#maiscontemplacao

Luiz Telles
2 min readJul 5, 2016

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A partir de artigo da Eliane Brum, pensei sobre como devemos promover a contemplação e como, mesmo inconscientemente, meu trabalho de livros de artista acaba tocando nesse assunto.

Luiz Telles — Passagem de João Batista pela cidade de Intanhas 2, 2008, livro de artista — Mista sobre lona, 72 x 92 cm (aberto)

Faço livros pintados. São peças únicas que às vezes demoram meses para serem terminados. Uma das razões da demora é que eu “encaderno” a lona antes de começar a pintar. Ou seja, tenho um caderno de tela, pronto, com oito ou doze páginas, quando começo a trabalhar. E a cada página, é necessário o tempo de espera para que seque, antes de começar uma nova.

O trabalho em si, exige uma relação diferente com o tempo. Exige uma pausa. Uma parada. Que gera reflexão sobre o que foi feito e o que se vai fazer. Há um paradoxo curioso a se adicionar. Em geral, meu trabalho é composto de traços gestuais mais soltos, que são feitos muito rapidamente. Então, o que acontece é que eu faço uma página muito rápido, mas preciso esperar muito mais tempo pra que tudo aquilo fique seco.

Em um dos encontros do Ateliê Fidalga, a Sandra Cinto levantou esse ponto. Ela colocou que esses livros exigem do outro (expectador, visitante, interlocutor, etc) um tempo específico, pois foram pensados para serem manuseados. As pessoas podem tocar no trabalho, virar as páginas como se faz normalmente com um livro. Não é algo que se pode olhar de longe. Não é algo que fica lá pendurado. Não é, usualmente, algo que se fotografa e pronto.

Quem frequenta museus é testemunha de como a vida é mediada pela lente da tecnologia. A pessoas não observam mais as obras. Elas colecionam imagens digitais que nunca mais serão vistas. Elas constroem um relicário digital do mundo e ficam satisfeitas com isso.

Sem querer, o livro pintado e manipulável quebra essa lógica e convida a pessoa a entrar em suas páginas, ativamente. Para se ver, é necessária a ação. É necessário que se estabeleça uma relação física com o objeto. É uma contemplação obrigatória.

“A contemplação é civilizatória. E o tédio é criativo” (Eliane Brum)

Me senti feliz com essa descoberta aparentemente óbvia, mas simbolicamente muito importante. A discussão sobre o tempo que dedicamos para as coisas que realmente importam e que nos constroem como seres humanos é algo atual e necessário. Toda vez que algo nesse sentido surge na minha “timeline” vejo como uma mensagem me chamando de volta pra uma humanidade que fica meio apagada com tanta concorrência.

E essa reflexão me estimula a continuar construindo livros pintados. Convites concretos para as pessoas olharem imagens e imaginarem as histórias por trás delas.

Ref: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/07/04/politica/1467642464_246482.html?id_externo_rsoc=FB_CC

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