Escrever na internet #3: parte final

Luisa
17 min readAug 21, 2021

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Newsletters podem ser a próxima (e única) esperança para salvar a mídia! Clara me enviou esse link em setembro de 2020 na tentativa de me incentivar a retomar o tratado sobre escrever na internet. No meio tempo em que comecei a pensar sobre o tema e tentava conhecer novas newsletters, vi minha caixa de entrada lotar de cartinhas enviadas desde os Estados Unidos, principalmente pessoas com perfil de jornalista — e nem todo o conteúdo das mensagens era tão pessoal.

Eram essas pessoas que enviavam e-mails com regularidade e algumas delas já cobravam, ou estavam começando a cobrar, por parte do conteúdo produzido. Eu não tenho opinião formada sobre ganhar dinheiro na internet cobrando uma quantia dos leitores simplesmente não estou pensando sobre isso. Sem contar que eu não tenho muita paciência pra tanto texto em inglês.

Não estou interessada na possibilidade da newsletter ser uma alternativa — ou uma solução — para o modelo de jornalismo que conhecemos. Ou sobre formas de produzir conteúdo profissionalmente na internet de uma forma geral. Não estou interessada nessa discussão sobre o valor da produção de gente que dedica horas comerciais a esse trabalho. Sabemos que é um trabalho.

Mas a minha proposta do tratado sobre Escrever Na Internet nunca foi enveredar pra esse lado profissional, até porque eu desisti de seguir no jornalismo por motivos parecidos. Então fui deixando de lado todas as discussões mercadológicas que apareciam na timeline e só acompanhei de longe a debandada de alguns escritores norte-americanos do Substack, quando veio à tona que a plataforma estava apoiando financeiramente gente que disseminava ideias transfóbicas.

Voltei a pensar em quem publica textos pessoais na internet como uma forma de processar sentimentos, acontecimentos, um episódio de uma série — também pra alimentar um pouco de ego ao se ver publicado, lido, compartilhado — e acaba trocando com outras pessoas que fazem a mesma coisa. Escrever e compartilhar um texto novo na internet é ainda mais satisfatório quando você sabe que tem uma comunidade minimamente interessada no que você tem a dizer. Hoje, essa comunidade nem existe mais dentro de uma modalidade só. As pessoas estão publicando em newsletters, blogs, páginas do Medium, textões no Instagram, enfim, são várias opções para quem quer se expor digitalmente na categoria texto.

Mesmo assim, conhecer pessoas que escrevam textos pessoais em 2021 é um desafio. Não sei, é um nicho específico, e às vezes todo mundo parece estar em hiato. Descobrir novos espaços que pareçam blogs das antigas é uma tarefa difícil como peneirar os resultados do Google no começo dos anos 2000 depois de jogar as palavras-chave “blog menina brasil” no campo de busca. Uma tarefa que exige bastante tempo livre.

Como na vez em que eu estava decidida a encontrar o blog de alguma garota que também fosse prestar vestibular na mesma universidade que eu. Foi assim que, na adolescência, conheci o blog da Cristal, com quem mantenho contato até hoje, a Cristal do projeto Uma vida sem lixo e que na semana passada lançou o espaço-blog-newsletter Cuca fresca. O título do texto de apresentação é sugestivo: “Eu gosto mesmo é de blogs”. Fiquei pensando nesse conceito de “espaço-blog-newsletter” e percebi que, hoje, ter um blog é mais um estado de espírito mesmo, não importando tanto a plataforma de publicação.

Voltando ao que eu estava falando antes da anedota, o jeito mais fácil de conhecer novos blogs era ficar de olho nos links recomendados das páginas que você já conhecia — o blogroll era uma seção fixa. A indicação de um texto bacana numa newsletter nova pode acabar se perdendo no mar de links que aparecem nas nossas redes sociais e nos nossos e-mails a cada dia. Isso me faz valorizar ainda mais as newsletters esporádicas que surgem na minha caixa de entrada — quando as pessoas estão com vontade de escrever e, sem pensar muito, jogam o texto no mundo.

Em cada edição, a Fabrina com F envia o seguinte aviso: “Escrevo e mando. Sem revisão. Respeito os erros e os atos falhos para que essa conversa seja o mais natural possível. Se é que isso é possível.” Escrevemos quando a vida permite que se gaste um certo tempo com a atividade, do jeito que dá, no momento que dá. Texto que será lido numa viagem de ônibus, no horário de almoço, no intervalo entre uma tarefa e outra do home office.

O tempo das newsletters pessoais é outro, um tempo que realmente se aproxima mais ao da velha troca de cartas. Não tem pressa. Os assinantes podem ler o texto assim que ele chega, no mesmo dia, um mês depois ou simplesmente nem ler. Apagar tudo quando estiver fazendo uma limpa na caixa de entrada sem ter aberto nenhuma mensagem — newsletters deletadas como cartas extraviadas no caminho.

Numa de nossas conversas, a Karina da saudosa newsletter Meus pacová falou sobre a particularidade de escrever sabendo que as pessoas OPTARAM POR LER (maiúsculas dela) os seus textos, que ela não se sentia tão LIDA quando publicava no blog. Ainda não tinha pensado sobre isso, depois percebi que tenho a mesma sensação.

A pessoa se comprometer a receber seus e-mails parece que tem um peso maior do que um clique ocasional de um texto divulgado nas redes sociais. Como eu me desvinculei do mundo dos blogs há uns bons dez anos, é assim que consigo me ver parte de uma comunidade online. Sabendo que vai ter gente que sempre vai abrir meus textos e que aproximadamente metade dos inscritos não vão sequer ver a mensagem nova (é sério, quem são vocês? … tá, eu sei que esses inscritos-fantasmas nunca que vão abrir esse e-mail).

A newsletter é o modelo que eu escolhi pra continuar escrevendo na internet. E as outras pessoas que enviam cartinhas? Por que escrever numa newsletter? Por que, mesmo depois do desaparecimento da maioria das newsletters, continuam enviando textos ocasionais por e-mail?

Não sei se dá pra dizer que ‘escrevo na newsletter’, mas eu escrevia com uma motivação parecida com a do blog: elaborar pensamentos publicamente, criar um registro pra mim e compartilhar ideias e impressões com as pessoas. Acho que a diferença é que a newsletter é menos pública (apesar de ter um arquivo público, não é algo que se encontra facilmente e é um formato que não combina muito com compartilhamento em larga escala), tem uma ideia maior de diálogo e proximidade com quem lê, e pelo menos pra mim rola uma ambiguidade de me sentir mais livre porque sei que quem assina é porque realmente se interessa (exige um trabalho maior assinar a newsletter do que sei lá ver um story) mas fico com medo de invadir o espaço das pessoas (???) por estar chegando na caixa de entrada (não veria problema em atualizar um blog 3x na semana mas na newsletter sim).

(Anna Vitória — 10/07/2020 — entrevista via zap em plena sexta-feira à noite)

Pensando na newsletter enquanto ferramenta de envio de textos, Anna recuperou mais ou menos os mesmos argumentos sobre o surgimento das cartinhas por e-mail: fugir dos algoritmos, se libertar da lógica das redes sociais, ter uma interação mais íntima com leitores. A resposta dela é do ano passado, antes do 27 caos, projeto cápsula de envio de textos curtos diários com indicações de músicas, textos breves e reflexivos e, basicamente, um compilado de lições caóticas, causos e caôs acumulados por ela nesses tempos de isolamento social. O envio dos e-mails está interrompido desde 12 de abril, e a graça da internet é justamente não cobrar quando Anna vai voltar a escrever e enviar os textos, mas estar aqui esperando ela voltar quando puder, quando quiser.

Eu ainda gosto muito de newsletters. Sou um pouco antiquada, ainda insisto em ter um blog, coisa que todo mundo diz que já morreu, e acho que esse tipo de coisa tem valor. Gosto também que a coisa seja razoavelmente pequena, e do espírito de comunidade que acaba se formando, já que o valor dele não fica sendo só pelo que escrevo, mas também pela construção desses gostos em comum. Gosto de escrever essa newsletter, e de todo o trabalho de pensar que tipo de coisas sei a ponto de valer a pena compartilhar no blog, e gosto da bagunça no meu cartão de fotos com várias imagens aleatórias de lotes vagos, plantas de sarjetas e beiras de estrada, pratos arrumadinhos das melhores coisas que servi na minha casa, e etapas de plantas crescendo no meu jardim.

(Carla Soares — 15/07/2018 — [OutraCozinha #28] Empurrãozinho)

Num papo pelo Twitter, Carla falou da newsletter como uma forma de burlar os algoritmos — aparentemente burlar os algoritmos é uma unanimidade — com textos que serão lidos no tempo do leitor. A newsletter também seria uma alternativa que abre possibilidades de conversa — mesmo com as desvantagens da ferramenta, que às vezes o e-mail pode cair na caixa de spam, outras vezes o e-mail vai acabar perdido em caixas de entrada que vivem atoladas com milhares de mensagens não lidas. Hoje, a maior parte das newsletters da Carla são recompensas aos apoiadores do projeto Outra Cozinha, mas uma ou outra edição gratuita do TinyLetter ainda aparece de vez em quando no meu e-mail.

Na edição #123 da newsletter Queria ser grande, mas desisti, Bárbara Bom Ângelo analisa o imediatismo do Instagram, provavelmente a rede social mais usada nesses tempos. É o aplicativo que eu abro pra me localizar no mundo, saber o que os outros estão fazendo, mesmo que seja pra sofrer com cada vez mais gente abandonando o isolamento social.

Na lógica da timeline, para encontrar uma postagem interessante que você não tenha salvo para ver depois, seria necessário fazer um bom exercício de memória — onde-foi-que-eu-vi-isso-mesmo?

Por isso, me mantenho apegada ao formato da newsletter. Não preciso ficar acenando ao mundo que publiquei um texto novo — ele simplesmente chega na caixa de e-mail dos que realmente estão interessados. Você, aí do outro lado, é uma audiência especial.

(Bárbara Bom Ângelo — 17/07/2020 — Queria ser grande, mas desisti #123)

Por coincidência, esse texto chegou na minha caixa de entrada um dia antes da segunda parte do meu tratado sobre a internet e eu só fui ler depois que enviei o e-mail. Bárbara me respondeu falando que, para ela, um dos motivos de continuar com a newsletter é o sentimento de não ter que ficar divulgando em todas as redes o novo texto. Não que a gente não vá fazer isso, só não vai ser uma obrigação. Gosto de como a Bárbara divulga seus textos no Instagram, destacando trechos em posts compartilháveis, aproveitando a dinâmica da rede pra disseminar um conteúdo em que o leitor pode ficar imerso por mais que alguns segundos.

Em abril, Bárbara anunciou que uma seleção de textos da newsletter vai virar livro. Por enquanto, ela já escreveu sobre bastidores do projeto gráfico e imagino que o processo do livro ainda vai aparecer mais na newsletter.

Em 2019, a pioneira Aline Valek já tinha lançado o livro Bobagens imperdíveis para ler numa manhã de sábado, coletânea com os melhores textos publicados entre 2014 e 2016 na newsletter de mesmo nome. É bom acompanhar como as newsletters vêm resistindo por tanto tempo. Com baixas, com novas publicações surgindo ou com as veteranas persistindo a ponto de lançar um livro.

Outra resposta importante que recebi depois que comecei a escrever sobre a minha relação com a internet foi enviada pela Clara Browne depois da primeira edição do tratado. No e-mail-resposta, ela me contou de todo o seu processo na internet até chegar na newsletter Só quem é clarividente pode ver. A nossa troca de e-mails terminou numa entrevista que, por pouco, não veio parar aqui na íntegra. Se isso aqui fosse uma revista mensal ou um suplemento de final de semana, a nossa conversa apareceria como uma ping-pong ao lado da matéria principal.

Escolhi começar com uma newsletter exatamente por ser um espaço que, em 2016, não era profissional, muito pelo contrário: era algo bem pessoal, que só quem tava interessado na minha vida e nas coisas que penso iriam assinar e ler. Na época, eu tava escrevendo muita coisa pra sites, a newsletter era uma forma de fugir disso, falar sobre o que eu quisesse e da forma que eu quisesse. A ideia era ter um espaço de prática e experimentação. Foi por que não tinha nenhum compromisso que pude desenvolver minha escrita e me permitir questionar e mudar meu processo criativo e, com isso, escrever melhor.

Também acho que tem esse tom intimista de aparecer no e-mail da pessoa que gosto muito. Por mais que dê pra acessar o arquivo, esse é um texto que vai direto pros leitores. Não tem que clicar num link, a pessoa pode encaminhar pra amigues se quiser, é uma linha direta entre quem me lê e e eu que escrevo. Não tem que abrir outros sites, clicar em nada, cê me responde recebo direto no meu e-mail, sabe? É pessoal e sinto isso quando escrevo. Sei com quem tô falando, não tô jogando essas palavras no mar que é a internet. Não é uma Criação de Conteúdo, é uma conversa. Isso muda muito o tom.

(Clara Browne — 10/07/2020 — entrevista exclusiva por e-mail)

Pensei bastante nesse trecho sobre a newsletter ser uma conversa. Tem tudo a ver com o que ela me falou depois sobre a necessidade de compartilhar o que escreve como uma parte fundamental do processo: “muito do que me mantém criativa é a troca constante de ideias. É isso que me mantém animada com meus projetos, que me faz seguir em frente, me ajuda a elaborar dificuldades e dúvidas que surgem, assim como simplesmente desenvolver a ideia — seja da história em si, dos personagens, do conceito do livro etc.”

A troca constante de ideias. Para escrever esses textos sobre escrever na internet, conversei sobre o tema com amigas que fazem parte desse mundo e com outras pessoas nem tão próximas assim de mim, li arquivos de newsletters, até dei uma olhada em blogs antigos que ainda estão no ar.

A série de textos tem a minha experiência como fio condutor a e seria ainda mais restrita se não tivesse trocado ideia com tantas pessoas diferentes. Afinal, a minha intenção era pensar melhor no que me faz escrever na internet para, assim, parar de fazer as coisas no automático e aproveitar pra ver se eu não queria talvez mudar um pouco, começar um novo capítulo, explorar novas alternativas, virar a página, esse tipo de clichezão mesmo.

Na newsletter, escrevi textos que nunca pensei que compartilharia na internet, textos que nem estão no arquivo público do TinyLetter. Escrevi também as coisas de sempre, impressões de leitura, crônicas sobre o meu dia a dia. Mas cada vez sinto que não estava me dedicando o quanto gostaria ao projeto, sem foco, sem saber qual direção seguir.

Sem um propósito razoavelmente delimitado, era muito fácil me perder na espontaneidade do envio de newsletters e passar meses sem dar as caras por aqui, deixando de desenvolver várias ideias que surgiam na cabeça. Porque as ideias surgiam, como sempre, e eu escrevia na minha cabeça textos que nunca eram finalizados no papel.

Outro dia, uma pessoa extremamente desagradável da internet me mandou uma mensagem dizendo que achava que minha newsletter seria boa, mas meus textos começavam parecendo que iam para um lugar, iam para outro e não davam em lugar nenhum. É a maior e mais pura verdade. Eu escrevo, em boa medida, para elaborar as coisas, para conseguir pegar na mão o que não tenho conseguido. Para jogar no mundo reflexões que têm me assombrado e que por um ou outro motivo eu sinto que não são só minhas, que não tem a ver só comigo, mas talvez sejam um momento social, talvez sejam minha forma de reagir a movimentos mais amplos, talvez essa minha tentativa de dar sentido faça sentido para outras pessoas.”

(Isadora Sinay — 12/09/2019 — [Não Tenho Critérios, Mas Tenho Princípios #55] No hay banda)

Nesse trecho, a Isadora nem está falando de um jeito de escrever que é específico da newsletter, mas que é o que eu sempre percebi na minha relação com blogs e newsletters. Escrever sabendo que vou publicar o texto na internet é o que me faz elaborar melhor meus pensamentos. Os meus cadernos vão ser sempre preenchidos apenas com ideias, parágrafos soltos, textos inacabados.

O leitor é o meu caderno” (“The reader is my notebook”) é, inclusive, o nome da newsletter da Patti Smith. O lançamento dessa newsletter — em 31 de março de 2021 — foi um acontecimento para as pessoas que eu acompanho no Twitter. Agora estamos todos com a caixa de entrada atolada de e-mails enviados pela artista consagrada e rainha do Instagram Patti Smith. Por enquanto, foram enviadas 18 edições grátis e 9 pagas. Alguém tá conseguindo ler tudo isso?

Ainda não consegui me conectar com os textos que ela tem mandado na modalidade de assinatura gratuita. E talvez o melhor realmente esteja na versão paga — que é por lá que vão sair os trechos dos diários dela durante a pandemia — , mas vocês sabem o preço do dólar, não preciso nem me explicar.

Enfim, a questão é que, na introdução ao projeto, Patti escreve sobre reinventar seu processo de escrita nesses tempos de pandemia, planejando formar uma comunidade a partir da newsletter. É um jeito mais rápido de se conectar com o leitor do que esperar a publicação de um livro. Um jeito de não se sentir tão só, um jeito de ver seus textos ganhando o mundo e fazer com que essa perspectiva do compartilhamento faça parte do processo criativo.

Quando penso na minha escrita e nos meus planos ainda não totalmente formados, penso em abordar assuntos que me intrigam, que me incomodam, que me inquietam. E tenho essas duas referências que sempre estão me rondando:

  • Escrever o livro que eu quero ler e que ainda não foi escrito ainda. (“If there’s a book that you want to read, but it hasn’t been written yet, then you must write it.” — Toni Morrison)
  • Escrever sobre o que eu mais tenho medo de escrever. (“The thing you are most afraid to write. Write that.” — Nayyirah Waheed)

Eu não pra onde essas referências vão me levar. E sei que não preciso saber isso agora. O que me deixou com vontade de mudar o jeito de levar a newsletter tão despretensiosamente foi me dar conta que eu estava sempre escrevendo na minha cabeça e não fazia nada com esses rascunhos. E também foi querer melhorar o meu jeito de usar a internet para realmente me dedicar a esse projeto quando estiver com vontade. Ideias de textos surgiam e logo eram substituídas por novas ideias sem que eu conseguisse sair do processo de pensar. Não sentava pra escrever e depois compartilhar o texto.

Um trecho de A louca da casa, da escritora Rosa Montero, ecoa em mim desde que li o livro em 2018:

nós inventamos nossas lembranças, o que é o mesmo que dizer que inventamos a nós mesmos, porque nossa identidade reside na memória, no relato da nossa biografia. […] É uma escrita, naturalmente, sem texto físico, mas qualquer narrador profissional sabe que se escreve sobretudo dentro da cabeça. É um runrum criativo (runrún creativo) que nos acompanha enquanto estamos dirigindo, ou levando o cachorro para passear, ou na cama tentando dormir. A gente escreve o tempo todo.

Também guardei coincidentemente desde 2018 um trecho de Elvira Vigna no livro Deixei ele lá e vim. Não me lembro tanto do que acontece na história ou quem é a personagem que fala sobre constantemente “inventar os últimos acontecimentos, e os primeiros. Ou os que nunca de fato aconteceram mas poderiam. Ou os que aconteceram e eu guardei num lugar separado para depois, para quando tivesse tempo e calma, numa hora como a de agora, em que conto tudo isto, ou como aquela daquele momento, em que estava na praia. Nestas horas em que os pego de novo, esses acontecimentos, e os que nunca o foram, arrancando-os do preto que nunca sei se está dentro ou fora, para decidir então como eles foram, ou serão, ou poderiam. Decidir qual o sentido que neles cabe, qual a roupa.”

Eu já tinha o runrún creativo de Rosa Montero, só faltava parar com tempo e calma, numa hora como a de agora, para reinventar os últimos acontecimentos, e os primeiros, como escreveu Elvira Vigna.

O que eu realmente gosto de escrever na internet e o que faz sentido pra enviar com regularidade numa newsletter?

A primeira coisa que me passou pela cabeça foi o cotidiano. Sempre gostei de escrever sobre algo do meu dia a dia. Não relatar tudo o que acontece comigo como num diário. Mas escolher um tema corriqueiro e desenvolver um texto sobre um assunto banal, correr atrás de ônibus, uma conversa que eu ouvi por acaso, a experiência de fazer compra do mês no dia em que o valor do vale alimentação é liberado. Eu sempre quis ter a minha própria coluna de textos. E a internet me permite escolher onde deixar meus textos, o dia de publicação, o tamanho ideal e o formato.

Pois bem. A partir de agora, a doses de tiquira vai ser uma newsletter de crônicas. É pra chegar um texto semanal às quintas-feiras, em horário a ser definido ou a não ser definido nunca. Essa também é a minha despedida do Tinyletter. Voltarei em outra plataforma, que já existem opções para fugir desse layout bagunçado. A mudança ainda vai acontecer e ainda estou decidindo o novo lugar — estava firme com o Revue até que não consegui aguentar mais a expressão “Curadoria cuidadosa” que acompanha os e-mails.

De qualquer forma, vou conseguir importar os assinantes para o lugar novo. Você aí que quer continuar recebendo as edições por e-mail não precisa fazer nada. A proposta é definir um limite de 5 mil caracteres por texto como se eu realmente estivesse comprometendo com uma publicação. Quer dizer, estou me comprometendo com vocês, com a newsletter, mas sou eu quem faz as regras, não preciso da limitação do espaço físico de uma página impressa.

Depois de tomar essa decisão, já escrevi a crônica de estreia da nova temporada e me diverti tanto no processo que estou animada, sinto de verdade que o projeto vai vingar. Não sei por quanto tempo vou querer escrever crônicas, sem ampliar para um comentário cultural ou, sei lá, listas sobre as melhores receitas que fiz nesses meses infinitos de isolamento social. Isso vou resolvendo com o tempo.

Por enquanto, se quiser enviar um texto que não seja uma crônica de até 5 mil caracteres (e provavelmente não muito menor que isso), vai ser uma edição extraordinária, enviada num dia que não seja a quinta-feira. E tenho lá minhas dúvidas se isso vai mesmo acontecer. Quando digo que vou escrever crônicas é pensando nas referências de sempre: Rubem Braga, Vanessa Barbara, Rachel de Queiroz, Zélia Gattai e, claro — não tenho como negar — Antonio Prata. Faz tempo que não consigo realmente desfrutar das crônicas que ele publica hoje, mas a referência do Antonio que escrevia na última página da Capricho sempre vai estar aqui em algum lugar.

Ah, caso você esteja curiosa sobre o tamanho de 5 mil caracteres — medir texto em caracteres foi algo que nunca perdi da faculdade de jornalismo — o primeiro texto tem uma página e meia, exatamente seis parágrafos. Não vai tomar muito tempo do seu tempo. É pra ser curto e simples.

Também ainda estou pensando em seções fixas para a newsletter. Sei que as pessoas gostam de links para acumular em abas pra sempre abertas no navegador, então a partir da minha defesa de newsletters (e blogs) nessas três partes do tratado sobre escrever na internet, pensei em recomendar os textos novos que chegarem até mim entre uma semana e outra. Prefiro essa ideia a fazer um guia único que logo ficaria desatualizado. Tudo vai se ajeitando aos poucos.

Talvez na próxima quinta ou ainda na outra chegue uma crônica novinha no seu e-mail. Por aqui, tenho trabalhado nos meus rascunhos e lido coletâneas pra ter exemplos e inspirações. O livro da vez é O romance morreu de Rubem Fonseca — gostei muito de um texto em que ele fala sobre os melhores lugares para comer pipoca no Rio de Janeiro.

Antes de deixar esse espaço, vou só anotar a senha do login num lugar decente pra não repetir o erro que cometi com meu antigo blogspost.

Depois daquela primeira parte sobre os blogs, tentei entrar em contato com O Dono Do Blogger — o famigerado Google — pra provar que aquele espaço era meu e que gostaria que ele saísse do ar. Sempre recebo a mesma mensagem automática: “Agradecemos seu contato. O processo de análise pode levar até 72 horas para ser concluído. Só voltaremos a entrar em contato com você se precisarmos de mais detalhes ou tivermos outras informações para compartilhar.

E, aparentemente, nada de informações para serem compartilhadas comigo. A internet tem vida própria e tudo bem, não li todos os termos, nem vou ler e, ainda assim, aceito continuar. Só quero dar o meu próximo passo online, às vezes a gente só precisa de um caderno novo mesmo.

Texto originalmente publicado na newsletter Doses de tiquira em 27 de maio de 2020.

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Luisa

Todas minhas conversas terminam em Isabel Allende.