tem uma parte que complementa isso, que, nossa, quando eu lembro da minha experiência com esses jogos, sempre dá um calor, uma satisfação de ter vivido essas histórias e se sentir privilegiado.

O Valkyrie Profile 2 é o meu favorito, tem um Level Secreto sobre ele que botei um teor emotivo na edição, no entanto, não tenho problema nenhum de dizer que o primeiro é o mais importante. Conseguir se destacar no auge dos JRPGs é um mérito enorme. Somado a isso tudo, Valkyrie Profile é de uma sensibilidade ímpar trabalhar com o peso da morte em pequenas histórias, abordando aspectos diferentes sobre lidar com a perda da vida. O engajamento com o jogo não gera ruídos, ou seja, essas mensagens têm seu o tempo e não são dispersas para quem está envolvido de fato.

Valkyrie Profile é uma coleção de tragédias, uma corrida contra o apocalipse e sistemas complicados de RPG. Mas, isso não nos impede de vivenciarmos uma gama de sensibilidades, a partir dessa missão que assumimos no perfil de uma valquíria, e seus dilemas com sua própria divindade, encontrando na humanidade e suas imperfeições, o caminho para tornar mais plena enquanto um ser vivo.

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Transcrições dos episódios do podcast Level Secreto.