Wan-Bissaka é um diamante a ser lapidado pelo Manchester United

Lucas Filus
5 min readJun 29, 2019

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O United costumou sofrer com laterais desde o fim de 2012/13, quando Patrice Evra e Rafael pararam de jogar. Passou muito tempo sem conseguir firmar uma posição (duas, no caso). Luke Shaw felizmente recuperou um bom nível na última temporada e, apesar de não ser apreciado por todos os torcedores, foi votado como Player of the Season de 2018/19 por um motivo.

Não que seja difícil ser o melhor jogador de uma temporada tão fraca como a última, mas o inglês demonstrou consistência, qualidade e maturidade em suas atuações. Tirando deslizes isolados, foi um dos poucos pontos positivos e cravou seu lugar na escalação. Se no Southampton foram as ações no campo ofensivo que lhe deram visibilidade, agora se destaca pelo papel sólido lá atrás.

Rafael foi o último lateral ‘de fato’ que tivemos e fez sucesso (Foto: Reprodução/Goal)

Passa segurança pros companheiros que jogam à sua frente e, junto com Lindelof, era visto como um dos dois titulares absolutos da linha de defesa. Haviam duas lacunas claras a serem preenchidas, um zagueiro e um lateral direito — e para essa vaga Solskjaer foi atrás de outro atleta que atraiu os holofotes na marcação.

A compra de Aaron Wan-Bissaka junto ao Crystal Palace foi oficialmente anunciada e gira em torno dos £50 milhões, o defensor mais caro da história do clube. Ajustando à inflação chegaríamos em valores ainda mais impactantes na época de Ferguson, mas a cifra arregala os olhos de quem vê de fora. Um garoto que tem 15 meses de futebol pelo 12º colocado da Premier League saindo por tanto?

Nada mais do que natural. O novo camisa 29 — número que usava pelos Eagles — apareceu pro público do sul de Londres em condições adversas e transformou os desafios em motivos para garantir seu espaço. Em fevereiro de 2018, ainda pela temporada retrasada, Roy Hodgson perdeu seus dois laterais de confiança — Joel Ward e Martin Kelly — e teve que recorrer à um menino da base.

O ‘batismo de fogo’ veio contra o Tottenham e Wan-Bissaka tirou de letra (Foto: Reprodução/Croydon)

Wan-Bissaka estreou contra o Tottenham e em seguida teve Manchester United e Chelsea. Mesmo com três derrotas, brilhou em todas as partidas — e em mais uma, diante do Huddersfield — e foi eleito o Player of the Month da equipe. Esse poderia ter sido o primeiro indicador do que estava por vir — um atleta dominante -, mas o first team já tinha noção da sua capacidade desde que estava nos grupos de baixo.

Em 2016/17, quando poucos tinham ouvido falar no seu nome, o garoto de então 18 anos foi chamado para treinar com os profissionais e teve o trabalho pesado de marcar Wilfried Zaha. Um extra que pouco estão falando: Aaron chegou no Selhurst Park como um atacante e depois se tornou ponta, passando pra lateral justamente depois desse ‘rachão’.

O desafio não lhe assustou e o marfinense, melhor jogador do time e problema para a maioria dos adversários (Ashley Young que o diga), relembrou ficar “chocado com o quão bom ele era”. Kevin Keen, membro da comissão técnica, disse que “Wilf não passou por ele uma vez”. Richard Shaw e Dave Reddington, treinador e auxiliar do sub-23, a partir daí decidiram convertê-lo em lateral.

E fizeram um favor para muita gente. O inglês se dispôs a redobrar seu esforço para aprender as nuances da nova posição, ficou até mais tarde nos treinamentos e agora está colhendo os frutos. Depois daquela sequência inicial contra os gigantes, se firmou como primeira opção e teve na campanha seguinte — 18/19 — a sua afirmação.

Foi um verdadeiro comandante no campo defensivo do Palace, impressionando com sua facilidade para intimidar oponentes de qualidade e usar de suas armas (pernas longas, potência física, antecipação) para levar vantagem nas tentativas de desarme e interceptação. Em dezembro, fez diante de Leroy Sané uma das melhores atuações individuais do ano.

No Etihad, anulou completamente qualquer possibilidade para o alemão e o fez começar a alterar seu posicionamento. Sadio Mané foi uma rara exceção que conseguiu superá-lo. Terminou o campeonato com 129 desarmes e 84 interceptações, além de ser driblado apenas 10 vezes. Para fins de comparação, Robertson e Alexander-Arnold foram superados 31 e 32 vezes, respectivamente.

Sané foi completamente engolido por Wan-Bissaka em sua própria casa (Foto: Reprodução/Youtube)

Se destacou pela eficiência e, claro, no ‘julgamento do olho’. É preciso assistir à performances do jogador para identificar sua postura em diversas situações e Aaron passa no teste — com alguns asteriscos. Deixa visível a necessidade de um refinamento ofensivo, falhando em mostrar algo ‘diferente’ nas chegadas à linha de fundo, mas não se trata de uma peça desprovida de técnica.

Prefere participar da construção das jogadas na intermediária, centralizando a posse e ficando de prontidão para uma eventual ação de counter-pressing. É algo que está no seu perfil — o treinador da base disse que AWB sempre teve uma ‘mentalidade defensiva’ -, mas também mais necessário em um time como o de Hodgson. Vejo totais condições de se transformar em um perigo na frente; tem velocidade, agilidade, domina o 1v1 e sabe lidar com bola.

É um talento na lateral e agora Solskjaer tem mais um jovem de qualidade para a posição. Dalot é o inverso do seu recém-chegado ‘concorrente’, brilhando desde cedo em suas investidas diretas pelas pontas e preocupando na parte defensiva, portanto o panorama foi ampliado. O staff tem duas boas opções de estilos diferentes para trabalhar e utilizá-los conforme as necessidades. Precisamos também entender melhor a ideia de jogo de OGS, que promete força ofensiva pelos lados.

De qualquer forma, acredito que dará muito certo em uma linha que já se mostrou mais eficaz quando agiu priorizando a solidez e contribuindo de forma secundária para os processos do ataque. Se Daniel James ou quem for escolhido vai dar conta do recado é outra história, mas a certeza é que alguns metros atrás estará um jogador concentrado, potente e dominante no que se propõe a fazer.

“A menos que você chame, ele não vai falar uma palavra. Ele deixa pra falar no campo, é por isso que todos gostam dele. Ele chega, faz o que precisa fazer, joga bem e vai pra casa”, disse Zaha sobre o mais novo a fazer o caminho que fez em 2013, do Palace para o United. Vários fatores indicam que Wan-Bissaka tem mais preparo psicológico — e mais futebol — para chegar em Old Trafford e comandar o setor como fez no Selhurst Park.

Ao lado de Alexander-Arnold, Wan-Bissaka deve ser opção para o English Team por muitos anos (Foto: Reprodução/Goal)

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Lucas Filus

Apaixonado por futebol, principalmente o inglês. Ex-blogueiro do Manchester United no ESPN FC. Colaborador do Footure e do PL Brasil. No Twitter, @filuslucas.