Afinal, o que são harmônicas e de onde elas vêm? (sem fórmulas!)

Lucas Klink
5 min readSep 25, 2020

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Foto: Pixabay

Talvez você já tenha ouvido falar em harmônicas. Seja você analista de vibração, engenheiro, músico ou outra profissão em que sinais e sistemas estejam presentes no seu dia-a-dia, você já deve ter pelo menos ouvido falar em harmônicas.

Durante alguns treinamentos de análise de vibração pelo Brasil, percebi que muitos analistas de vibração não sabiam exatamente o que são harmônicas de fato! Por isso, escrevi este artigo para simplificar o entendimento deste importante conceito, tão importante principalmente em manutenção preditiva!

Sinais senoidais vs sinais não-senoidais

Para entender harmônicas, precisamos entender primeiro o que são sinais senoidais. Estes sinais são simplesmente um sinal de que algo está em um movimento circular.

Como assim, movimento circular?

Imagina que você tenha uma bolinha de tênis amarrada num barbante, como na imagem abaixo.

Fonte: Vídeo público no Youtube

Se você pudesse olhar a bolinha de cima, veria a sombra dela no chão em formato vai e vem, numa linha reta, certo? Se a sobra da bolinha fosse uma caneta, e o chão fosse um papel em movimento, você veria exatamente um Sinal SENOIDAL.

Fonte: Criação Própria

Certo! Então, movimentos circulares são representados por sinais puramente senoidais.

Como é representado um sinal senoidal num Espectro de Frequência (FFT)?

Para isso, vamos lembrar o que o tio Fourier disse no seu teorema, pegando no Wikipedia mesmo apenas para facilitar:

“(…)a transformada de Fourier é uma transformada integral que expressa uma função em termos de funções de base sinusoidal(…)” [1]

Em outras palavras, o espectro de frequência calculado pela FFT mostra apenas componentes senoidais, ou seja, todos os picos que vemos num espectro de frequência são componentes senoidais puras de algum sinal original.

Para o sinal gerado por uma bolinha que dê 120 voltas por segundo (bolinha ultra rápida e o camarada já perdeu o dedo!), o seu espectro de frequência seria algo assim: Apenas 1 pico no espectro, representando a frequência de 120 Hz.

Fonte: criação própria

Tá, mas cadê as harmônicas?

Até agora, elas ainda não apareceram. Mas… e se o movimento da bolinha não fosse perfeitamente circular?

Por exemplo, se existisse algum bloqueio no meio do percurso da bolinha, ou uma alteração no tamanho do barbante durante o percurso… enfim.. qualquer alteração deste movimento, fazendo com que a sombra da bolinha não desenhasse uma senóide perfeita? Aí nós teríamos uma forma de onda não-senoidal. Isso quer dizer que o movimento não seria totalmente circular; ele teria desvios ou distorções.

Teríamos representações diferentes: na esquerda, um movimento circular, enquanto na direita, um movimento diferente de cirular, com impactos ou ainda distorções. Para facilitar nosso entendimento, vamos imaginar que este movimento não-circular fosse representado por uma onda de dente de serra.

Fonte: criação própria

Como será a representação de espectro desta onda?

Claramente, o dente de serra não é um sinal puramente senoidal.Precisamos lembrar novamente da definição do tio Fourier, que diz que ele representa qualquer sinal periódico (senoidal ou não) como uma soma de componentes de senoidais.

Apesar de não ser um movimento senoidal puro, porém ele pode ser representado pro uma soma de sinais senoidais de diferentes amplitudes e frequências, de modo que o resultado dessa soma seja o dente de serra. É exatamente isso que a FFT faz. Ela pega qualquer sinal, seja senoidal puro ou não, e o decompõe numa soma de sinais senoidais de diferentes frequências e amplitudes. Veja os exemplos a seguir:

Fonte: https://mathworld.wolfram.com/FourierSeries.html

Podemos ver a diferença dos espectros de sinais senoidais puros (bolinha amarrada, movimento circular) vs sinais não senoidais puros (obstáculos no movimento da bolinha, movimento não circular, com distorções). Estes sinais tem a mesma frequência e amplitude, a única diferença é o formato da onda, ou seja, o formato do movimento:

Fonte: criação própria

Agora sim! Temos nossas representações das harmônicas, que são esses picos em 240Hz e 360Hz no espectro. Veja que a componente de 120 Hz, que é a frequência dos dois sinais, aparecem em ambos os espectros, com amplitudes diferentes. Porém, no espectro do dente de serra, além dos 120 Hz (frequencia fundamental), aparecem múltiplos como 240Hz e 360Hz, que são harmônicas da fundamental de 120Hz.

De uma forma bem resumida, podemos dizer:

Harmônicas aparecem nos espectros, pois a forma de onda (movimento) analisado não era senoidal puro.

No mundo das vibrações mecânicas…

Podemos imaginar onde as harmônicas ocorrem, na análise de vibrações?

  • Um rolamento com defeito em sua pista, ao ser atingido pela esfera, causa uma força, um movimento que não é circular. É um movimento muito rápido de vai e vem, é um impacto. E impactos geram harmônicas! Quanto mais cedo o defeito, mais rápido é o vai e vem, portanto menos se parece com um movimento circular. Isso gera mais harmônicas de alta frequência.
  • Um engrenamento, por sua natureza funciona com impactos entre os dentes. Portanto, sempre geram harmônicas.
  • Folgas em equipamentos fazem com que pequenos espaços sejam criados, e estes pequenos espaços fazem com que existam impactos entre as partes dos equipamentos e que os movimentos sejam distorcidos. Portanto, também geram harmônicas.

No mundo da música…

Se você gosta de tocar guitarra, por exemplo, sabe que existe uma função nos amplificadores chamadas de overdrive. Esta função condiz em aumentar muito o sinal de entrada, ao ponto de distorcê-lo. Quando há muita distorção, existe o clipping do sinal, que nada mais é do que limitá-lo à uma determinada amplitude (abaixo como hard clipping):

Fonte: site https://www.sweetwater.com/

A onda vermelha (clipada) não é uma onda senoidal. Portanto, se olharmos num analisador de espectro, você verá várias harmônicas da frequência fundamental.

Em resumo, podemos dizer:

Movimentos perfeitamente circulares não geram harmônicas, enquanto que movimentos distorcidos ou de impactos geram harmônicas. Harmônicas vêm de distorções ou alterações de um sinal senoidal. Isso serve para vibração mecânica, música, tensão e corrente elétrica e qualquer análise de sinal com FFT.

Uma última dica:

Se você gosta de associar vibrações mecânicas com sons, entre nesse site https://onlinetonegenerator.com/ e ouça a diferença entre um sinal Sine (senoidal) e Sawtooth (Dente de Serra). Você deve notar a diferença de um sinal sem harmônicas e um sinal com harmônicas, mais ruidoso, que podem representar distorções ou impactos.

Um abraço e até a próxima!

[1] — Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Transformada_de_Fourier

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Lucas Klink

Engenheiro de automação e controle, empreendedor, escreve sobre aplicações tecnológicas na indústria. Paixão por compartilhar e aprender!