Solskjaer pode montar um time de sucesso no Manchester United

Lucas Filus
9 min readJul 22, 2019

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A temporada se aproxima e ainda não temos o elenco desejado e não sabemos exatamente como o time vai jogar. Soma-se isso ao fato de que desde a aposentadoria de Sir Alex Ferguson só tivemos desilusões, é compreensível encontrar torcedores pouco ansiosos para 2019/20. Mas, por incrível que pareça para esses, consigo enxergar o United com positividade *se alguns ajustes forem feitos*.

Solskjaer foi do céu ao inferno em pouquíssimo tempo, mas a realidade é que não podemos posicioná-lo em nenhum extremo. Era prematuro tratá-lo como salvador da pátria, mas quem o descarta por uma sequência de resultados ruins está cometendo o mesmo erro. Falta perspectiva.

Em um esporte fascinado com — dentre outros motivos — a ascensão de Pep Guardiola, é fácil encontrar treinadores que prometem futebol vistoso, posse de bola e etc. Dentro dessa categoria, existem os equilibrados o suficiente para montar times menos ingênuos e registrarem boas campanhas nas mais diversas ligas. De vez em quando, incomodando os grandes ou, sendo um deles, disputando títulos.

Mas a maioria se distancia de realizações grandiosas pela crença cega em um jeito só de atuar. Não há nada surpreendente em se basear nos conceitos do espanhol — é uma referência pra mim, diga-se de passagem -, mas quero dizer que o difícil é encontrar técnicos capazes de elaborar sistemas convincentes em jogos pesados. Aqueles que estão dispostos a ler o adversário, alterar instruções conforme as necessidades e dar aos seus jogadores as melhores condições em vários cenários (como o próprio Pep).

E Solskjaer se mostrou um desses ‘achados’.

Wembley, 13 de janeiro. O Tottenham vinha de vitória sobre o Chelsea e um 7 a 0 na FA Cup e queria dar sequência à boa fase, mas OGS tinha outros planos: diante de uma escalação mais leve e focada em construção por trás, fez Lingard agir praticamente como um falso 9 e anular a saída com Winks. Atingimos o controlador deles e fomos além.

Alderweireld e Vertonghen tinham total capacidade de armar sozinhos, mas Martial e Rashford tiveram um posicionamento pontual. Liberdade como atacantes quando com a bola, mas sem ela a regra era travar a linha de passe para os laterais e causar disrupção nessa fase importante pro jogo dos spurs. Com sucesso.

Não conseguiram se impor como desejado, por questões óbvias de qualidade ainda assim criando chances, mas sem os caminhos que costumavam percorrer. E batendo de frente com setores funcionais e dedicados; a defesa, o meio e o ataque cumpriram seus papéis com eficiência e não houve falta de ‘direção’, entrosamento ou confiança.

Era o primeiro sinal de que havíamos se tornado um *conjunto* coeso e eficaz para grandes partidas. O gol de Rashford no contra-ataque simbolizou outro artifício que se tornaria comum nesses confrontos também. Transição veloz com passes em profundidade visando a projeção de atacantes rápidos.

Emirates, 25 de janeiro. Fomos até Londres novamente, dessa vez para enfrentar o Arsenal, e Solskjaer mais uma vez roubou a cena com sua estratégia. Espelhou a formação, deu ênfase nos duelos individuais e confiou na superioridade de seu elenco. Matic, Herrera, Pogba, Lingard, Sánchez e Lukaku vs. Xhaka, Torreira, Ramsey e a defesa de Kolasinac, Koscielny, Sokratis e Maitland-Niles.

Os gunners tiveram a posse e tentaram agredir, mas nosso bloco baixo/médio negou os espaços e, crucialmente, a perspicácia da comissão técnica deu certo: Lingard novamente foi uma espécie de falso 9 e Lukaku e Sánchez foram instruídos a manter uma posição ‘alta’, testando a última linha do oponente.

Não tivemos a recomposição pelos lados, mas a zaga deles passou vergonha e a sensação era de que marcaríamos a cada transição. Para fazer justiça, na ida das oitavas da Champions League o plano deu errado por 30 minutos e o PSG aproveitou para abrir dois gols de vantagem. Voltaríamos pro confronto posterioremente, rs.

Stamford Bridge, 18 de fevereiro. Pela FA Cup, não cedemos qualquer oportunidade pro previsível time de Sarri agredir e demos aula de posicionamento dos meias ‘interiores’. Novamente em um 4–4–2 losango/4–3–3 com falso 9, Mata surpreendeu e fez um belíssimo trabalho defensivo, reduzindo Jorginho a passes laterais ou para trás. O italiano já vivia temporada pouco inspirada, mas era o coração do ‘playbook’ do seu comandante e não conseguiu jogar.

O ex-Napoli é fraco na marcação e obrigou Kanté e Kovacic a triplicarem o esforço, mas Pogba e Herrera se movimentaram com um timing perfeito e garantiram o triunfo com duas infiltrações na área. A subida inteligente dos meias é fator presente em toda equipe completa de contra-ataque. Gradativamente estávamos ganhando novas dimensões e por isso tenho confiança.

Old Trafford, 24 de fevereiro. No maior clássico da Inglaterra, Solskjaer teve vários motivos para perder, mas saiu fortalecido ao empatar contra um Liverpol que viria a conquistar a Europa. A intenção inicial foi com o mesmo losango, mas sem a pressão do falso 9. Fabinho-Henderson-Wijnaldum é um trio fortíssimo para Klopp, mas funciona ‘apenas’ como núcleo do counterpressing que costuma gerar muitas chances.

As esperanças dos reds giram em torno da recuperação rápida da posse que esses jogadores conseguem fazer, então o United resolveu exigí-los a ‘sair da caixa’: cedeu a bola e viu um rival inapto a criar. Dessa vez não só dois ficaram ‘pra cima’ prontos pra atacar as costas da última linha, mas sim as três peças mais avançadas. Mesmo assim, o tão produtivo Robertson foi inofensivo (Arnold não jogou).

Isso só foi possível com muita coordenação e dedicação coletiva. Em condições normais já seria assim, mas o cenário era preocupante e foi ficando mais ainda no decorrer da partida. Matic tinha voltado a ser um pilar, lesionou no treino e nem relacionado foi. Herrera, crucial para transformar o centro do campo de passivo para agressivo, sentiu dores aos 21' e foi substituído. Aos 25', Mata caiu no gramado e também teve que sair.

Em seu lugar entrou Lingard, que tinha ficado no banco por estar voltando de lesão — outro que precisou do auxílio médico antes do intervalo e saiu. Alteramos para uma espécie de 6–3–1 e McTominay e Andreas deram conta do recado — lembrando, contra um time que passou dos 90 pontos no campeonato. Pogba fez uma exibição defensiva de destaque, a compactação foi de dar inveja e não cedemos os espaços em profundidade que os reds procuram quando estão encurralados. O clima no apito final foi de vitória.

Paris, 6 de março. Vocês sabem o que aconteceu nesse dia. Os franceses haviam saído de Manchester com a vantagem por terem explorado nossas laterais, portanto Solskjaer se fechou completamente por ali. Fomos com um 5–3–2 e subimos as linhas o suficiente para incomodar a construção adversária e marcar duas vezes com Lukaku. Estávamos sem Matic, Pogba e Lingard.

O pênalti no final foi uma daquelas intangíveis do futebol, mas vale lembrar que o chute sai dos pés de Dalot. O português entrou no lugar de Bailly ainda na etapa incial, quando OGS percebeu a necessidade de mudar e confiou nas conduções do seu ala. Gerenciamento de jogo. Outra nuance de extrema importância e que não encontramos em qualquer esquina do mercado de treinadores.

Os capítulos posteriores não trouxeram sorriso no rosto do torcedor, mas é possível identificar pontos positivos. Contra o Barcelona, em Old Trafford as condições para surpreendermos foi colocada em prática, mas faltou qualidade e finalização. Messi foi reduzido à 13 toques no campo ofensivo no primeiro tempo, Alba — maior ameaça de profundidade deles — só chegou com perigo uma vez e Busquets foi anulado. Arthur e Rakitic estavam encaixotados na marcação feroz de Fred e McTominay.

Nesse evento específico, as mexidas tiveram efeito negativo, principalmente a saída de Lukaku e perda da nossa referência para segurar a bola no ataque. Rashford esteve em dia de Welbeck e no fim das contas saímos derrotados — no Camp Nou, o argentino que veste a camisa 10 fez aquilo lá. Duas semanas depois, perdemos para o City após apresentar um plano bem pensado.

Guardiola foi obrigado a alterar sua estratégia e isso diz muito. Tivemos oportunidades ótimas de se lançar ao ataque, mas foi só comparar as tentativas de Rashford e Lingard com as de Sterling e Sané para termos noção da disparidade técnica. No dia recordo que isso foi praticamente consenso: o sistema para grandes ocasiões era digno de elogios, mas faltava o ‘resto’.

Um padrão para durar a temporada e nos colocar em favoritismo contra a maioria dos oponentes — resumindo, os clubes de fora do top 6 da Inglaterra. Foi nosso calcanhar de aquiles em 18/19 e o staff está demonstrando a intenção de mudar esse cenário.

Andy Mitten, um dos jornalistas mais respeitados de Manchester, disse que Solskjaer pretende usar um 4–2–3–1 fluido, forte nas transições e integrado por jogadores jovens e rápidos, encaixados em um plano de longo prazo. Suas movimentações nessa preseason correspondem ao esperado (tirando a renovação de Mata). Estamos acompanhando um time cheio de energia e capaz de agredir com rapidez, “sentindo falta de criatividade”.

Pogba está jogando mais recuado, em uma dupla de meias centrais como fez pela França na Copa do Mundo. Suas performances são encorajadoras e acredito que seguiriam neste nível se trouxermos um companheiro de qualidade para a armação. Daí vem o interesse em Bruno Fernandes, que pode ser esse ‘10’ nas partidas menos exigentes e fazer o papel de Lingard nos clássicos. Tem a mesma intensidade do inglês sem a bola, mas está em outro patamar com ela.

Daria esse ‘toque final’ em um setor ofensivo promissor, mas por enquanto muito direto e pouco cerebral. Maddison é uma opção interessante também, mas perde confortavelmente para o português em índice de trabalho, marcação e demais características do tipo. Na direita, ainda não consigo fazer uma avaliação de Daniel James.

É esperar pra ver, mas não esqueçam que Greenwood está em ascensão e pode ‘roubar’ valiosos minutos por ali. É completo e pode explodir a qualquer momento — sendo titular no opening day diante do Chelsea, inclusive. Mais atrás, a contratação perfeita: Aaron Wan-Bissaka. Muito se falou de sua falta de polidez ofensiva, mas espero que vocês já tenham noção que acontece um ‘leve’ exagero aí.

Detalhei esse aspecto no último texto e, em termos táticos, é de longe o melhor nome para as coberturas defensivas que nossas estratégias exigem. Cansei de falar sobre os pontas ficando em posições ‘altas’ para aproveitar os contragolpes, colocando a responsabilidade no lateral. O ex-Crystal Palace é especialista no 1v1 e não nos preocupará em recomposição e desarme.

Shaw foi o Player of the Season, De Gea segue sendo uma referência da posição e temos tudo para contar com um novo líder. Maguire carrega a desconfiança de bastante gente e tratarei do tema em outro post, mas tem um perfil excepcional e é um dos melhores zagueiros da Premier League há 3 anos. Enquanto Lindelof tem postura agressiva, o jogador do Leicester pode exercer seu domínio com mais cautela, sendo dominante no ar, imponente na marcação e centro da comunicação defensiva.

Se o negócio for concretizado, finalmente teremos nossa figura de respeito lá atrás — notem a importância de um Van Dijk na vida do Liverpool. Lukaku está próximo de fechar com a Inter de Milão e precisaremos de consistência de Martial e Rashford, mas isso por enquanto não podemos analisar. Temos uma lacuna visível na vaga de volante — como eu queria Rice, Ndidi ou Gueye… — e ainda não dá pra cravar o titular, mas acredito na formação de um conjunto convincente.

Uma das maiores razões para nossa queda livre na reta final da última campanha foi a condição física, tratada com minúcia desde então. As sessões de treinamento dobraram em relação à pré-temporada passada, mais tempo é dedicado ao desenvolvimento do corpo — em resistência e força — e prevenção de lesões. A promessa é de uma equipe ‘robusta’ e preparada para o ritmo intenso da Premier League.

Consigo enxergar o seguinte:

- Um 4–2–3–1 com Pogba recuado contra adversários de fora do top 6, com maior ênfase na pressão alta;

- Continuidade ao 4–3–3/4–4–2 losango (Bruno Fernandes de ‘ponta de lança’ ou falso 9, caso venha) contra os rivais diretos, com foco em lançamentos em profundidade na transição;

- Uso pontual do 5–3–2 ou 5–4–1 diante de times de elite com a bola (já que estamos fora da UCL, basicamente só o Manchester City), podendo usar até Wan-Bissaka e Dalot juntos. O foco aqui seria na condução em velocidade de atletas como James;

Como não poderíamos ter elevado Solskjaer ao status de intocável com seu início fulminante, é muito raso tratá-lo como desprezo pelas derrotas no fim. Temos motivos suficientes para darmos um voto de confiança nessa comissão técnica e aguardar 19/20 com uma atmosfera positiva.

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Lucas Filus

Apaixonado por futebol, principalmente o inglês. Ex-blogueiro do Manchester United no ESPN FC. Colaborador do Footure e do PL Brasil. No Twitter, @filuslucas.