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O futebol de botão fez eu odiar o moderno

Lucas Koehler

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Natal de 2001. Ganhei os melhores presentes desta data até hoje. Um campo de futebol de botão, vários conjuntos de times de diferentes cores e duas traves com redes de “verdade”. Fui ao delírio ao sentir tudo isso em minhas mãos. Dias antes, minha mãe jurara que jamais eu ganharia tais coisas. Que momento. Eu praticamente banhava-me com os botões cheios de escudos de times artificiais.

Eu, nos meus quase seis anos, usei todo o meu conhecimento futebolístico possível dessa idade para elaborar o maior campeonato de futebol de botão já feito — pelo menos para mim seria sem dúvida alguma — e me desafiaria a terminar aquilo em um ano. Assim, no mês de janeiro, juntei os 40 times que eu conhecia e formei o torneio inspirado nos moldes mais clássicos do esporte bretão.

Criei a tabela e o calendário de jogos num caderno surrado de capa mole que eu tinha usado no colégio em pleno ano 2000. Um turno, todos contra todos. Os oito melhores classificam-se para o maravilhoso mata-mata. Com o futebol eu já era chato desde que comecei a ter noção de vida. Não aceitaria de jeito nenhum elaborar o MAIOR CAMPEONATO de botão e não existir os dois jogos da final.

Amante do “futebol da vida real” daqueles anos, uma das partes mais elaboradas e comprometidas era a construção das arquibancadas com peças de lego e as criação dos trapos das torcidas. Imagina, uma cancha que vai receber 40 times não possuir os alucinados e apaixonantes fãs. Passar-se quase 1h e lá estava ele, construído no melhor estilo “degraus de cimento”. Os botões das cores dos times que não estavam em uso lotavam a bancada, cheia de faixas e bandeiras desenhadas a mão. Até a divisão para a torcida adversária existia.

Jogos infinitos terminados. Chegou novembro. Os oito melhores times formaram o mata-mata. Graças aos meus roubos ou não, Joinville e Flamengo, dois times que eu torcia na época, estavam entre eles. Com o avanço do campeonato, as arquibancadas ferviam cada vez mais. Eu, emocionado, narrava os jogos como os radialistas de pulmões de aço. Os dedos já faziam calos por segurar a palheta. A cada gol as balizas pareciam desmoronar com a dança da rede.

Dezembro. Final do Campeonato Nacional 2001. Nessa parte o torneio já tinha nome oficial. Para mim, com um ano de experiência nisso, chamar de “maior campeonato de botão” já parecia muito simplório. Atlético Mineiro x Santa Cruz na final. Dois jogos. Dois domingos diferentes. O caderno já estava nas últimas folhas. Todos os números e pontos anotados.

Primeiro jogo da decisão, Santa Cruz de mandante, os botões vermelhos, brancos e pretos engoliam a minoria preta e branca da área visitante. Empate com gols, o time mineiro sai em vantagem.

Segundo domingo, as peças de legos misturavam-se com centenas de velas de aniversário que soltavam faíscas. As imitações de sinalizadores sempre foram bem-vindas no meu futebol. Fim dos 90 minutos, vitória do Galo. Invasão de campo. Troféu erguido pelo povo atleticano.

Março de 2016. Meu campo e os botões estão cobertos de pó. Nos estádios reais servem cappuccino em cadeiras almofadadas. A torcida tira selfie do jogador adversário e comemora a renda dos ingressos. Até o papel picado é proibido. O futebol moderno é uma merda.

Que saudades dos meus seis anos. Que saudades do povo no futebol.

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Lucas Koehler

24 anos, jornalista — Joinville (SC), Brasil | Twitter: lucasfkoehler