Liberdade criativa não existe (e quando existe, é ruim pra você)

Luri
Pesadelos Criativos
4 min readJul 12, 2016

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Não se ressinta por não poder criar o que quer, na hora que quer. As limitações são suas melhores amigas.

Na minha experiência, começar e terminar são sempre as partes mais difíceis de um trabalho.

Hoje, meu foco está em escrita e música. Então, sempre me vejo aplicando as mesmas ideias nos dois ambientes criativos, de formas diferentes.

Um é o meu ofício, o que eu faço para ganhar a vida. O outro não me gera dinheiro (pelo menos, não de forma expressiva, suficiente para eu viver apenas disso e pagar minhas contas).

Por esse motivo, os dois tem lugares bem distintos na minha rotina. Ainda assim, são as duas atividades mais importantes da minha vida.

Quando o assunto é escrita, eu me habituei a focar em uma pauta ou necessidade, definir um deadline e executar a tarefa dentro desses limites. Caso escolha um determinado tema, eu preciso fechar a ideia, deixá-la redonda para que se encerre em um certo ponto, quando eu achar que já disse o que tinha pra dizer.

Outras vezes, preciso cuidar de um projeto que tem diversos elementos e pessoas envolvidas e todas vão opinar em alguma etapa. Eu preciso ter muito claro o que posso e o que não posso fazer.

Não digo como se afirmasse que apenas obedeço ordens e aceno com a cabeça, dizendo sim, sim, sim. Não é isso. Mas mesmo quando quero extrapolar alguns limites, isso demanda conversa e negociações que levam ou não a um novo combinado (que nada mais são do que novas limitações).

Com tudo definido e conversado, preciso sentar e executar, dentro do prazo, orçamento, tecnologia, habilidades da equipe, etc.

Por outro lado, quando eu preciso criar música, por não ter nenhum cliente, nem obrigação com ninguém, o que era de se esperar é que eu me tornasse uma máquina criativa e produzisse rios e mais rios de canções maravilhosas.

Mas isso não poderia estar mais longe da verdade.

A música, por muito tempo, foi (e às vezes ainda é) um terreno no qual eu depositava todas as minhas pretensões de perfeição.

Por muito tempo, eu me ressentia por não ter o poder de executar o que queria do jeito que queria, no tempo que achava que precisava. Eu achava que uma mente como a minha deveria ter à disposição os meios necessários para dar vazão à sua criatividade, incluindo a colaboração cega de todos.

Bullshit.

Demorei anos pra perceber que isso simplesmente não existe.

Eu lamentava não ter os companheiros de banda, nem os microfones, nem a guitarra, nem os pedais, nem a interface ou o tratamento acústico ideais e colocava a responsabilidade pela minha falta de ação nisso, quando na verdade, quem estava deixando de fazer o que era viável sob a desculpa de não ter o cenário perfeito era eu e somente eu.

Pode não parecer em um primeiro momento, mas isso tem um nome: procrastinação.

A prova maior é que, em determinado momento, eu de fato tinha o mínimo necessário para compor e começar a gravar em casa, mas não o fazia.

Apenas quando aceitei essas limitações e parei de querer comprar equipamento ou de me esconder atrás de desculpas é que as coisas começaram a andar.

De repente, ao invés de lamentar, eu me perguntava: “o que consigo fazer com uma interface de dois canais e um microfone?”; “ok, não sei tocar teclado, mas de que forma consigo inserir novos timbres nessa música?”; “não tenho um naipe de metais, o que eu posso colocar no lugar?”; “quem será que pode me ensinar a fazer a mix?”; “onde aprendo a captar melhor o violão?”; “como gravo a bateria?”; “será que consigo fazer algo simples e bom?”; e assim por diante.

Quando se tem uma limitação clara, é a chance de perguntar o que diabos você consegue fazer com as ferramentas que possui em mãos. Quando você tem um martelo, o que dá pra fazer é quebrar a parede ou pregar uns pregos. A instrução fica clara.

Por outro lado, o oceano de possibilidades da liberdade absoluta leva à paralisia. Você não começa e também não termina. Esse desejo costuma ser só mais uma desculpa baseada em excesso de autoimportância, pura pretensão.

Jack White, por exemplo, impõe limitações a si mesmo, para não se perder. Ele precisa de prazos, de compromissos, de horários agendados em algum estúdio, para poder criar. Ele precisa saber qual o formato, se a música vai contar com um instrumento ou vários, de quantos canais vai dispor, etc. Isso não o impede, pelo contrário, o estimula.

Trazendo de volta pra nossa realidade, podem ser as expectativas do cliente, falta de tempo, equipamento, dinheiro, pessoal, ou mesmo habilidade da sua parte, mas as limitações estarão lá e você vai ter de contorná-las. Liberdade criativa não existe.

É a forma como você lida com as limitações que vai contar e, quem sabe, um dia deixá-lo tão hábil que, de fato, as piores situações sejam vistas com completa liberdade.

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Luri
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