O futuro da voz: a voz das plantas

Ligia Frederico
5 min readSep 5, 2019

--

Seres humanos são biologicamente empáticos. Essa característica, que vem instalada de fábrica, nos torna capazes de perceber emoções alheias em outros humanos e animais, além da habilidade de estabelecer relações de companheirismo. Essas duas camadas mais básicas da empatia não se restringem à nós, entretanto, muitos mamíferos e até algumas aves as exercem¹. O que parece ser exclusivo ao ser humano é a camada mais profunda da empatia: a de conseguir se colocar no lugar do outro, podendo este outro ser de outra espécie ou até mesmo de outro reino biológico, como uma planta.

Pode ter sido esta capacidade aguçada que nos provocou, durante a matéria de Design Experimental do curso de pós-graduação em Design de Inovação e Serviços do Istituto Europeo di Design em São Paulo, a querer responder à pergunta “qual será o futuro da voz?” com outra pergunta: “será que, no futuro, as plantas terão voz?”. E assim começamos nossa jornada para explorar um novo conceito: no futuro, a “voz” será dada a mais objetos.

Após um exercício de afinidade e afunilamento de macro ideias, formamos um grupo que estava determinado a entender qual seria o futuro da voz das plantas. Esse relacionamento humano-vegetal não é novo, afinal é comum vermos avôs e avós que conversam ou até cantam para suas plantas, afirmando que isso as faz crescer mais saudáveis. Mas qual seria o próximo passo? Deveríamos elevar o papel da planta e humanizá-la, permitindo que suas necessidades fossem traduzidas em voz? Ou o futuro reside em um caminho intermediário, em que essa necessidade é destacada, mas sem necessariamente apertar a tecla “SAP”?

Ambos caminhos foram explorados e aterrissaram em duas idéias:

  1. Uma solução que concretiza a voz da planta, afim de transformá-la em um “novo animal de estimação”, apelidado de PetPlanta: nesta ideia, um gadget acoplável facilmente na terra de qualquer vaso de planta mede informações como umidade do solo, pH, vento, ausência ou abundância de luz e sais minerais/vitaminas. Esse gadget se comunica com um APP, onde o usuário seleciona qual o tipo de planta para parametrizar suas necessidades de saúde, e a planta comunica ao longo do dia como está seu “humor” e demanda os ajustes necessários.
Opções de desenvolvimento — montado com imagens do Google
Interface do aplicativo — montado com imagens do Google

2. Uma solução que evolui a voz da planta, que é ampliada ao mesmo tempo em que se respeita sua forma de comunicação (não verbal), apelidado de Avatar: ao invés de traduzir de forma literal, a idéia é aproveitar os impulsos elétricos naturais das plantas para que estes gerem reações imediatas no vaso em que ela está enraizada, tais como movimentações, mudanças na forma ou cor. Um convite para que o ser humano possa em seu próprio tempo perceber quais são as alterações que a planta produz, para então aprender seu comportamento e por fim traduzir sua linguagem.

Mapeamento dos sinais emitidos pelas plantas, para tentar capturá-los.
Proposta do receptor
Referências e primeiro esquema do vaso

Estes foram os dois caminhos levados para o próximo passo: desenvolvimento de protótipo. Fomos ao LILO.ZONE de São Paulo — laboratório de projetos criativos que envolvem arte e tecnologia — onde fomos muito bem recebidos por uma assessoria que se mostrou bastante empolgada com a idéia, e nos orientou com seus feedbacks: a primeira opção (Petplanta) estava atuando em uma tradução muito literal. Uma das provocações feita foi: será que as pessoas querem mesmo ter tantas informações e serem cobradas para dar atenção às plantas? Enquanto a opção Avatar também ia em direção ao extremo oposto: a organicidade das reações do vaso propostas estavam aterrissando em um objeto que se aproximava da ficção científica, causando estranheza ao usuário e restringindo a solução a um público pequeno.

Com estes pontos levantados, o grupo debateu e escolheu como opção evoluir o projeto Avatar para o próximo passo de protótipo. O LILO.ZONE ofereceu seu laboratório de BioHacking e consultoria para nos ajudar com os testes.

Em seguida, fizemos uma lista de compras com itens que tínhamos clareza que seriam necessários para alimentar os primeiros testes: uma planta, um vaso com terra, e uma fita de led programável em Arduino. E saímos também com uma segunda lista de compras/investigação de itens que não tínhamos certeza se existiam ou como funcionariam: sensores que captassem impulsos elétricos, umidade e/ou pH. O plano era provar nos primeiros testes que seria possível captar impulsos orgânicos de uma planta e traduzi-los no acionamento da luz de led. Assim, em um segundo momento, iríamos trabalhar novas idéias de como estes impulsos poderiam gerar outros tipos de reações físicas no vaso. Em paralelo, mapeamos conversas com biólogos e agrônomos para entender a factibilidade deste projeto.

Enfrentamos dificuldades no acesso aos materiais necessários, que somadas à pressão de tempo para termos um protótipo evoluído para exposição na 8ª Semana de Design de São Paulo (Design Weekend), levaram à tomada conjunta de decisão dos alunos por reduzir os grupos e escolher apenas 3 protótipos para seguirem em frente. Neste momento, diante da maior complexidade do projeto Avatar, optamos por nos unir ao grupo Sinestesia do Som e abraçar o projeto que se propunha a traduzir a voz em sabor, colaborando para evoluir sua execução de experiência de uso na Design Weekend.

Você pode acompanhar a experiência de design experimental da Sinestesia do Som neste link aqui:

--

--

Ligia Frederico
0 Followers

Addicted into diggin what psychology, literature, philosophy, religion and anthropology say about life.