O Silêncio Entre as Ondas
“O Naufrágio” (1805) de Joseph Vernet
Acordei hoje com uma estranha sensação de silêncio, como se o mar lá fora tivesse parado. Fechei os olhos por um segundo e senti o peso de algo que ainda não sei nomear. Não é saudade, porque não te quero de volta. Também não é raiva. Talvez seja só o eco de uma ausência. Um vazio que fica quando a tempestade passa, mas o corpo ainda se lembra de como foi se debater nas ondas. E, de repente, no meio desse vazio, senti o cheiro de cravo. Aquele aroma doce e amargo que o cigarro que você fumava deixava no ar. Ele ainda paira, mesmo quando o vento parece ter levado tudo o mais.
Nós dois sempre fomos assim, não fomos? Dois corpos no mesmo mar, tentando nadar em direções opostas. Eu te via como um horizonte, algo que eu nunca poderia alcançar, mas que também nunca deixava de tentar. Você, por sua vez, parecia acreditar que nadar rápido resolveria tudo – que ao se distanciar, encontraria a resposta para um vazio que não sabia explicar. E no meio disso, ficamos perdidos, afundando e emergindo em uma dança silenciosa, enquanto o cheiro de cravo preenchia os espaços entre as palavras que não dizíamos.
Eu costumava pensar que o amor era como aquele azul que Djavan canta, “azulzinho”, doce e leve. Mas o nosso era de outra cor. Era um azul denso, pesado. Um azul que não acalma, mas engole, nos puxa para um lugar escuro onde não há estrelas para guiar o caminho. Você nadava com desespero, e eu boiava, achando que, ao esperar, as respostas viriam com o tempo. Mas o aroma do cravo me lembrava que o tempo não cura tudo. Às vezes, ele só espalha as cinzas.
Mas o mar não perdoa. Não espera ninguém. E eu entendi, depois de muito tempo à deriva, que o silêncio entre nós já dizia o que eu evitava ouvir: você nunca quis o mesmo que eu. O futuro que sonhei em construir, com tijolos feitos de nós dois, era uma miragem. Uma ideia que alimentava para não me perder de mim mesmo. E o cheiro do cravo, impregnado nas nossas memórias, agora é um fantasma que me lembra do que nunca foi.
Agora, ao fechar os olhos, já não te vejo no azul do mar, nem no céu. Você se dissolveu em algo muito maior, algo que vai além de nós. O cheiro do cravo ainda aparece de vez em quando, mas já não me envolve da mesma forma. É estranho, quase desconcertante, perceber que o amor que carreguei com tanto cuidado era só uma gota em um oceano. Que nossa história, em sua grandeza momentânea, não passava de um reflexo passageiro na superfície, uma fumaça que o vento levou.
Eu continuo flutuando, mas já não me sinto à deriva. Entendi que o mar também é parte de mim. Que a tempestade não destruiu, apenas me ensinou a respirar mais fundo. O azul já não me define. E o cheiro de cravo, agora, é só uma brisa distante. Porque, no fim, sempre existiu algo além. Algo maior, que espera por mim no silêncio entre as ondas.