A trajetória das Políticas Sociais: das velhas leis dos pobres ao Estado de Bem-Estar ( Welfare State).

Lucy Mazera
10 min readAug 19, 2018

1. O SENTIDO DA PALAVRA POLÍTICA

“O homem é um animal político” (Aristóteles).

Inicialmente, é importante compreender o significado e o sentido da palavra “política” seu surgimento e aplicabilidade na sociedade, consequentemente, na vida humana.

De origem grega, a política era associada à polis, isto é, à cidade Estado que abrangia atividades na esfera pública. Corresponde ao primeiro tipo de governo, quando os gregos lutavam pelo ideal da democracia. Podemos destacar que, na época, os homens participavam ativamente das decisões voltadas à polis, não eram todos que participavam das tomadas de decisão, mas apenas os gregos, principalmente a classe com maior poder aquisitivo que se reunia no Partenon.

A civilização grega surge no século VIII aC, a partir do desenvolvimento da península balcânica, tornando-se um marco para a história da humanidade. Em Atenas, forma a primeira cidade-Estado, inaugurando posteriormente uma democracia.

Figura 1: Estrutura da pólis . Fonte: Autoria Própria A Partir de Hoje, available in http://www.historialivre.com/hoje/oqueepolis.htm

O posicionamento de Aristóteles em relação à Política é ilustrativo. O filósofo dizia que o homem é um “animal político”, com inclinação para viver em sociedade.

Entretanto, nos dias atuais quando verificamos a palavra “política”, relacionamos aos assuntos relacionados ao Estado, uma vez, que a política desde seus primórdios constitui uma relação entre pessoas diferentes ou desiguais, e situam-se na estrutura social (classe social, status) e diz respeito à forma como a sociedade se organiza.

Neste contexto, a palavra “política” não deve ser confundida com a atividade desgastada, desacreditada ou eleitoreira atual. Como pode observar, a política na antiguidade era vista como uma atividade social da mais alta nobreza, entretanto, no decorrer da história se modificou, e envolve na atualidade o conceito de cidadania, entendido como o poder do povo de governar.

É importante que você compreenda que a história da humanidade perpassa pela política, pois somos seres bio psíquicos, políticos e sociais, e, nesse sentido, a política está presente em nosso cotidiano.

Nas palavras de Behrin (2008, p. 88), a política surge na convivência humana, homens e mulheres se organizam politicamente para atingir objetivos comuns em defesa de seus interesses e objetivos particulares, a autora destaca que a política apresenta valores, crenças, opiniões e ideologias distintas e estão desigualmente situados na estrutura social (de classe, status).

É possível verificar desde a antiguidade, que a atividade política está relacionada com a forma com que a sociedade se organiza, apresenta valores, ideologias, crenças e são modificados ao longo da história e reveladas desiguais na estrutura social, como por exemplo nas camadas sociais, no status social.

Como você pode observar a o sentido da “política” revela-se como uma estrutura constitucional de relação com o povo como dirigente do País, desde a primeira estrutura democrática até o Estado de Direito, passando pelo exercício do poder em nome do povo porque dele emana o poder.

2. A LEI DOS POBRES ( POBRE LAWS)

Ao longo da história, os modos de organização das sociedades se deram principalmente por meio da exploração do homem pelo homem, o que pode ser verificado pela definição dos modos de produção: escravista, feudal, capitalistas etc.

Para Karl Marx, há cinco sistemas ou modos de produção na história da sociedade/humanidade: as comunidades primitivas, o escravagismo (ou modo de produção escravista), o regime feudal, o sistema capitalista e a sociedade socialista.

Neste estudo trataremos da comunidade primitiva, do escravagismo, do feudalismo e do surgimento da burguesia e as fases da revolução da industrial, na qual encontra-se o capitalismo.

Antes, é importante definir o modo de produção como o conjunto das forças produtivas e das relações de produção de uma época histórica. Por isso Marx também afirma que a história é feita dos sucessivos estágios de desenvolvimento dos diferentes modos de produção.

1º — Comunidades Primitivas (Pré-história): foram os primeiros grupos humanos, que coincidem com o aparecimento da humanidade sobre a terra.

2º — O escravagismo ou escravismo: modo de produção tão antigo quanto a história da humanidade; na antiguidade, os primeiros escravos eram da civilização da antiga Mesopotâmia (atual Iraque), por volta de 3500 a.C.

3º — Feudalismo: originado da palavra latina “feudum”, nome dado às terras que um suserano distribuía em troca de vassalagem (obediência e apoio). No feudalismo as classes sociais se compunham de nobreza, clero, comerciantes, pequenos artesões e servos.

No decorrer da história do feudalismo, os mercadores e pequenos artesões cresceram em número e em poder, quebraram os laços que os submetiam aos senhores feudais, aos nobres, e à igreja. Nascia a burguesia.

O comércio começava assim a modificar o modo de produção. A burguesia necessitava de um mercado livre para colocar suas mercadorias em circulação: a fome pelo lucro era grande.

Neste sentido houve um choque entre o modo de produção feudal e a nova burguesia ascendente. Isso possibilitou, alguns séculos depois, as revoluções burguesas, que foram autênticos movimentos sociopolíticos.

A mais conhecida das revoluções burguesas foi a Revolução Francesa, um movimento que rompeu definitivamente com o feudalismo, destruiu o Estado absolutista e criou condições para o avanço da Revolução Industrial, consolidando um novo modo de produção: o capitalismo, que é um sistema econômico e social que impera no mundo, baseado na ideologia da propriedade privada dos meios de produção, tem como características, além da propriedade privada, a acumulação de capital, o trabalho assalariado e um sistema de preços e mercados.

Importante destacar que a Revolução Francesa foi uma generalização da luta de classes, uma batalha na qual a maioria da população (Terceiro Estado) lutava contra a dominação da nobreza e do clero. Quando derrubado o inimigo, o poder passou para as mãos da burguesia. Os camponeses ganharam a propriedade da terra, mas os servos e outros trabalhadores continuaram na mesma situação.

Esta revolução (burguesa/francesa), foi seguida de uma outra revolução, a Revolução Industrial. Máquinas foram criadas para substituir a manufatura, revolucionando o modo de produção.

Dados nos revelam as várias transformações na sociedade do período, como as consequências do desemprego e as precárias condições de vida dos trabalhadores. É no bojo dessa influência burguesa e da ampliação do Estado que, em 1601, no Reino Unido, nasce a Lei dos Pobres (Poor Laws) implantada pela rainha Elizabeth I, e que representava um modelo de beneficência centrado nas paróquias, asilos, escolas e hospícios, e que tinha como objetivo amparar trabalhadores pobres e aqueles que não tinham trabalho, normalmente estigmatizados como “vagabundos”.

As Poor Laws compunham um sistema de ajuda social aos pobres na Inglaterra e em Gales, que se desenvolveu a partir da Idade Média tardia e das leis , até serem codificadas em 1587–1598. O sistema da Poor Laws subsistiu até ao surgimento do Estado de bem-estar moderno, depois da Segunda Guerra Mundial.

Desde a idade média já existia a prática de dar esmolas e exercer a caridade, principalmente por conta do ideário cristão baseado na ideia de trilhar um caminho “da bem-aventurança à redenção dos pecados” como forma de se libertar dos pecados “ajudando o próximo”.

A principal questão social considerada na época era a pobreza, por isso tais leis tinham como objetivo suprir as necessidades do sistema fabril e regular a mão de obra. Estas ações sempre estiveram vinculadas à igreja, sendo também importante destacar outros fatores que desencadearam a necessidade de implantação da Lei dos Pobres, como o aumento populacional, as migrações de trabalhadores rurais para áreas urbanas, péssimas condições de higiene e, como consequência, a aparição de muitas doenças

Behring et. al. (2011) retratam a questão das primeiras iniciativas de Políticas Sociais neste contexto:

Não se pode indicar com precisão um período específico de surgimento das primeiras iniciativas reconhecíveis de políticas sociais, pois, como processo social, elas se gestaram na confluência dos movimentos de ascensão do capitalismo com a Revolução Industrial, das lutas de classe e do desenvolvimento da intervenção estatal (BEHRING et al., 2011, 47).

Como observado na figura 2, as primeiras iniciativas das legislações e protoformas das políticas sociais.

Figura 2: Histórico das legislações e protoformas das políticas sociais. Fonte: Autoria própria a partir de hoje (BEHRING et al. , 2011).

Parafraseando Potyara (2000), a política social está intimamente ligada aos desdobramentos das expressões da questão social, uma vez que sua origem está associada às transformações produzidas pelo processo de industrialização na Europa no século XIX:

De início gostaria de delimitar, historicamente, a política social de que irei aqui me ocupar, a qual, de acordo com a sugestão implícita ao tema que me foi confiado, tem a sua origem associada à questão social surgida na Europa no século XIX, no rastro das transformações produzidas pelo processo de industrialização. Esta delimitação se faz necessária porque a política social como sinônimo genérico de proteção aos pobres, envolvendo o Estado e a sociedade sob diferentes justificações (morais, religiosas, educativas, correcionais), é um fenômeno antigo, que antecede em centenas de anos o advento de dois principais movimentos antagônicos que estão na base da chamada questão social (POTYARA, 2000, 119).

Na figura abaixo, podemos observar o histórico e as primeiras criações dos regimes de Seguridade Social no mundo ocidental.

Figura 3: Regime de seguridade social. Fonte: Autoria própria a partir de dados encontrados em (BEHRING et al., 2011.

Nesse sentido, é possível afirmar que a política social se manifesta através das relações sociais que se transformam ao longo da história.

4. O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL (EBES) — WELFARE STATE.

O Estado de bem-estar social (EBES) surge do contraponto do modelo exploratório da revolução industrial e sua intervenção na área econômica, de modo a regulamentar as atividades produtivas e assegurar a geração de riquezas materiais com a diminuição das desigualdades sociais (MAZERA, 2016, 28–62).

Nesta conexão, o Estado de bem-estar social consolida-se na Europa, como também aponta Yazbek (2008):

Após a 2ª Guerra Mundial o Estado de Bem-Estar Social consolida-se no continente europeu. O Plano Beveridge (1942) na Inglaterra serviu de base para o sistema de proteção social britânico e de vários países europeus. A referência conceitual desse sistema foi a noção de Seguridade Social entendida como um conjunto de programas de proteção contra a doença, o desemprego, a morte do provedor da família, a velhice, a dependência por algum tipo de deficiência, os acidentes ou contingências sociais. (YAZBEK, 2008, 8)

O Estado de bem-estar social, também configurado como Estado assistencial, tem como propósito garantir padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social a todos os cidadãos. Yazbek (2008), nos direciona mais uma vez quanto a estas questões:

De modo geral, o Estado de Bem-Estar Social pode ser caracterizado pela responsabilidade do Estado pelo bem-estar de seus membros. Trata-se de manter um padrão mínimo de vida para todos os cidadãos, como questão de direito social, através de um conjunto de serviços provisionados pelo Estado. (Yazbek, 2008, 7)

No século XX, a partir da crise econômica de 1929 e a quebra da bolsa de Nova York, a economia capitalista encontrava-se sem controle do ponto de vista da regulamentação estatal, provocando tensões, conflitos e gerando profundas desigualdades sociais.

Os modernos sistemas de proteção social do século XX então surgiram, historicamente, junto ao capitalismo industrial e a tríade Estado-mercado-família, e expressavam o reconhecimento da responsabilidade pública. Estes mecanismos de proteção social diferenciavam-se do antigo sistema pautado na religião, na família e na comunidade concebidos como modalidades de intervenção estatal na área social.

Entretanto, na década de 1970, esse modelo de Estado entrou em crise, criando profundas incertezas quanto ao crescimento econômico e a oferta de serviços sociais à população, uma vez que sua sustentação está relacionada à capacidade de desenvolvimento econômico de cada país. Essas condições foram oportunas para a desagregação da relação entre capital e trabalho.

Posteriormente, as décadas de 1980 e 1990 constituíram um marco histórico no desmonte até então gradual do Estado de bem-estar social, principalmente na Inglaterra após a eleição da primeira ministra Margareth Thatcher do partido conservador, a qual promoveu uma política de privatização das empresas públicas. Gradativamente, outros países foram adotando a mesma política.

Submetido à ordem e aos interesses do mercado, o Estado é pressionado pela globalização neoliberal, rompeu cada vez mais com os vínculos de proteção social, direitos e trabalho.

Esta transição dos Estados impôs novos e grandes desafios para as políticas de proteção social e dos direitos sociais, diante do avanço das privatizações e do fortalecimento da abertura comercial em um contexto dominado por interesses do capital: “as propostas neoliberais em relação ao papel do Estado na esfera da Proteção Social são propostas reducionistas, voltadas apenas para situações extremas, portanto com alto grau de seletividade e direcionadas aos estritamente pobres através de uma ação humanitária coletiva, e não como uma política dirigida à justiça e à igualdade” (YAZBEK, 2008, 8).

Assim, o EBES tem se revelado um paliativo para as necessidades básicas de igualdade de oportunidades, já que tem produzido desigualdades na oferta e procura de bens, serviços e recursos. Assim, o Estado de bem-estar social, com suas políticas, seu aparato institucional, suas justificações teóricas e ideológicas e seu acervo técnico profissional revela-se como parte integral do sistema capitalista (YAZBEK, 2008, 4).

Esses dados estão sumarizados na figura abaixo.

Figura 4: Diferença entre o EBES e Estado liberal. Fonte: Autoria própria a partir de dados encontrados em (BEHRING et al.2011).

Desta forma, podemos dizer que o Estado não é neutro e tem seus próprios interesses, instituídos na capacidade de legitimar, acumular e reproduzir. No Brasil, o EBES não vem alcançando grau institucional suficiente para a implementação e efetivação de políticas sociais, consequência das desigualdades sociais e da pobreza aliadas a um vasto mercado de trabalho informal, desemprego e proteção social limitada.

Yazbek (2008), descreve e justifica porque o Brasil não alcançou o EBES.

(…) o Estado brasileiro buscou administrar a questão social desenvolvendo políticas e agências de poder estatal nos mais diversos setores da vida nacional, privilegiando a via do Seguro Social (YAZBEK, 2008, 10).

Por outro lado, as políticas sociais têm interesses de poder, destinando-se às desigualdades e não às necessidades; desenvolvem-se por interesses e não por critérios que incidam na redistribuição de bens e renda. Seus atores sociais são os grupos de interesses com certo repertório, fundamentalmente de desigualdades sociais, e protagonistas na elaboração e alteração das legislações vigentes.

Prof.Dra. Lucy Mazera.

Referências:

BEHRING, Elaine Rossetti e cols. (Orgs) [livro eletrônico] Política Social - Fundamentos e história. São Paulo: Cortez.2011. Disponível: https://books.google.com.br/books?id=Pn02DwAAQBAJ

IPEA. Política Social (2010). Disponível em: http://ipea.gov.br/agencia/images/stories/pdfs/livros/livros/livro_perspectivasdapolitica.pdf .Ação 03.jul.2018 .

MAZERA. Lucirley. “Transplante de Vida” - Medidas de proteção social e as normas de apoio às pessoas na espera para transplante renal. 2016. 165f. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016. Disponível: https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/19456/2/Lucirley%20Mazera.pdf

YAZBEK, Maria Carmelita. Estado e políticas sociais. Praia Vermelha , Rio de Janeiro, UFRJ, v. 8, n. 1, 2008. Disponível em: https://s3.amazonaws.com/academia.edu.documents/40619016/Estado_e_Politicas_Sociais.pdf?AWSAccessKeyId=AKIAIWOWYYGZ2Y53UL3A&Expires=1530805193&Signature=4r6F8SqiNDxVcEkfT%2FO3l9cLn2I%3D&response-content-disposition=inline%3B%20filename % 3DESTADO_E_POLITICAS_SOCIAIS.pdf

--

--