LEI DE INVESTIDORES ANJOS: Avanço ou Retrocesso?

Lucas Judice
8 min readOct 30, 2016

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A essência desse artigo parte de uma premissa unicamente de negócios, seja pelo ponto de vista do empreendedor como do investidor — e não jurídico. Esse texto foi escrito por Lucas Júdice em parceria com Giulliano Tozzi, Luiz Garrido, Luiz Moreli, Leonardo Almeida e Julio Azevedo, co-autores do livro Direito das Startups (http://bit.ly/DireitoDasStartups), primeira e por enquanto única obra sobre o tema no Brasil.

E já antecipamos: a "Lei do Investidor Anjo" é um remendo cuja ementa saiu pior que o soneto. O Deputado Federal Otávio Leite (PSDB/RJ) perdeu a oportunidade de fazer história positiva com uma única linha normativa, mas — ao contrário, preferiu “abrasileirar” ou “achar um meio termo” entre dois institutos jurídicos que não coexistem numa mesma relação negocial.

A lei é um instrumento de deseducação, pois passa uma mensagem errada sobre o que deve ser feito e cria um efeito cascata de “aplaudidores” e “replicadores” que — em sua maioria, sequer sabem ao que estão aplaudindo ou o que replicam.

Há, no entanto, que se fazer um destaque bem positivo: as entidades envolvidas na discussão do então projeto de lei — como Anjos do Brasil e Associação Brasileira de Aceleradoras — estão de parabéns em promover um debate sobre o tema com o viés de aumentar a participação do capital de fomento no ecossistema. A provocação do tema e da necessidade de mudança é algo essencial para o avanço da maturidade do sistema, sendo — de fato, um bom passo com a lei.

Infelizmente, o Poder Político e a ausência de debate público qualificado com todos os atores fez com que boa parte as sugestões dos investidores envolvidos fossem ignoradas, o que deixou a modificação legislativa como um grande passo, mas mal dado.

Os argumentos pelos quais entendemos a mudança legislativa como um retrocesso são, em resumo, os seguintes:

1) Já existem outros meios de proteção de sócio minoritário (como o Investidor Anjo), seja na Limitada com a ausência de deveres de sócio-administrador do Investidor, como, ainda melhor a SCP (Sociedade em Conta de Participação) que dá a proteção aos Investidores Anjos[1];

2) O Poder Legislativo foi invasivo na relação privada, tirando o direito das partes em negociarem livremente;

3) O Deputado confunde Nota Conversível com Investimento Direto, e claramente tenta achar um “meio termo” entre os dois — o que é impossível. Esse ponto está detalhado abaixo.

4) Retirou direitos dos empreendedores (como o put option) e forçou o tag along como uma prática que passaria a ser padrão — quando de fato não o é e deveria ser da livre escolha entre as partes;

5) Criou um desincentivo para o empreendedor no longo prazo, como também prejudica a comunidade de investidores numa visão macro na caça de talentos;

6) Criou uma ideia de “padrão a ser seguido” pelo investidor, que agora passará a usar o argumento “está na lei” para impor negociações ruins;

7) A leitura ao revés da lei pode vir a inviabilizar o uso da Nota Conversível (que para alguns casos é boa), pois mesmo após a alteração da lei a NC não teria sido “autorizada” — como se a omissão fosse uma proibição.

8) A lei regulou juros e prazo, o que é um absurdo jurídico da invasão à liberdade à iniciativa privada e um claro desconhecimento das necessidades dos empreendedores e um risco aos investidores do Risco Brasil;

9) Dá ao Ministério da Fazenda (???) a autonomia na decisão de retorno de investimento — e aqui os investidores se veem limitados à um crescimento pagão. E também confunde retorno de investimento com pagamento de dívida, onde mistura taxa, juros, cessão de direitos e etc…

Importante destacar que a comunidade de investidores sai prejudicada com a lei. Apesar do Projeto de Lei ter contado com a ajuda de investidores como consultados, é fato que pecou em não convidar atuais empreendedores experientes ao debate, o que deixou um aparente favorecimento aos investidores através da lei.[2]

Mas esse favorecimento, em longo prazo e numa visão macro da economia, não existe.

Outro dia a internet entrou em euforia com o belo e acertado artigo da Isto É Dinheiro (http://bit.ly/2eQn0AV) retrocedendo os Tubarões do Shark Tank Brasil à Dinossauros, justamente em razão da mentalidade de controle excessivo e diminuição da força e talento dos empreendedores iniciantes. A mentalidade conservadora se repete e agora é institucionalizada num artigo de lei que não traduz a necessidade de proteção da empresa, mas — ao revés, tenta apenas sobressair a cultura ultrapassada do controle e diminuição de risco do investidor (e aqui faço uma distinção do que é proteção para a empresa vs. proteção do empreendedor ou do investidor — a longa vida da empresa deve sobressair à vontade pessoal das partes envolvidas) .

O investimento leonino / agressivo não é investimento saudável, e, se assim feito, não poderia ser chamado de Investimento Anjo, mas Demônio. O sucesso da empresa é de longo prazo, e depende de empreendedores animados e empolgados com a empresa e uma boa relação com os que deram o braço logo no início — os Anjos.

O INVESTIPRÉSTIMO — Abuso no Poder de Barganha

A gênese da lei está numa necessidade de proteção do Investidor Anjo contra os riscos tributários, trabalhistas e consumeristas da empresa investida[3]. Sim, essa é uma bela de uma preocupação. Mas veja que essa preocupação é para um investimento direto, isto é, alguém querendo virar sócio da empresa porque acredita MUITO no projeto e nos empreendedores e, por isso, abre mão de outras formas de retorno de investimento (como título público, bolsa, poupança, etc) para arriscar no empreendimento.

Da mesma forma que o projeto pode falhar, também pode ter a chance de um retorno de 100/200x+ sobre o capital investido, o que é bem superior a qualquer outro investimento mais tradicional no Brasil, incluindo imóveis.

Esse é o trade-off. Quanto maior o risco, maior o ganho em potencial. E a lei traz belos instrumentos para proteger o Investidor, como a redução da responsabilidade dos sócios não administradores numa Limitada e, melhor ainda, a possibilidade de uso da Sociedade em Conta de Participação.

Bastava adicionar um artigo na Lei do Simples Nacional dizendo que: “A Receita Federal não pode impedir a criação de uma SCP mesmo quando a Limitada for beneficiária do Simples Nacional”.[4]

Pronto! Bastava isso. Uma linha e o Deputado entrava para a história positivamente e colocava a Receita Federal onde ela deve estar. Mas não o fez.

E por que não o fez?

Simples, e aqui entra a tentativa de achar um “meio termo”.

O Brasil vem adotando o modelo de Nota Conversível como uma “modalidade de investimento” — como se devesse ser o padrão. Acontece que nota conversível é um tipo de empréstimo, e não um investimento. As razões e vontades para se criar uma Nota Conversível são completamente diferente das motivações para o investimento direto, mas infelizmente o Brasil vem utilizando como "forma de controle de risco", o que anula a beleza do instrumento.

O trade-off da Nota Conversível é a balança entre “débito futuro” com uma “valuation flutuante”. Ou seja, ou o investidor acredita no projeto e vai com tudo (e faz um investimento direto), ou ele fica em cima do muro do retorno financeiro e vai com uma Nota Conversível. E dai, se o empreendimento for ruim ou não for bom o suficiente, o investidor pode cobrar o juros sobre o empréstimo e, assim, diminuir seu prejuízo. Por outro lado, se o investimento for bom, o investidor poderá converter suas cotas em percentual da empresa. Quando isso acontecer, no entanto, a valuation da empresa estará mais alta e, portanto, o Anjo pegará um percentual menor do que teria pego se acreditasse na empresa desde o dia 1 do investimento.

E a “Lei do Investidor Anjo” tentou pegar um pedaço do investimento direto (“quero ser sócio, mas sem ter risco”) e misturou com a nota conversível (“se der errado pelo menos tenho meu capital corrigido de volta”). Criou, portanto, uma nova palavra no Dicionário do Empreendedor: o Investipréstimo.

Como dito acima, aparentemente é o Santo Graal para o investidor, mas não o é. Ele aparentemente se reserva de todos os potenciais riscos, mas a bem da verdade acaba criando um buraco no mercado, uma desigualdade de armas entre risco e retorno e um controle excessivo da longa vida do empreendedorismo e do empreendedor.

Seria isso o que segura a balança e a relação de investimento? Os mercados mundo à fora mostram que não. Sem igualdade de armas entre as partes, uma delas sairá da batalha (e nesse caso serão os empreendedores mais qualificados).

E o longo prazo da empresa? E num segundo investimento, possivelmente necessário para a startup…? Qual o incentivo do empreendedor em continuar promovendo a empresa se tem um “sócio — não sócio” descompromissado (afinal, o risco não é dele) ao mesmo tempo que tem um credor ávido pelo retorno do capital?

A posição é conflituosa. Ou o investidor acredita na empresa e aceita possível falha (investimento direto), ou é apenas um credor da Nota Conversível. Ambos na mesma relação é invencionismo à Brasileira que tende a fracassar.

E quem perde é o ecossistema como um todo, incluindo os investidores, que perdem a chance de investir em talentos. Verdadeiros talentos não aceitariam o que a lei propõe. E o efeito cascata disso é uma gama de pessoas com dinheiro — e sem experiência como investidor, forçando goela à baixo uma provisão legislativa e, no longo prazo, afastando os empreendedores do capital de fomento, pois mais atrapalha do que ajuda.

E se o futuro poderia ser melhor com a iniciativa privada tomando conta da iniciativa privada e o mercado se autoregulando, vem uma lei e coloca o público regulando o privado o que, infelizmente forçará os empreendedores à buscarem apoio no Governo[5] para crescer, porque perceberão que ir para os investidores privados é nadar — por vezes, com dinossauros, sobretudo na mentalidade pura do “venha à nós o Vosso Reino”.

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[1] Para um melhor entendimento do por quê a SCP ser o melhor instrumento societário para o Investidor Anjo, veja o e-book ou a cópia impressa do http://bit.ly/DireitoDasStartups.

[2] Segundo o Canal Startupi “Este projeto conta com o apoio fundamental do Sebrae, em especial pelo seu presidente Guilherme Afif Domingos, e do MDIC (Ministério da Industria, Comércio Exterior e Serviços), além da Abvcap (Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital), da ABRAII (Associação Brasileira de Empresas Aceleradoras de Inovação e Investimento), da Anprotec (Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores), do Conaje (Confederação Nacional dos Jovens Empresários) e do Dínamo (Movimento de articulação para Políticas Públicas).” — Onde

[3] Um assunto correlato com a proteção contra riscos trabalhistas, tributários e consumeristas é o desserviço que a Receita Federal faz em criar barreiras ao empreendedorismo e o trabalho indevido que o Poder Judiciário faz em violar direitos contidos em Códigos. Se o Judiciário e a Receita Federal respeitassem o que está na lei, a discussão de proteção a investidores não seria necessária, pois a própria lei já dispõe sobre o assunto. E quem dirá que essa modificação chamada de Lei dos Investidores Anjos será — agora, respeitada pelo Judiciário e pela Receita?

[4] Existe uma discussão na Receita Federal sobre Limitadas tributadas pelo Simples Nacional poderem contratar SCP. Esse não é um problema de lei para que uma nova lei resolva, mas é um problema de entendimento da Receita Federal que, da mesma forma, irá criar empecilhos quando ao investipréstimo criado pela Lei do Investidor Anjo.

[5] Governos devem ser apoios de fomento, mas não a mola propulsora do empreendedorismo.

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