Migração: uma perspectiva clássica

Lucas Leiroz
4 min readApr 6, 2019

--

I — Introdução

O pensamento clássico das políticas jurídicas, culturais e sociais quanto à migração pode ser subdividido entre diversas correntes defendidas por renomados autores ao redor do planeta. Para os fins específicos deste relatório, serão tratados alguns autores cujo pensamento permeado da ortodoxia política tende a transparecer certa discrepância com a cultura jurídica dos Direitos Humanos, que hoje centraliza os debates aqui tratados.

Afim de estabelecer um rol exemplificativo de autores, aqui serão abordados os pensamentos de MILLER, WALZER e WELLMAN, que se destacam dentre os acadêmicos contemporâneos que analisam o fenômeno migratório e seus efeitos desde perspectivas que tendem a divergir das tendências jurídicas contemporâneas.

Para todos os autores abordados neste relatório, a migração deve ser analisada desde uma perspectiva estratégica, pura e praticamente livre de qualquer circunscrição jurídica. Ainda que sejam frontalmente divergentes da dogmática jurídica do Direito Internacional e dos Direitos Humanos, seus pensamentos devem ser analisados com fins de compreensão e oposição.

II — O pensamento de David Miller

Professor de Oxford, o renomado cientista político britânico David Miller há muito vem tratando do tema a migração em suas obras. Advogando o que se pode chamar de “nacionalismo liberal”, Miller trata da migração de uma forma sincrética — humanista e, em suas palavras, “realista”, conciliando perspectivas modernas e cosmopolitas com um pensamento clássico, enraizado em um estreito nacionalismo de matriz liberal-conservadora.

Em seu Strangers in our Midst: Political Philosophy of Immigration (2016), Miller trata do delicado tema da migração estabelecendo uma nítida defesa de seu controle com vistas ao bem-estar social. O autor o faz por meio de quatro princípios básicos que devem nortear as políticas migratórias de um Estado-Nação, quais sejam: a- weak cosmopolitanism, ou a defesa de um dualismo político-cidadão, no qual o cosmopolitismo seria aceito sob determinadas limitações, resguardado um favorecimento dos cidadãos nativos de determinado país; b- sel-determination, alega o autor fazer parte da democracia que os cidadãos decidam sobre a questão migratória em acordo com os interesses nacionais; c- fairness, de modo a garantir razoabilidade na escolha do país em aceitar ou rejeitar os migrantes, i.e., visa impedir a arbitrariedade e a discriminação no ato de seleção; d- social integration, que diz respeito à inserção dos migrantes na sociedade receptora, sem assimilação ou prejuízo cultural.

Miller é um entusiasta do Wefare State e o defende sob uma ótica que pode-se chamar de “nacional-liberal”, advogando pelo papel central do Estado na garantia do bem-estar geral, sem abrir mão de uma orientação político-econômica com base no liberalismo. É justamente este o ponto chave para compreender sua visão sobre a migração, que está toda relacionada à possibilidade manutenção do bem-estar-social.

Pode-se dizer que Miller é um cosmopolita que dá maior ênfase aos direitos dos nativos, ignorando, se “necessário” se demonstrar, os direitos dos que ingressam no país.

II- O pensamento de Michael Walzer

O americano Michael Walzer, proeminente no campo da teoria da justiça, também possui anotações na área das migrações. Para o autor trabalha o direito do Estado de controlar as migrações é uma expressão da soberania, tema central o entendimento de seu trabalho.

Para Walzer é uma simples questão de direito legítimo do Estado o arbítrio de escolher quem vai e quem não vai entrar em seu território, constituindo fundamental questão de soberania a opção pelos que vão integrar o seu todo populacional.

Ainda além, para o autor, a escolha pelos habitantes de seu território é uma das mais importantes questões referentes à soberania. Em suas palavras:

The right to choose an admissions policy is more basic than any of these other areas of decision, for it is not merely a matter of acting in the world, exercising sovereignty, and pursuing national interests. At stake here is the shape of the community that acts in the world, exercises sovereignty, and so on. Admission and exclusion are at the core of communal independence. They suggest the deepest meaning of self determination.(WALZER, 1983, pp61–62).

III — O Pensamento de Wellman

Para Christopher Heath Wellman o arbítrio de aceitar ou rejeitar a entrada de migrantes decorre da liberdade de associação. Em seu ensaio Immigration and Freedom of Association (2008), Wellman faz uma ampla defesa do direito do Estado de recusar a entrada de imigrantes com base em dois pilares dogmáticos, quais sejam a auto-determinação e o direito de livre associação.

A livre associação, para Wellman, integra o todo do direito à auto-determinação, de modo que inevitavelmente este direito decorra daquele. A livre associação constitui um direito individual básico, o qual permite que pessoas se associem com fins de alcançar objetivos mútuos e em benefício de ambos.

Do direito de associar também se pressupõe o de rejeitar a associação à medida do desinteresse de uma das partes associadas. Macrocosmicamente analisada, esta perspectiva é elevada à auto-determinação dos Estados soberanos, que igualmente podem e devem se associar ou rejeitar associações à medida de seus interesses e das vantagens estratégicas com seus objetivos.

O Estado, logo, tal qual o indivíduo, pode aceitar ou não receber imigrantes, à medida de seus interesses estratégicos.

Just as an individual has a right to determine whom (if anyone) he or she would like to marry, a group of fellow-citizens has a right to determine whom (if anyone) it would like to invite into its political community. And just as an individual’s freedom of association entitles one to remain single, a state’s freedom of association entitles it to exclude all foreigners from its political community (Wellman, 2008, pp. 110–1)

Referências

WALZER, M. Spheres of Justice: A Defence of Pluralism and Equality. Oxford. Martin Robertson, 1983. pp. 31–63.

Altman and Christopher Heath Wellman, A Liberal Theory of International Justice. New York. Oxford University Press. 200. pp. 158–188.

Wellman, Christopher. Immigration and freedom of association. Ethics. 2008. 119(1), 109–141.

MILLER, David. Strangers in Our Midst: The Political Philosophy of Immigration. International Migration Review. Oxford. 2016.

--

--